O eco do nome dele mal tinha terminado de preencher a sala e os sussurros já se espalhavam como fogo em palha seca. Atrás de mim, ouvi claramente a voz trêmula de uma garota:

    — “É ele mesmo? O Tianyū…?”

    “Ele?” — pensei comigo mesmo, com a ignorância de um novato. Naquela época, eu não fazia a menor ideia do peso que aquele nome carregava.

    E então, veio o baque.

    Sem aviso, Ren levou a mão ao ombro e, num movimento fluido, deixou a parte de cima do quimono preto deslizar até a cintura. Ficou apenas com uma camisa preta colada ao corpo, que desenhava cada músculo de um físico treinado para a guerra.

    Mas ninguém olhou para os músculos. Todos os olhos foram para o pescoço, descendo para o trapézio direito.

    Lá, gravado direto na pele como uma maldição dourada que pulsava levemente… estava o número.

    470.

    Meus olhos se arregalaram por puro reflexo, quase saltando das órbitas.

    “Rank 470…?”

    Meu coração falhou uma batida e depois disparou. Aquilo não era normal. Aquilo não era “forte”. Era uma anomalia. Ele era um dos Top 1000. Num mundo com bilhões de pessoas, estar entre os mil primeiros significava que você estava perigosamente perto do topo da cadeia alimentar.

    Ao meu lado, até o Shin, que mantinha aquela postura de nobre intocável, deixou escapar um suspiro audível. A máscara dele caiu por um segundo. Dava para ver na expressão dele: nem ele fazia ideia de que estaríamos lidando com um monstro desse calibre.

    Mas Ren?

    Ele agia como se aquele número — que poderia comprar cidades inteiras — não significasse absolutamente nada. Ele ajeitou a camisa, indiferente ao choque coletivo.

    — As apresentações de vocês… vamos deixar pra depois. — Ele disse, um meio sorriso brincando no canto da boca, como se achasse graça do nosso espanto. — Antes, quero saber uma coisa simples: quantos aqui já conseguem usar seus Códigos Genéticos?

    O clima na sala mudou instantaneamente. O ar ficou pesado.

    Alunos olharam para os lados, hesitantes, encolhendo-se nas cadeiras. A arrogância de muitos ali derreteu diante da pergunta. Usar o Código Genético… não era algo que se aprendia em livros. Exigia talento, dor ou um despertar violento.

    Poucos levantaram a mão.

    Eu levantei a minha, firme.
    Ao meu lado, Shin ergueu a dele com elegância.
    E lá embaixo, na primeira fileira… a garota do Clã Misticia. Serena como um lago sem vento, ela ergueu a mão sem nem hesitar, sem nem olhar para os lados.

    Seis.
    Apenas seis mãos em um mar de alunos.

    Ren observou as mãos levantadas. Seus olhos de brasa varreram os seis. O olhar dele não julgava… mas também não demonstrava satisfação. Era analítico. Frio.

    — Poucos — disse ele, baixando o tom. — Isso é meio decepcionante. Mas… é normal.

    Ele começou a andar lentamente pela frente do palco, o som de seus passos marcando o ritmo.

    — Eu mesmo só fui entender e ativar o meu Código Genético quando tinha dezessete anos. — A fala dele foi firme, mas carregava algo humano. Uma honestidade bruta que parecia querer aliviar o peso da vergonha que a maioria ali sentia.

    — Aqui, vocês serão lapidados. Cada um à sua maneira. Mas nunca se esqueçam: poder nem sempre é o que mais importa neste mundo.

    Ele parou e encarou a turma, os olhos brilhando com uma intensidade perigosa.

    — Neste mundo, o Rank não significa apenas força bruta. Significa influência. Riquezas. Importância política. Significa que a sua voz vale mais que a de um milhão de pessoas juntas.

    Ele voltou a caminhar, agora subindo o primeiro degrau da escada do anfiteatro, ficando mais próximo de nós.

    — E mesmo que eu seja um Rank 470… pode existir alguém lá fora com um Rank mais alto, numericamente pior que o meu, que seja fisicamente mais forte, capaz de me quebrar na porrada. Entretanto… — ele apontou para o próprio peito — …eu tenho mais influência. Eu tenho mais peso. Entendem a diferença?

    O silêncio era absoluto. Ninguém ousava respirar alto.

    — Agora… imagino que muitos estejam se perguntando: “O que um Rank 470 está fazendo aqui? Numa sala de primeiro ano? Cercado por novatos perdidos e fracos?”

    Ele parou, cruzou os braços fortes sobre o peito e nos encarou com um sorriso desafiador.

    — A verdade? Eu gosto mais dos que estão aqui embaixo. — Ele gesticulou para a sala. — Dos que ainda não se encontraram. Dos que ainda não foram corrompidos e moldados pela política nojenta dos palácios, pelo dinheiro sujo ou pela vaidade vazia.

    Ele deu de ombros, uma arrogância natural emanando dele.

    — Também tem o fato de que… quando se é Rank 470, ninguém pode realmente dizer o que você pode ou não fazer.

    O sorriso dele se alargou, mas havia um peso sombrio por trás daquilo.

    — Se minha motivação fosse dinheiro, eu teria ido para um dos Três Palácios em Asgard. Se fosse poder puro, estaria em alguma Camada Negativa brincando de deus ou de salvador. Mas eu estou aqui.

    Naquele instante, senti um arrepio percorrer minha espinha, da nuca até a base das costas.

    Ren Tianyū não era só forte. Ele era livre.

    Não do tipo rebelde. Do tipo intocável.
    E liberdade, num mundo acorrentado por números e hierarquias… era a coisa mais assustadora que existia.

    Ele exalava poder, sim. Mas era um poder silencioso. Daquele que não precisa gritar para ser ouvido. Daquele que sabe que pode esmagar tudo ao redor, mas escolhe não fazê-lo.

    “Esse cara… é real,” pensei, apertando o punho sobre a mesa. “E vai ser impossível não prestar atenção em cada palavra que ele disser.”

    A aula nem tinha começado de verdade.
    Mas já dava para sentir… que nada ali ia ser comum.

    Ren Tianyū caminhava devagar pela frente da sala, os passos tão silenciosos que pareciam desenhar uma linha invisível e perigosa no chão. O som suave de suas sandálias roçando o piso era quase hipnótico, um ritmo lento e carregado de uma presença esmagadora. Seus olhos de brasa percorriam cada um de nós com uma calma desconcertante — como se estivesse nos medindo por dentro, pesando nossas almas em uma balança que só ele podia ver.

    — Se vocês realmente querem aprender a usar seus Códigos Genéticos… — A voz dele cortou o ar como uma lâmina sutil, ganhando um peso que obrigava a atenção absoluta. — …vão ter que esquecer tudo o que acham que sabem sobre eles. Inclusive vocês, os seis “prodígios” que levantaram a mão.

    Silêncio.
    Um daqueles silêncios que não é confortável. Que gruda na pele como suor frio. Ninguém ousou responder. Ninguém queria parecer idiota na frente de um Rank 470.

    Ele parou no centro, ergueu a mão esquerda lentamente, os dedos curvados como se fosse puxar algo da própria estrutura do ar.

    — Códigos Genéticos… são mais do que habilidades legais para brigar ou impressionar garotas. Eles são parte de vocês. Gravados na alma… selados na carne. Um segundo coração que bate em um ritmo diferente. — Ele fechou a mão com força, como se esmagasse algo invisível. — Alguns nascem com o cadeado já meio aberto. Outros vão passar a vida inteira sangrando os dedos tentando encontrar a chave.

    E então, sem aviso… Tlac.

    Ele estalou os dedos.

    No mesmo instante, uma chama azulada, vívida e silenciosa, brotou na palma da mão dele.

    Todos recuaram levemente nas cadeiras, surpresos. Não era fogo comum. A luz azul refletia nos olhos vermelhos de Ren, dando a ele um aspecto quase demoníaco. A chama não oscilava com o vento; ela parecia sólida, controlada, uma extensão do próprio corpo dele.

    Ele observou o fogo por um segundo antes de fechar a mão e apagá-lo, deixando apenas um rastro de fumaça fina.

    — Seis de vocês levantaram a mão. Isso é ótimo. — Ele nos encarou, o olhar sério. — Mas não se iludam achando que são superiores aos outros. Ter um código ativo agora não te torna forte. Só te dá um atalho. Um pouco de vantagem na largada. E atalhos… podem levar a precipícios.

    Eu permaneci em silêncio, o rosto impassível, mas minha mente vagou para longe daquela sala moderna.

    Quase todo mundo ali acreditava que apenas os treinados em academias de elite ou herdeiros de grandes clãs conseguiam desbloquear os códigos cedo. Mas… no meu caso, a história foi outra.

    Lembrei dele.

    Havia um homem. Uma figura que surgia em meio à neve de Jotunheim de tempos em tempos, quando eu era bem mais novo. Ele não tinha nome, ou pelo menos nunca me disse. Ele me treinou. Me quebrou e me reconstruiu. Ele me ajudou a despertar meu Código Genético quando eu era apenas uma criança assustada.

    E me deu um presente. Aquela adaga.

    Quando eu perguntava para Katarina quem ele era, ela desviava o olhar. Dizia que não sabia ao certo, mas que ele vinha me ver desde que eu era um bebê de colo. Ele sempre deixava dinheiro, mantimentos, garantia que não passássemos fome.

    Eu queria acreditar que ele era meu pai. A lógica dizia que sim. Mas Katarina, com sua honestidade brutal, dizia que provavelmente não.

    Pai ou não, ele me ensinou o que a escola nunca ensinaria. Me ensinou a sentir. A respirar a energia. E, principalmente… a sobreviver.

    Não foi fácil. Foi doloroso. Mas graças a ele, aprendi a usar meu código de forma aceitável antes mesmo de saber ler direito. E olhando ao redor, vendo a confusão no rosto dos outros alunos, eu sabia: nem todos tiveram a mesma “sorte” cruel que eu.

    A voz de Ren me puxou de volta para o presente. Ele agora usava um tom quase didático, mas longe de ser entediante.

    — O uso de um código exige três pilares fundamentais.

    Ren levantou três dedos, contando pausadamente.

    Consciência. Exaustão. Emoção.

    Ele baixou um dedo.

    — Se faltar Consciência, você perde o controle e vira uma bomba-relógio.
    — Se ignorar a Exaustão, seu corpo colapsa e você queima de dentro para fora.
    — E se não tiver Emoção… o poder é vazio. Fraco.

    Ele fez uma pausa, e o sorriso dele sumiu completamente. O ar ficou denso, pesado.

    — Se faltar uma dessas coisas, você falha. Se exagerar em qualquer uma… você morre.

    Aquilo não era uma advertência de professor. Era um fato. Nu, cru e sem margem para dúvida. A morte era uma possibilidade real naquele jogo.

    — Vocês vão aprender sobre tudo isso com o tempo. Categorias, níveis, compatibilidade, ativação forçada… Mas por agora…

    Ele levantou a mão novamente.

    Estalo.

    A porta da sala, lá no fundo, se abriu sozinha com um rangido sutil, como um animal obedecendo ao dono. A luz do sol lá fora invadiu a sala artificialmente iluminada.

    — …nós vamos para o campo de treinamento aqui na frente.

    Ren se virou, as costas largas cobertas pela camisa preta, o número 470 oculto, mas sua presença ainda gritando poder.

    — Quero ver com meus próprios olhos quem aqui tem alguma coisa real dentro de si… e quem é só pose e sobrenome bonito.

    A sala virou um mar de sussurros imediatos. Tensão. Expectativa. Medo.
    Um teste? Já? No primeiro dia?
    E… era apenas para os seis que levantaram a mão, ou ele jogaria todos na fogueira?

    Ren não esperou perguntas. Ele começou a caminhar em direção à saída.

    — Sigam-me. Agora.

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