O caos já tinha engolido tudo.

    Demônios nojentos, criaturas que pareciam saídas de um pesadelo — bocas em lugares errados, olhos pingando, carne pulsando como se respirasse.
    Eu corria pelos corredores da academia, ofegante, tentando encontrar algum rosto conhecido… mas era como procurar uma agulha no inferno.

    Foi aí que senti.

    Uma pressão absurda. Uma presença avassaladora.
    Quente, densa… igual à do Levi.

    Fui direto até ela. Arena 4.

    Quando cheguei, travei.

    Levi estava lá.

    No meio de um campo de corpos demoníacos.
    Cercado por dezenas — não, centenas de cadáveres retorcidos e ainda soltando fumaça negra.
    O chão rachado. O teto chamuscado. O ar vibrava.

    Ele flutuava a poucos centímetros do solo.
    Cabelos brancos como neve, levantando com a força da própria aura. Uma luz branca intensa girava ao redor dele, distorcendo até o ar.

    Os olhos de Levi estavam completamente brancos.

    Sem pupilas. Sem emoção. Apenas… poder.

    E então ele se virou pra mim.

    — Garoto Orquídea. — a voz dele ecoou direto na minha cabeça. — Rina, Holi e outros já estão salvos.
    — Não se preocupe com aqui. Vá proteger os que ainda têm chance.

    Eu não reconhecia mais o Levi.
    Era ele, mas ao mesmo tempo, não era.
    Mesmo assim, eu sabia: dava pra confiar.

    Corri. Saí da arena. Fui em direção à saída do prédio.

    Mas aí…

    Um grito.

    Gritei, virei — e vi o professor Geovan, correndo pelo corredor.

    Só que… um demônio gigantesco, com a cabeça cheia de agulhas, surgiu de um buraco e mordeu o braço dele, jogando o corpo contra a parede, arrastando-o para outro corredor.

    — GEOVAN! — gritei, mas meus pés travaram.

    Outro demônio, uma criatura parecida com uma minhoca gigante com escamas, veio por trás.
    Antes que pudesse fazer algo — Luis apareceu, congelando a criatura com um estalar de dedos.

    Sem pensar, abri um portal.
    Me teleportei até ele.
    O puxei antes que outro monstro surgisse.

    Ele caiu ao meu lado, ofegante.

    — Valeu, Ken…

    Eu assenti. E aí, pela primeira vez…

    Puxei a adaga.

    A lâmina brilhou em preto e vermelho vivo. Agora, eu sabia o que ela era.

    E, de forma estranha… eu não sentia mais nojo.

    Demônios surgiram à frente, berrando, urrando, cuspindo gosma.

    Luis se colocou à frente e disse com firmeza:

    — Ken… sai do prédio. Deixa isso com seu veterano.

    Hesitei por um segundo. Mas confiei.

    Corri.

    E quando finalmente saí…
    o que me esperava do lado de fora era um verdadeiro campo de guerra.

    Alunos caídos. Sangue no chão. Estrondos ecoando.
    Outros, com poder, ainda lutavam.

    No meio disso tudo, vi Sayra.

    Girando, pulando, gritando — lançando escudos como se fossem bumerangues, protegendo outros alunos, matando demônios com uma agilidade de fazer inveja a qualquer combatente de elite.

    Ela era um furacão.

    Mas meu estômago embrulhava toda vez que via mais um corpo no chão.

    Mortos. Alguns que eu conhecia.
    Outros, que só agora percebia que nunca mais veria de novo.

    Mas… eu não podia parar.
    Mesmo com o mundo girando. Mesmo com o ar parecendo mais grosso a cada segundo.

    Foi então que o vi.

    Lá em cima. No alto da estrutura de luz do prédio principal.

    Natan’Zar Herys. O Observador de Lutas.

    Imóvel. Majestoso. Horrivelmente calmo.

    — Me desculpem… alunos. Professores. — sua voz ecoou por toda a academia, como se cada palavra fosse martelada no coração. — Mas às vezes… é preciso sacrificar alguns para salvar os outros.

    O céu estava nublado.

    E então ele falou:

    — Occhio do Caos: Prisão dos Nove Olhos de Maria.

    Uma aura laranja gigantesca desceu sobre toda a academia.

    Um domo. Uma prisão de energia.

    Todos os guardas da camada que se aproximavam… foram bloqueados.

    Ninguém mais podia entrar.
    Ninguém mais podia sair.

    Natan cuspiu sangue e esticou o braço.

    Pontinhos azuis começaram a brilhar nas palmas de sua mão.

    — Demônios têm almas diferentes dos humanos.
    — E se existe um ser que nos criou…
    — Ele me deu a dádiva de matá-los com facilidade.

    Ele fechou os dedos com força.

    E então… explodiu.

    Não ele. Os demônios.

    Todos. Sem exceção.

    Explodiram em chamas, luz, sangue e pó.
    Como se nunca tivessem existido.
    Num segundo estavam rugindo, no outro… nada.

    Natan cambaleou.
    E caiu do alto.

    Caindo como um boneco de pano, sangue saindo dos ouvidos, nariz, olhos…
    De todos os orifícios.

    Mas antes de atingir o chão —
    um círculo de luz o amorteceu.

    Mesmo no estado que estava… ele havia salvado todos nós.

    Quando todos os demônios explodiram em um clarão de luz, por um momento, senti alívio.

    Paz. Respirei. Pensei: acabou.

    Mas durou só um segundo.

    Como se o próprio céu tivesse sido rasgado, um impacto brutal desceu como um meteoro sobre o chão da academia — o solo tremeu, estilhaços voaram, o ar foi engolido por uma onda de pura pressão.

    Acara e Vixi.

    Duas forças monstruosas se colidiram bem na minha frente.

    Era impossível acompanhar.
    Um borrão. Um rastro de luz e trevas. Um choque constante de aço e poder.
    Explosões pequenas e precisas a cada golpe.
    A guerra das gigantes.

    Vi de longe quando Vixi empurrou Acara para trás com um golpe duplo usando duas espadas finas e vivas, como se respirassem com ela.

    Acara escorregou alguns metros.
    Mesmo com um dos olhos rasgado e sangue escorrendo pelo rosto, ela não demonstrava o menor sinal de cansaço.
    Sua postura ainda era impecável. Fria. Sólida.

    Ela firmou os pés. A lâmina em sua mão parecia mais pesada, mais densa — como se tivesse vontade própria.

    E então, Vixi… fez aquilo.

    Com um sorriso largo, quase infantil, ela passou os dedos sobre o lado direito do abdômen.

    — Senhor fígado… Vamos lutar, em? Diz que sim… — sussurrou como se conversasse com um bichinho de estimação.

    E então perfurou o próprio corpo.

    Sem hesitar.

    Enfiou a mão até o fundo. E arrancou o próprio fígado.

    — Isso! Isso! Issoooo! — gritou, os olhos brilhando de êxtase.

    Aquela coisa pulsante, grotesca, se moldou instantaneamente numa espada curva, de um tom marrom avermelhado, úmido e orgânico.

    — Vamos lutar, A… Ca… Ra… — pronunciou devagar, balançando a espada como se dançasse. Os gestos provocativos, quase caricatos.

    Acara sorriu. Um sorriso seco, curto.

    — Maldita…

    E o mundo parou de novo.

    A velocidade. A precisão. Os golpes.

    Era sobre-humano.

    Um espetáculo grotesco de destruição entre duas entidades que pareciam ignorar as leis da física.

    Cada corte de Acara era certeiro.
    Mas Vixi se regenerava rápido demais, e com prazer demais. Cada ferida parecia ser um presente.

    E isso me fez pensar…

    Se a minha adaga de Silvit tem uma habilidade especial… então, qual é a da espada da Acara?

    Em meio ao turbilhão de golpes, Vixi arrancou um de seus próprios olhos com os dedos.

    E transformou aquilo em uma adaga branca.

    — Você vai adorar isso… — disse.

    E num piscar, ela estava atrás de Acara.

    Rápida demais.

    Cravou a lâmina de olho no braço direito dela.

    — Kabum.

    A explosão veio logo depois.

    O braço direito de Acara foi arrancado no ato.

    Fumaça. Sangue. Estilhaços.

    E, no meio da nuvem vermelha… Acara permaneceu de pé.

    Imóvel.

    Rosto neutro. Sem reação.

    Vixi parou de sorrir. O olhar perdeu o brilho por um instante.

    — Que decepção… Que reação mais… chata… — disse, quase ofendida.

    Acara então olhou o próprio ombro destruído e murmurou com frieza:

    — Eu te subestimei… Não devia ter feito isso.

    Ela ergueu a espada com a mão esquerda, trazendo-a até a lateral da cabeça em postura de ataque…

    Mas Vixi já estava lá.

    Agora empunhava um martelo grotesco feito de osso e carne, com um cabo de correntes pulsantes.

    Acertou Acara em cheio.

    A corrente se estendeu, envolveu o corpo da guerreira, e a arremessou como uma bala direto contra o prédio principal.

    O impacto sacudiu tudo.

    Acara desapareceu em meio aos destroços.

    E ali ficou Vixi… parada, ofegante.

    Eu ainda estava escondido atrás de uma pilastra caída, observando.

    Mas então… ela me viu.

    Os olhos de Vixi me encontraram.

    E tudo nela mudou.

    O olhar sádico. A energia demente. O frenesi. Sumiram.

    E o que ficou… foi um brilho estranho nos olhos.

    Encantamento.

    Como se, de repente, tivesse visto um pôr do sol pela primeira vez.

    Como se eu… fosse algo precioso.

    Ela não sorriu.
    Não gritou.
    Apenas me olhou… com aquele olhar bobo e apaixonado.

    E pela primeira vez…
    me deu medo de ser notado.

    Quando finalmente me movi — por puro instinto, não por coragem — ela já estava lá.

    Vixi.

    Aquele demônio de olhos encantados e sorriso lunático.

    Veio numa velocidade absurda, atravessando o espaço como um raio com forma humana.

    Num impulso desesperado, puxei minha adaga e desferi um corte direto no ombro dela.

    A lâmina de Silvit atravessou o trapézio esquerdo até a metade do peito, o som da carne se abrindo seco no ar… mas ela não se mexeu.
    Nem piscou.

    Ela só… sorriu.

    E então, segurou meus braços com firmeza, me jogando no chão com uma força tão esmagadora que senti meus pulmões colapsarem. O peso do corpo dela me prendeu ali, imóvel.

    Ela montou sobre mim.

    Seu corpo ofegava. O rosto próximo demais do meu.

    — Me diga… qual é o seu nome? — perguntou, entre respirações pesadas, o olhar vidrado no meu.

    Eu… não consegui pensar.
    Estava em pânico.
    Muito mais que assustado.

    Mas minha boca se moveu sozinha.

    — Ken… Orquídea…

    Por algum motivo, o nome saiu. Fraco. Mas saiu.

    E o que aconteceu depois foi ainda mais estranho.

    O rosto de Vixi ficou completamente vermelho.
    Seus olhos brilharam, e ela riu, uma risada genuína, feliz, animada como a de uma garota apaixonada.

    — Eu não acredito… Que a Vena tinha um filho tão lindo!

    Vena? Quem é essa? Minha mãe?

    Antes que eu pudesse reagir, ela levou os dedos até meu rosto e, com delicadeza que contrastava com toda a brutalidade anterior, retirou a lente de contato do meu olho direito.

    Meu olho rosa ficou exposto.

    — Ora ora… Mas o que temos aqui… — sussurrou, os olhos arregalando como se tivesse encontrado um tesouro.

    Ela começou a tremer sobre mim.

    — Isso é excitante. São tantas informações que eu não consigo segurar! — arfou, se curvando ainda mais sobre mim.

    Eu estava confuso.
    Completamente perdido.

    Quem é Vena? O que ela quer comigo?

    Mas as peças começaram a se encaixar… aos poucos. Lentamente. Dolorosamente.

    E Vixi continuou, a voz animada como uma criança contando um segredo:

    — Bem, nossa missão aqui não era encontrar você, mas… eu sei que ela quer te ver. Ela comentou isso comigo. Sua mamãe, Ken. Sua verdadeira mãe. Uma criminosa. Uma assassina. Ela matou as três famílias principais do Clã da Escuridão…

    Ela lambeu os lábios, aproximando o rosto do meu mais uma vez.

    — Roubou duas armas de Silvit. Uma delas… está com você, não está? Essa adaguinha aí…

    Seu olhar subiu, depois desceu de novo pro meu rosto.

    E então ela lambeu meu pescoço.

    Devagar.
    Lento demais.

    Depois mordeu minha orelha, quase me fazendo gritar, e se aproximou dos meus lábios.

    — Danadinho… Mas ainda não estou pronta. Tenho que pedir permissão pra sua mamãe…

    Ela riu, colocou a mão na própria barriga, e soltou mais uma das suas pérolas dementes:

    — Mesmo que eu queira ter filhos com a Vena… infelizmente, ela é mulher. E o outro filho dela é insuportável. Mas você… você é bonito. Tão doce. Tão… legal…

    Eu não consegui aguentar mais.

    A única coisa que consegui dizer foi:

    — Chega…

    Era muita coisa.
    Muita.

    Mas então… veio a frase que destruiu o pouco que restava da minha sanidade.

    — Mas… você não quer saber sobre a Katarina, sua mãe adotiva?

    Tudo ao redor silenciou.

    O mundo parou.

    Meu peito congelou.

    — A sua mãe foi sequestrada… pela Vena. Ela quer garantir que você vá até ela. E… considerando como a Vena é…

    Vixi fez uma pausa dramática, e então sorriu. Aquele sorriso.

    — Acho que a Katarina não deve ter… pelo menos quatro dedos da mão nesse momento.

    Um estalo.

    Como se alguém tivesse esmagado meu crânio por dentro.
    Como se meu olho rosa tivesse sido agarrado e esmagado de dentro para fora.

    E então…

    Eu ouvi.

    Uma voz feminina. Imponente. Cruel.

    “Deixe o prazer de matar te consumir…”
    “Sinta o prazer de matar.”

    A voz atravessou minha mente. Rasgou minha razão.

    E naquele instante, algo dentro de mim… acordou.

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