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    Sua profecia… um humano para revelar a verdade.

    As palavras dela ainda ecoavam no ar rarefeito acima do abismo, penduradas sobre a torre negra como uma sentença. Meu cérebro tentava processar a magnitude daquilo — Clã da Luz, ativar a torre — mas antes que eu pudesse sequer formular uma pergunta, Naaz se moveu.

    Ela deu as costas à visão vertiginosa da torre e começou a andar, seu manto deslizando pelo chão de pedra sem fazer som.

    — Por favor, sigam-me.

    Trocamos um olhar tenso. Não havia escolha. Nós a seguimos, afastando-nos daquele precipício de segredos e mergulhando de volta nos corredores imaculados do palácio. O silêncio durou apenas alguns passos, o suficiente para que a pressão da revelação anterior começasse a diminuir, apenas para ser substituída por outra.

    — Vocês devem ter ouvido a história sobre a divindade que caiu aqui — ela começou, a voz ressoando suavemente nas paredes translúcidas. — Há milênios, não é?

    — Sim… — murmurei, lembrando-me das histórias ao redor da fogueira na tribo Kura’ru. — Foi quando o sol se tornou vermelho.

    — O sol se tornou vermelho porque o mundo sentiu a sua chegada — ela corrigiu, sem nos olhar. — A deusa que caiu… não morreu. Ela foi “selada”. Preservada aqui por nosso povo. Aqueles que a tocam, se forem dignos, ganham um poder. Um fragmento de divindade. É por isso que os outros povos a cobiçam. Mas não são todos que sobrevivem ao toque. Poucos conseguem.

    Ela continuou seu passo fluido e constante. — O livro que os Kura’ru guardam, o diário de Julia Silvit, está incompleto. Mas, mais do que isso… ele é um livro peculiar.

    Parei por uma fração de segundo. Ao meu lado, senti Cedric enrijecer. Incompleto era uma coisa. Peculiar era outra.

    — Vou levá-los até a biblioteca.

    Continuamos a segui-la, penetrando mais fundo no coração do palácio. Cada centímetro daquele lugar era uma obra de arte. Tapeçarias brancas e douradas, tão finas que pareciam tecidas com luz, retratavam histórias de sóis e céus. Os móveis, de madeira pálida e curvas suaves, pareciam ter crescido do chão, não fabricados. O símbolo do sol branco estava em toda parte, gravado, pintado, entalhado.

    Mulheres de vestes brancas, todas com a mesma pele morena suave, olhos claros e cabelos em tons de prata ou loiro-pálido, passavam por nós como fantasmas silenciosos. Elas não nos olhavam; seus olhos se fixavam em Naaz, e elas se curvavam em uma reverência profunda e fluida antes de desaparecerem.

    Finalmente, paramos diante de um conjunto de portas de madeira branca entalhada.

    A biblioteca.

    Como eu esperava, não tinha nada a ver com os arquivos empoeirados das camadas de cima. As estantes, feitas da mesma madeira branca, subiam até o teto altíssimo, organizadas com uma precisão geométrica. Milhares de livros, perfeitamente alinhados. Mapas detalhados desta camada estavam pendurados como obras de arte. Não havia um único pergaminho fora do lugar, nenhum livro sobre as mesas polidas. O ar era tão puro e rarefeito que parecia que estávamos respirando luz, não oxigênio.

    E então, meus olhos focaram na figura parada no centro da sala. E meu sangue gelou.

    Eu conhecia aquela aura. Aquela postura. Era a energia inconfundível de uma Rankeadora, um ser das camadas superiores. Mas… não. Algo estava errado.

    A bibliotecária tinha a pele morena, como os outros da tribo. Mas seus olhos… seus olhos eram de um dourado líquido e brilhante. E suas pupilas não eram redondas. Eram estrelas perfeitas de sete pontas.

    Quando ela viu Naaz, curvou-se lentamente, um movimento de graça sobrenatural.

    — Minha majestade. O que a traz aqui hoje? — sua voz era melódica, múltipla, como sinos de vento.

    Naaz fez um gesto em direção a ela. — Essa é Jasmin. Ela tocou no corpo da deusa.

    A revelação me atingiu como um soco no estômago. Tocou na deusa… e seus olhos mudaram.

    Minha mente disparou, as peças se encaixando com uma velocidade terrível. Deuses? Deuses que caem? Caem de onde? Dos céus… das camadas superiores. E se não forem deuses? Se forem… humanos? Humanos de um passado esquecido? Ou… Arquitetos? Os próprios criadores das camadas. Se isso fosse possível… se os “deuses” deste mundo fossem os criadores do meu… o mundo inteiro, como o conhecíamos, era uma farsa.

    Jasmin então reparou em nós, e seus olhos-estrela se arregalaram em choque.

    Minha voz saiu mais rouca do que eu pretendia. — Você disse… “tocar” na deusa? Como?

    Ela me encarou, e por um segundo senti como se estivesse sendo visto por sete pontos de vista diferentes.

    — Abaixo desta biblioteca — ela disse, sua voz ecoando suavemente — repousa o que restou dela. Um corpo que nosso povo cultua há mais de mil anos…

    Eu estava atordoado. Ao meu lado, Cedric estava pálido, seus olhos fixos em Jasmin, sua mente analítica visivelmente sobrecarregada.

    BOOM.

    Um estrondo surdo e profundo sacudiu a estrutura do palácio. O chão tremeu sob nossos pés, e vários livros, pela primeira vez em talvez mil anos, caíram das estantes.

    Todos nós nos viramos para a porta no mesmo instante.

    A mudança em Naaz foi imediata. A calma etérea desapareceu, substituída por uma autoridade de aço. Ela se virou para nós, e seus olhos — o dourado e o castanho — estavam cravados em mim e em Cedric, afiados e cheios de suspeita.

    — O que está acontecendo?

    A pergunta não era um pedido de informação. Era uma acusação.

    Um suor frio escorreu pela minha têmpora. Nós não fizemos nada. Mas éramos os estranhos. A anomalia. Ela então mordeu o lábio inferior, a raiva superando a desconfiança, e disparou em direção ao corredor de onde viera o barulho, seu manto branco esvoaçando atrás dela como uma declaração de guerra.

    Perspectiva: Seruus Vritra

    Eles se foram pela manhã, partindo sob a luz pálida do alvorecer.

    Agora, o sol já passava do zênite, e o acampamento estava mergulhado na monotonia da espera. Eu e Marcellia permanecemos para trás, guardando a retaguarda, aguardando que o grupo retornasse da Tribo do Sol Branco.

    Ou melhor, eu aguardava. Marcellia estava vibrando de impaciência.

    Ela andava de um lado para o outro, seus passos curtos e pesados batendo na terra seca, a mão batucando ritmicamente no punho da espada.

    — Tô de saco cheio. Eles vão demorar muito? — sua voz era um rosnado baixo, frustrado.

    Eu observei a poeira que seus pés levantavam. — Acredito que não. Até o pôr do sol eles devem retornar. Ou, na pior das hipóteses, nos chamarão para entrar.

    Marcellia cerrou os dentes, parando de andar apenas para fitar o portão branco ao longe.

    Era curioso observá-la. Soube por alguns passarinhos que ela nutria uma paixão pelo garoto loiro, Cedric. Isso, para mim, era a maior das surpresas. Marcellia Vireya Kaê, a capitã prodígio. Desde criança, ela foi uma anomalia em sua própria tribo. Rejeitava as danças cerimoniais e os estudos políticos, preferindo a companhia de galhos que ela usava como espadas. Seu pai, um homem influente do Alto Conselho, vivia dizendo que a era das lâminas era coisa do passado.

    Ela se recusou a ouvir. Aos quinze, derrotou três guerreiros do escalão médio em combate público. Aos dezessete, entrou para a Divisão Vermelha, o núcleo de elite. Aos dezenove, tornou-se a mais jovem Capitã da Guarda Celeste na história dos Kura’ru.

    E lá estava ela, tão baixa em estatura, mas fervilhando com uma energia tão proativa que parecia prestes a explodir. Tudo, provavelmente, por causa de um garoto.

    Desviei meu olhar dela, varrendo nosso perímetro. Os guardas Marezza que vieram conosco estavam tensos. Um deles, o mais ágil, estava posicionado no alto de uma árvore, olhos fixos no horizonte.

    Enquanto eu o observava, notei algo. Um deslocamento no ar. Uma brisa leve, quase imperceptível, que veio da direção errada, contra o vento natural. Ela tocou meu rosto e fez a ponta da minha espada, presa à cintura, vibrar com um zumbido quase inaudível.

    Meu corpo enrijeceu. Meus olhos seguiram a origem daquela brisa.

    E então eu vi.

    Bem acima do palácio central da Tribo do Sol Branco, uma flor silenciosa de luz branca desabrochou no céu. Uma enorme explosão de pura forma, que se expandiu como uma cúpula. Não houve som. O mundo prendeu a respiração. O guarda na árvore congelou.

    Um segundo de silêncio absoluto.

    Então, o vento nos atingiu.

    Não foi uma brisa, foi um soco. Uma onda de choque que varreu o acampamento, balançando meus cabelos longos e açoitando as lonas das tendas. O impacto foi forte, mas não o suficiente para me fazer piscar. Eu apenas observei, meus sentidos aguçados ao limite.

    E só depois do vento, o som chegou. Um estrondo profundo e distante, um trovão que rolou pela terra e fez o chão tremer sob nossos pés.

    Na mesma fração de segundo, Marcellia explodiu em movimento. Sem pensar, sem hesitar, ela sacou a lâmina e disparou. Não em minha direção, mas na direção do portão.

    Alguns dos guardas Marezza, derrubados pela onda de choque, levantaram-se atordoados, gritando ordens confusas. Eles também correram, seguindo sua líder impulsiva.

    Eu puxei minha própria lâmina, o aço frio familiar em minha mão, meus olhos fixos na coluna de fumaça branca que agora subia lentamente do palácio.

    O que diabos estava acontecendo lá dentro?

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