No mesmo momento, Solara levantou-se dos destroços.
    Seus olhos dourados queimavam. Seus cabelos levitaram, envoltos em chamas solares. A espada em sua mão não era mais metal; era puro fogo divino.
    Kaira, com a katana ainda em mãos, firmou a base. A aura dela afiou-se como uma lâmina invisível.

    Elas não trocaram palavras.
    Explodiram em velocidade. Dispararam em direção a VIXI e Somnum, duas forças da natureza prontas para aniquilar a ameaça.

    Mas então…

    Somnum suspirou. Um som longo, de exaustão profunda.
    Ele não se moveu. Não levantou a mão. Não fez gestos mágicos.
    Apenas ergueu o queixo milimetricamente.

    — Que preguiça… — murmurou ele.

    A realidade obedeceu.
    Kaira e Solara não foram atingidas. Elas foram deletadas daquele espaço.
    Uma força invisível e gravitacional as pegou no meio do ar e as arremessou para fora dos limites da academia. Não foi um empurrão. Foi como se o universo as tivesse rejeitado dali.
    Elas desapareceram no horizonte em segundos.

    Solara arregalou os olhos dourados enquanto voava, incrédula, antes de sumir de vista.

    Na Arena 2, o silêncio voltou.

    Somnum balançou a cabeça, entediado.
    — Dariam trabalho… e eu odeio suar.

    Ative, mesmo sem esperança, com vários demônios brotando do chão ao seu redor e o braço decepado sangrando, levantou-se devagar.
    O corpo dele ficou todo eletrificado. Raios dourados percorriam sua pele. Ele estava sério. Pronto para morrer lutando.

    VIXI sorriu, excitada, as pernas tremendo de antecipação.


    Enquanto Isso, do Outro Lado do Complexo.

    O som da gritaria veio como um tapa seco e físico.
    Gritos. Passos pesados. Vidro quebrando.
    O cheiro de sangue fresco invadiu o corredor.

    Eu me virei por instinto.
    Alunos corriam em disparada, olhos arregalados de terror, alguns caindo no chão e sendo pisoteados sem sequer entender por quê.

    Acara deu um passo à frente, os olhos roxos arregalados com algo que nem mesmo ela, a Lâmina da Noite, parecia esperar.

    E então — como se o ar tivesse se rasgado como papel velho — vários demônios surgiram de uma só vez no corredor.
    Não eram bestas grandes. Eram rápidos. Famintos. Humanoides deformados com pele cinza e garras longas.
    Eles pularam nas costas dos alunos em fuga.

    O corredor virou um matadouro em segundos.
    Gritos sufocados. Sangue espirrando nas paredes brancas.

    Eu congelei.
    Meu cérebro travou diante da carnificina.

    Mas Acara…
    Ela desapareceu por um instante.
    Não vi movimento. Vi apenas o resultado.

    SHING.

    Um único movimento. Seco. Preciso. Brutal.
    Uma meia-lua de aço negro brilhou no ar.

    Todos os demônios no corredor — cinco deles — foram partidos ao meio na cintura antes que seus cérebros primitivos pudessem registrar a morte. Os corpos caíram em sincronia.
    Acara nem parecia ter sacado a espada completamente.

    No chão, a cabeça de um demônio rolou até parar aos meus pés, os olhos leitosos ainda piscando.
    A criatura… parecia um bode humanoide. Mas os dentes saltavam para fora da boca como facas tortas.
    Era grotesco. Real. O cheiro era insuportável.

    Meu estômago se revirou violentamente.

    Ken Orquídea.

    Senti uma mão no meu ombro. Firme.
    Acara me olhava com seriedade absoluta. Não havia medo nela, apenas foco de combate.

    — Não faço ideia do que está acontecendo aqui… Mas vá para fora do prédio. Se tiver forças, salve quem puder no caminho. Não lute se não for necessário.
    Ela apontou com o queixo para a cabeça no chão.
    — A fraqueza desses bichos? Estoura o crânio. Eles não regeneram o cérebro. Só isso.

    No instante seguinte, a mão dela sumiu do meu ombro.
    Ela já estava correndo em direção à Arena 2, um vulto negro contra a luz do dia.

    Eu hesitei.
    Shin ainda estava lá. Rina. Levi.

    Quis voltar, mas… Acara estava indo para lá. A Rank 30.
    Se era ela… então talvez estivesse tudo sob controle. Tinha que estar.

    Talvez.

    Corri na direção contrária, para os jardins, desviando de chamas, corpos e alunos em pânico.
    A Academia Fjorheim, outrora símbolo de glória, segurança e hierarquia, agora era uma ruína em chamas.

    No pátio, o caos reinava.
    Alunos fortes, veteranos, enfrentavam as criaturas que surgiam de fendas no chão.
    Luzes, poderes, gritos de comando e de dor — tudo se misturava numa cacofonia de guerra.

    Vi Sevira perto da fonte. As mãos dela estavam sujas de sangue negro e vermelho. Ela rosnava, arrancando a cabeça de um demônio com as próprias mãos.
    — Mas que porra é essa!? Como surgiram tantos de uma vez?!

    Nevara estava ao lado dela, criando barreiras de espelho para proteger os calouros. A expressão dela era fria, mas a lâmina em sua mão gotejava sangue escuro. Ela limpou o rosto com o braço.
    — Demônios… na Camada 4? Isso é errado.


    Arena 2.

    Acara chegou em silêncio.
    Ela pousou na mureta da arquibancada.
    O estrondo da batalha ainda ecoava ao fundo, mas ali — naquele momento — o tempo parecia parado, suspenso em horror.

    Do alto, ela olhou a arena.
    E o que viu foi puro pesadelo.

    O corpo do professor Ative estava caído no centro. Imóvel. Sem vida.
    A eletricidade tinha se apagado.

    VIXI estava de pé sobre ele. Ela se curvava para trás num ângulo impossível, regenerando-se de forma nojenta. Carne mal costurada se movia em reverso, fechando feridas.
    Metade de seu corpo ainda pulsava como um organismo estranho, exposto, mas em sua mão direita já surgia uma nova arma: uma foice branca, grande demais, esculpida como se fosse feita de ossos humanos cristalizados.

    Ao lado dela, Somnum.
    Frio. Intocável. Entediado.

    Ele deu meia-volta, colocando as mãos nos bolsos, como se a chegada de Acara fosse irrelevante.

    — Cuide dela. — disse ele com indiferença, como quem delega a tarefa de levar o lixo para fora. — Eu vou procurar um lugar para sentar.

    VIXI entendeu.
    O brilho insano em seus olhos azuis aumentou, dilatando as pupilas.

    — Fique tranquilo… estou muito animada para lutar contra gente forte. Eles me machucam muito… e eu amo isso…

    Acara saltou da mureta.
    Quando pousou na quadra, a espada já estava desembainhada.
    Lâmina Soberana.
    O aço brilhou em vermelho e preto, pulsando como um coração.
    Sua aura negra se espalhou como fumaça viva, densa, sufocante, cobrindo o chão da arena.

    VIXI estremeceu.
    Ela ficou vermelha. Ofegante.
    Apertou o próprio peito com a mão livre, as unhas cravando na pele pálida com prazer evidente, desenhando filetes de sangue.

    — Ahhh… Isso vai me machucar muito, né? Espero… espero que doa tanto que eu chore sangue…

    Acara avançou.
    Sem fala. Sem grito. Sem piedade.

    A lâmina brilhou.
    VUSH.

    Num único golpe horizontal — a boca de VIXI foi cortada de orelha a orelha.
    Junto com as pernas, na altura dos joelhos.

    O corpo dela caiu como um boneco de pano desmontado.

    Mas não acabou.

    As pernas arrancadas, caídas no chão, se transformaram.
    A carne borbulhou e virou espinhos.
    Lanças deformadas de osso e músculo voaram em direção a Acara com precisão mortal, guiadas pela vontade da dona.

    Acara recuou com um giro elegante, desviando por centímetros.

    VIXI, no chão, regenerou-se.
    Mais rápido. Mais grotesca.
    O sangue escorria como tinta viva que voltava para o pincel, reconectando a carne. Ela se levantou, a boca costurada num sorriso novo e mais largo.

    — Você… é a Acara Achlys, né? — disse VIXI, lambendo os lábios recém-formados, os olhos brilhando de reconhecimento fanático. — A Lâmina da Noite. A líder do Clã da Escuridão. Ai, que emoção…
    Ela girou sobre os pés, rindo histericamente.
    — Você é a Rank 30 desse mundo, não é mesmo? Um monstro de verdade!

    Acara estreitou os olhos roxos.

    — Me responde uma coisa, aberração. — A voz de Acara era gelo seco. — Você está com… Vena Nosfea?

    VIXI congelou.
    Parou de rir. Parou de girar.
    E depois… explodiu numa gargalhada exagerada, teatral, batendo palmas.
    Fez um gesto dramático, passando a mão entre as pernas, os ombros tremendo de um prazer que beirava o religioso.

    — Ela é meu amor… minha vida… minha deusa!
    Ela levou a mão à boca, fingindo surpresa infantil.
    — Ops! Não podia falar isso… que vacilo, né? Hihihi! Mas enfim… só eu e o Somnum estamos aqui hoje. Vena está ocupada…

    Acara sorriu.
    Não foi um sorriso de alívio. Foi um sorriso de quem encontrou o alvo.
    Frio. Perigoso. Final.

    — Entendi. — disse ela, erguendo a Lâmina Soberana. — Então eu vou te matar. Do jeito mais lento e doloroso que eu conseguir. E vou fazer você me dizer onde ela está.

    VIXI vibrou.
    Literalmente. O corpo dela tremeu em antecipação.

    — Ai, ai, ai… — sussurrou ela, os olhos arregalados de excitação, a foice de osso erguida. — Promete? Eu vou amar cada segundo disso!

    Enquanto isso, nas salas superiores da Diretoria.

    A sala estava vazia de pessoas, mas cheia de pânico.
    O silêncio era quebrado apenas pelo som frenético de papel sendo rasgado e metal batendo.

    Hizu Jorney, o Vice-Diretor da Fjorheim, revirava um armário de arquivos confidenciais no fundo da sala. Pilhas de documentos, caixas lacradas e livros de capa de couro estavam espalhados pelo chão. Ele estava procurando algo — e o suor frio que escorria por sua testa indicava que sua vida dependia disso.

    — Onde está… — sussurrou ele, as mãos tremendo. — Onde está o maldito registro de contenção?

    Mas então —
    O som da guerra lá fora invadiu o escritório.
    Gritos abafados. Vidros estilhaçando nos andares inferiores. O tremor sutil do chão.

    E, de repente… um silêncio estranho.
    Não era paz. Era um vácuo. Um silêncio denso e pesado, como se o som tivesse medo de existir naquele corredor.

    Hizu parou. Franziu o cenho e ajeitou os óculos de armação prateada com dois dedos, tentando recuperar a compostura.
    Caminhou até a porta de carvalho maciço e a abriu devagar.

    E parou.
    O ar fugiu de seus pulmões.

    Ali, parado bem à sua frente — como se o mundo o tivesse plantado ali de propósito e esquecido de avisar — estava Somnum.

    Impecável. Inexpressivo. O terno escuro sem um vinco, o cabelo azul-petróleo escorrendo como óleo.

    — Sabia que andar… cansa muito? — disse ele. A voz era rouca, arrastada, como se cada palavra fosse um fardo de cem quilos que ele precisava carregar para fora da boca.

    O olho esquerdo, aquele azul profundo como uma fossa oceânica, brilhou por um instante.
    E só esse instante bastou.
    Hizu sentiu o corpo recuar sozinho, como se a gravidade o puxasse para trás.

    — Você… — murmurou o Vice-Diretor, recuando para dentro da sala. — Quem é você?

    Somnum não respondeu imediatamente. Ele ergueu a mão enluvada e apontou com um único dedo.
    Direto para o pescoço de Hizu.
    Mais especificamente, para o lenço de seda grosso que ele sempre usava cobrindo a garganta.

    — Viemos buscar isso. — Somnum suspirou. — É uma das Chaves de Or’sea. O Mestre quer. E o que o Mestre quer… dá muito trabalho negar.

    Hizu levou a mão ao pescoço, protegendo o tecido. O lenço parecia pulsar sob seus dedos.

    — Como sabem sobre isso…? — perguntou, a voz falhando. — Isso é um segredo do Conselho!

    Somnum suspirou.
    Um som longo. Exausto. Profundamente entediado.
    E simplesmente entrou na sala.
    Sem pedir licença. Sem correr. Ele apenas flutuou para dentro, e a presença dele tornou o ar irrespirável.

    Hizu reagiu.
    — AFASTE-SE!

    Ele estendeu a mão direita.
    A palma começou a brilhar, preparando seu Código Genético a energia fluiu…
    Mas… falhou. E ainda criou pequenas lanças de energia.
    A luz piscou, fraca, e se apagou como uma vela sem oxigênio. Apenas um cristalzinho opaco e ridículo caiu no chão.

    Hizu congelou, olhando para a própria mão.
    — Isso… Isso não é o meu código… Por que não funciona?!

    Somnum passou a mão pelos cabelos, ajeitando uma mecha, e depois repousou os dedos sobre o olho esquerdo — o azul, semiaberto.

    — Tenho um dos Olhos do Pecado. — explicou ele, como quem explica que o céu é azul. — O Olho da Preguiça.

    — Olhos do quê?! — Hizu rosnou, o pânico virando desespero. — Me diga o que você fez!

    Ele tentou avançar, sacar uma adaga, qualquer coisa.
    Mas seu corpo pesava toneladas.
    Era como se ele estivesse se movendo dentro de um tanque de melado. O próprio tempo parecia ter desistido de fluir ao redor dele.

    Somnum virou-se lentamente para ele. O olho azul parecia sugar a vontade de viver de Hizu.

    — Sua habilidade é complexa, Vice-Diretor. Requer concentração, cálculo geométrico… — Somnum bocejou. — Esse olho simplifica tudo. Ele torna a ação… cansativa. A realidade fica com preguiça de acontecer. Não é isso que um preguiçoso faz? Facilita as coisas cortando o esforço.

    Hizu tentou girar o corpo para fugir.
    Eu preciso… avisar…

    Mas antes que qualquer sinapse fosse concluída —
    A visão escureceu.

    Não houve dor.
    O mundo girou. O teto virou parede. O chão ficou próximo demais.
    E, por um segundo, ele não entendeu por que não sentia mais os ombros.

    THUD.

    A cabeça de Hizu Jorney caiu no tapete persa. Os olhos ainda piscavam, confusos, por trás dos óculos tortos.
    O corpo desabou logo em seguida, sem vida.

    Somnum ficou parado, olhando para o sangue que manchava o carpete caro. Sem emoção. Sem prazer.

    — Arrancar a cabeça de alguém é… uma forma bem preguiçosa de matar, né? — murmurou ele para o cadáver. — Economiza tempo de luta.

    Ele deu de ombros.
    — Pensar cansa. Acho que vou descansar um pouco antes de ir embora… Vou deixar a VIXI brincar mais lá embaixo. Ela tem energia por nós dois.

    Ele se agachou lentamente. Com a ponta dos dedos, desatou o nó do lenço no pescoço decepado — agora manchado de vermelho — e o puxou.
    O tecido brilhou com uma luz dourada fraca antes de ser guardado com cuidado no bolso interno do paletó.

    — Missão cumprida. Hora da soneca.

    Ele se virou e saiu da sala, passando por cima do corpo como se fosse um móvel tombado.

    Mas, no momento em que virou o corredor para ir embora…
    Dois vultos surgiram das sombras, bloqueando a passagem.

    Noha.
    O gigante de quatro espadas estava em pé no meio do corredor, ocupando quase todo o espaço.
    Ao lado dele, Eriel, o garoto cego, agachado como uma besta pronta para o bote.

    O ar ficou denso. Duas muralhas de pressão colidiram: a apatia absoluta de Somnum e a violência contida dos executores de Acara.

    Noha observou o sangue nas luvas de Somnum. Ele olhou para dentro da sala, viu o corpo sem cabeça do Vice-Diretor, e depois voltou o olho roxo para o invasor.

    — Pelo visto… — A voz de Noha era grave, ressonante. — Esse aí não era um demônio, né, Eriel?

    Eriel apenas farejou o ar, torcendo o nariz.

    Noha levou as mãos às costas.
    O som de metal raspando em metal cantou.
    Ele puxou duas de suas quatro espadas. As lâminas eram gigantescas, serrilhadas como dentes de tubarão.

    — Vamos cobrar da Acara por esse serviço extra. — disse Noha, firmando a base. — Hora extra é cara.

    Somnum parou. Ele olhou para os dois guerreiros de elite bloqueando seu caminho para a saída (e para o descanso).
    Ele suspirou.
    Um suspiro profundo, que veio do fundo da alma.
    Não era medo. Não era raiva.
    Era uma frustração cósmica.

    — Ah, não… — reclamou Somnum, deixando os ombros caírem. — Mais gente? Vocês são muito barulhentos.

    Ele abriu o olho azul inteiro pela primeira vez. A pupila era uma fenda horizontal.

    — Mas… que preguiça.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota