Capítulo 20: Exame de subida de Rank parte 2
— Estou feliz por te encontrar aqui. E ao seu lado… — disse Sahira, com a voz mansa, como quem conversa com o vento.
Ela não olhava diretamente pra mim, mas sabia onde eu estava. Era como se me sentisse, ao invés de me ver. Seus olhos âmbar brilhavam, distantes, mas atentos.
Depois de um pequeno silêncio, ela virou levemente o rosto na direção de Rina — mesmo sem focar o olhar.
— Rina Ebony, não é? — murmurou. — Enfim… estou um pouco atrasada para a apresentação. Nos vemos daqui a pouco.
E, sem esperar resposta, Sahira virou-se com leveza e se afastou, como se dançasse a cada passo.
Ela me deixava desconcertado. Tinha algo nela… algo que fazia o ar ao redor ficar mais denso e mais leve ao mesmo tempo. Misteriosa, sim. Mas fascinante.
— Ela é bem… interessante — comentei, mais pra mim mesmo.
Rina deu um leve “tch”, impaciente, e seguimos para a Arena 4.
No caminho, encontramos Shin, que andava apressado, mas parou ao nos ver.
— Parece que você também vai lutar na Arena 4! — ele disse, surpreso. — Que alívio, achei que seria o único conhecido.
— Eu também — respondi, abrindo um meio sorriso.
Rina ficou um pouco atrás, como se estivesse fora de lugar, os braços cruzados e o olhar fixo em qualquer coisa que não fosse a conversa.
A Arena 4 ficava nos fundos do prédio principal. Quando cheguei, meus olhos se arregalaram.
O espaço era enorme, e logo percebi que não havia arquibancadas — só uma mureta baixa cercando todo o local. Era óbvio: não teria plateia. Ali, só estavam os que iriam lutar.
Dentro da arena, existiam quatro quadras de combate, cada uma com uma equipe de funcionários ao redor — ou seriam avaliadores? Todos pareciam estar estudando os espaços com atenção, como se cada centímetro do chão dissesse algo.
Ainda não era meio-dia. O sol estava desaparecendo com as nuvens cinzas talvez chuva.
— Vou buscar alguma coisa pra comer. Quer algo? — perguntou Shin.
Antes que eu pudesse abrir a boca, Rina se adiantou como se fosse minha gerente pessoal:
— Quero um salgado de frango, um suco e doces. Bastante.
Shin hesitou por um segundo, soltou uma risadinha meio nervosa e assentiu. Eu só balancei a cabeça, rindo por dentro. Ele foi.
Então, Rina apontou para o centro da arena, e eu me virei.
Uma música animada começou a ecoar pelos alto-falantes, e, de repente, um grupo de garotas entrou marchando em perfeita sincronia.
Todas usavam roupas cerimoniais parecidas com as de Sahira e Sayra — trajes tribais com tecidos dourados, pedras coloridas e desenhos inspirados no fogo e na natureza. Cada uma tinha uma variação, um toque pessoal. E todas tinham a pele morena e reluzente, como bronze polido ao sol.
Sahira estava entre elas.
Quando a música subiu, as garotas começaram a dançar.
Era um espetáculo.
Os quadris se moviam com graça e precisão, os braços desenhavam formas no ar como se comandassem o vento. Era ao mesmo tempo um ritual, uma celebração… e uma ameaça. A dança carregava poder.
Fogo em forma de movimento.
— É uma dança tradicional do Clã Alani — comentou Rina ao meu lado, sem tirar os olhos da cena.
Foi aí que a ficha caiu.
Era mesmo um clã.
E todos ali exalavam a mesma aura quente, viva e ancestral.
Antes que eu pudesse reagir, uma presença chamativa demais pra ser ignorada invadiu meu campo de visão.
Levi.
Exalando confiança como sempre, os cabelos longos estavam presos num rabo de cavalo elegante. As roupas justas marcavam seus músculos com propósito. Ao lado dele, um sujeito que não me era estranho: o vice-presidente do conselho.
Levi abriu os braços com um sorriso largo e extravagante.
— Garoto Orquídea! Então você também está na Arena 4! Hahahaha! Vou poder ver sua luta. Isso me anima.
O vice-presidente se virou lentamente. Sua voz carregava algo… venenoso.
— Muito prazer.
Você deve me conhecer.
Luis Figui. Vice-presidente do conselho.
O jeito que ele falava, o modo como sorria… tudo nele parecia escorregadio demais.
Mas se estava com Levi, então talvez… talvez fosse confiável. Ou, pelo menos, tolerável.
Luis trocou um olhar com Rina, depois virou a cabeça para a arena — onde as garotas do clã Alani ainda dançavam com energia.
O relógio da arena tocou, um som limpo e agudo.
As dançarinas cessaram os movimentos. Com um último giro, todas saíram de cena sorrindo, como se tivessem cumprido uma missão sagrada.
Foi então que ela apareceu.
Uma mulher subia os degraus da quadra central. Devagar. Com presença.
Os cabelos eram longos, prateados como névoa congelada, caindo até a cintura em um corte reto, preciso. Sua pele era pálida como porcelana, contrastando com olhos azul-acinzentados que pareciam atravessar tudo que olhavam — como se lessem não sua expressão, mas sua intenção.
Vestia o uniforme cerimonial da academia, branco, com detalhes pretos e dourados. No peito, o símbolo do Yin-Yang bordado em fio de ouro.
Lembrava os antigos mestres de artes marciais, mas com um toque moderno. Era a mistura perfeita de tradição e autoridade.
Ela parou no centro da arena, as mãos para trás, postura reta como uma lâmina, e então disse com voz clara, firme, porém serena:
— Olá a todos.
Sou Nivellen Dreyo, observadora de lutas.
Estarei responsável pela Arena 4.
O silêncio que se seguiu foi quase sagrado.
Ela não precisou gritar.
Sua simples presença já comandava respeito.
E naquele instante, ficou claro:
A luta estava prestes a começar.
Então ela era a quarta observadora de lutas.
Nivellen Dreyo. Fria, elegante, cortante como uma lâmina mergulhada em gelo.
Ela era diferente dos outros, dava pra sentir isso no ar. Cada arena parecia ter seu próprio guardião. E ela… ela era a nossa.
Estava prestes a falar mais alguma coisa quando, do outro lado da arena, meus olhos caíram sobre ele.
Rico Zyx.
O segundo mais forte do quarto ano. O mesmo que me destruiu sem esforço no começo do ano.
Estava ali, tranquilo, conversando com alguns alunos como se nada importasse. E por causa disso, eu mal consegui ouvir o que a Nivellen dizia. Só peguei a última frase:
— A partir de agora, começa a prova prática do exame de subida de Rank. Espero que aproveitem.
Ao mesmo tempo, os dispositivos de Levi e Luis apitaram com um som seco e agudo. Outros começaram a apitar ao redor também.
— Está na hora da nossa luta, não é mesmo? Luis Figui. — disse Levi, com um brilho de excitação nos olhos.
— Mas é claro, meu grande amigo, Levi Gressi. — respondeu Luis com aquele tom falso e malicioso, como se falasse mais com os dentes do que com a língua.
Meu coração disparou.
Ver os dois lutarem era como assistir a um eclipse: raro, grandioso… e perigoso.
Foi aí que o Shin voltou, equilibrando duas sacolas na mão.
— Acho que perdi alguma coisa, né? — disse, olhando ao redor. — Que sorte não é a sua hora de lutar…
Rina não perdeu tempo. Pegou a comida da mão dele e começou a comer com delicadeza felina, como se nada estivesse acontecendo ao redor.
— Ter amizade com Levi Gressi é uma honra enorme. — murmurou entre mastigadas.
— Você acha? — perguntei, ainda tentando acreditar que veria Levi lutando de verdade. — Ele é o segundo mais forte do terceiro ano.
— Isso é porque ele quer. — respondeu ela, engolindo. — Pra falar a verdade… eu acho que o Levi é até mais forte que a Solara Whitmore.
Aquilo me fez engasgar com o ar.
Mais forte que a presidente do conselho?
A mesma Solara que tem três estrelas negras nos olhos?
Era difícil de acreditar.
Mas conhecendo o Levi… com aquele ego, ele jamais aceitaria usar algo que “estragasse” seu visual. Talvez fosse por isso que não usava a estrela. Talvez ele fosse forte o suficiente pra não precisar.
Enquanto eu me perdia nesses pensamentos, Levi já estava na arena, parado de frente para Luis Figui.
As outras quadras também começaram a movimentar seus lutadores, mas… era impossível ignorar a tensão na arena central.
Todos os olhos estavam neles.
Nivellen nem precisou levantar a voz.
— E então… comecem.
Luis sorriu, abrindo os olhos lentamente.
Frio.
Calculista.
Cheio de veneno.
Levi se inclinou um pouco, o corpo como um arco tensionado.
E então — ele avançou.
Rápido.
Mais rápido do que meus olhos conseguiam acompanhar.
Um soco direto — um impacto limpo no rosto de Luis.
O som seco do golpe ecoou na arena. Luis apenas virou o rosto com o impacto, os olhos ainda semicerrados. Levi recuou com um salto elegante, como se estivesse dançando.
Luis tocou o rosto com a ponta dos dedos, sorrindo.
— Golpe forte, Levi. Essa doeu.
Levi respondeu com um riso de canto de boca.
— Maldito… pensei que fosse desviar. — ele ergueu o braço.
E então… ele congelou.
O braço direito de Levi foi tomado por cristais de gelo num piscar de olhos. Um estalo cortante no ar. Azul, frio, brilhante.
Luis falava com tranquilidade, como se estivesse comentando o tempo:
— Não se preocupe. Esse gelo não vai ficar aí pra sempre. Três dias de descanso e passa.
O braço congelado de Levi estava completamente roxo, como se o sangue tivesse sido drenado.
Mas o que veio a seguir foi ainda mais impressionante.
Com apenas dois dedos da mão esquerda, Levi deslizou sobre o braço congelado…
E o gelo se partiu como vidro fino, evaporando no ar.
A cor roxa foi sumindo.
Como se nada tivesse acontecido.
— Você acha que só isso vai me derrotar? — Levi disse. — Você me subestima demais, Luis.
Luis ergueu uma sobrancelha, o sorriso torto no rosto.
— Vale tentar, né? — ele girou o pescoço, os ombros. — Mas vamos pra valer agora?
Vamos mostrar aos novatos o que é uma briga de gigantes?
O chão ao redor de Luis começou a congelar.
O ar se partia em pequenos flocos de gelo, visíveis à luz.
E então o olho esquerdo dele — o do floco de neve — começou a brilhar violentamente, como um cristal místico prestes a explodir.
O silêncio da arena foi tomado por um arrepio coletivo.
Levi ficou em posição.
Seu corpo estava imóvel, mas o ar ao redor tremia como se algo gigantesco estivesse prestes a despertar.
As mãos dele começaram a brilhar — um branco intenso, quase sagrado, mas violento como a luz de uma estrela prestes a colapsar.
— Quinto Selo: Dragão Branco, Último Pecado.
Essas palavras soaram como trovões abafados.
E então, eu senti.
Mesmo à distância, como um mero espectador, fui engolido por uma aura imensa, opressora, esmagadora.
Como se uma criatura colossal, feita de pura energia, estivesse surgindo por trás dele.
Um dragão? Uma entidade? Eu não sabia dizer…
Só sabia que era monstruoso.
Luis arregalou os olhos. Pela primeira vez, ele parecia realmente preocupado. O sorriso havia desaparecido.
Ele não falava mais como um vilão brincando com a presa.
Ele estava em alerta.
Levi disparou.
O som do avanço foi quase sônico.
A arena tremeu — e, por um segundo, eu pensei que ele ia simplesmente atravessar Luis como um raio.
Mas…
Nivellen apareceu no caminho.
Do nada. Como um corte na realidade.
Com uma velocidade que desafiava tudo que eu entendia como “rápido”, ela interceptou o golpe de Levi com as duas mãos nuas.
Luis ficou pálido.
Chegou a suar.
E Levi… apenas parou o golpe a milímetros do corpo dela.
Ele suspirou, frustrado, e falou com um sorriso torto:
— Eu ia parar no último segundo. Que desperdício de energia…
— ele olhou para Luis — Agora estamos 17 a 14, Luis.
Luis riu, ainda com o rosto levemente tenso:
— Parece que sim.
A plateia prendeu a respiração.
Era esse o verdadeiro Levi Gressi?
Aquilo… aquilo superava até mesmo Solara Whitmore.
Aquela aura… aquele poder… não parecia humano.
Eu não conseguia imaginar uma luta justa contra alguém assim.
Ali, no centro da arena, Nivellen olhava para a própria mão.
Estava ferida.
Sangue escorria lentamente por entre os dedos, mas ela não disse nada.
Seus olhos só observavam o ferimento com frieza — surpresa, talvez —, mas sem qualquer emoção no rosto.
As lutas seguiram. Rápidas. Eficientes.
Alunos entrando e saindo das quadras como se estivessem sendo julgados por deuses.
A cada segundo, mais nomes chamados.
Até que o meu apitou.
E o de Rina também.
Ela trocou um olhar comigo, sério.
E então seguimos cada um para sua quadra.
Na minha, o nome dela ecoou antes que eu pudesse respirar fundo.
Sahira D’Alani.
Ela subiu leve, sorrindo como quem vai brincar, não lutar.
Seus pés deslizavam no chão da arena como se a gravidade tivesse deixado de importar. Ela girava, pulava de um lado para o outro, com o corpo fluido como uma dança tribal. Cada movimento tinha graça e leveza.
Seus ombros balançavam ao ritmo de uma música que só ela parecia ouvir.
Seus olhos brilharam.
Ela sorriu.
E então parou.
Colocou uma mão na cintura. A outra ergueu para o alto.
— Nossa luta vai ser diferente, tá? — disse ela, com um tom quase brincalhão.
— Eu não quero uma luta sem graça. E você é um calouro meu, então vou te dar um desafio… bem fácil.
A pausa foi quase teatral.
Seu sorriso ficou mais afiado.
— Se me fizer usar as mãos… eu desisto, e você vence. Que tal? Não é mais divertido assim?
Eu travei.
O quê? Sério?
Era só isso?
Ela não podia estar falando sério… ou podia?
Mas havia algo nos olhos dela — não era arrogância. Era confiança. Uma confiança perigosa.
Por um segundo, meu coração pensou: “É moleza.”
Mas minha cabeça corrigiu na hora: “Não subestima.”
Eu fechei os punhos.
Sem armas. Sem truques.
Se ela queria uma luta divertida, eu ia dar isso a ela.
Mas dentro de mim… algo dizia que essa dança ia ser mortal.

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