Capítulo 7: Palácio esmeralda
Algo que, naquela época, eu jamais poderia imaginar.
Enquanto meus dias na academia recém começavam, entre aulas e colegas de quarto excêntricos, longe dos meus olhos e ouvidos, as engrenagens do mundo giravam silenciosamente.
Três dias depois da minha chegada. 1ª Camada – Asgard.
O coração do poder.
O Palácio Esmeralda — símbolo absoluto do Poder Judiciário — guardava um segredo que começava a emergir das sombras.
Não era apenas um prédio. Era um templo onde até as mentiras se curvavam e quebravam. Suas torres não tocavam o céu — elas o perfuravam, como agulhas de cristal verde que brotavam do chão sagrado. Suas janelas não refletiam o mundo exterior, mas sim os caminhos tortuosos que um acusado poderia ter trilhado. Ali, não se punia com espadas, mas com Verdades.
O chão do palácio reluzia com a chamada Esmeralda da Penitência. Diziam que esse cristal sussurrava os segredos mais obscuros daqueles que o pisavam com indignidade.
Silenciosa, uma Rankeadora caminhava pelos corredores longos.
Ela se movia com a leveza de quem carrega revelações pesadas demais para serem ditas em voz alta. Sua capa branca, bordada com fios dourados que indicavam sua alta patente, arrastava-se pelo chão como um manto sagrado.
Ela parou diante de um imenso portão duplo. A superfície era adornada com inscrições rúnicas que pulsavam com uma energia rítmica, como um coração batendo.
Ao lado do portão, duas figuras imóveis como estátuas guardavam a entrada. Vestiam turbantes e mantos de um verde profundo, cobrindo o rosto. Guardiões Silenciosos. Sem dizer uma palavra, eles tocaram o portão com as palmas das mãos.
Zuuuum.
As portas, pesando toneladas, se abriram sozinhas, liberando um leve zumbido etéreo e uma lufada de ar frio e puro.
A Rankeadora entrou.
O salão que se revelou era vasto. O teto parecia infinito, uma estrutura translúcida semelhante a vidro, mas com veias douradas correndo como raízes ancestrais pelas colunas e abóbadas. O tempo ali não passava; ele esperava.
E no centro… ele.
Sentado em um trono que parecia ter sido esculpido pela própria erosão do tempo, Aesyr Vharan não parecia um homem. Parecia um conceito.
A serenidade que o envolvia fazia os joelhos de qualquer mortal hesitarem. Seu cabelo branco, liso e imaculado, caía como neve eterna até tocar o chão polido, com tranças laterais adornadas por ouro e pedras turquesas.
Seus olhos… eram impossíveis de definir com uma só cor. Verde-prateados, translúcidos, brilhando com uma luz interna. Eram olhos que não julgavam o corpo, mas despiam a alma.
Sua presença pesava como um veredito final, mesmo antes de proferir uma sílaba. Quando ele se movia, os símbolos antigos que cobriam suas vestes brilhavam com um leve pulsar, respondendo à sua existência como se ele fosse uma lei da física.
A Rankeadora caminhou até a base da escadaria do trono. O som de seus passos foi engolido pelo silêncio absoluto. Ela ajoelhou-se lentamente, a testa quase tocando o cristal verde.
— Rei do Palácio Esmeralda, Aesyr Vharan… — Sua voz feminina ecoou, respeitosa, mas carregada de tensão. — Eu trago informações de importância crítica. Algo que testemunhei com meus próprios olhos.
Aesyr se ergueu.
Ele não levantou rápido. Foi com a calma aterrorizante de quem já sabia metade da resposta antes da pergunta ser feita. Seus passos eram lentos, mas cada um deles fazia o salão inteiro segurar o fôlego. Descendo os degraus, ele parou diante da mulher ajoelhada.
— Pode retirar seu manto.
A voz dele era suave, mas imutável. Como o curso de um rio que não pode ser desviado.
Com mãos firmes, ela puxou o capuz para trás, revelando cabelos dourados e os olhos inconfundíveis com a íris em forma de estrela de sete pontas — o selo dos Rankeadores. Mas, por baixo da calma aparente de sua raça, uma gota de suor frio escorria por sua têmpora.
— Na Camada Quatro — ela começou, a voz vacilando levemente — presenciei algo durante uma inspeção não oficial. Uma das Lâminas Gêmeas de Silvit.
Aesyr não se moveu. Mas a temperatura do salão caiu. Seus olhos se estreitaram milimetricamente.
— A segunda irmã… a adaga nomeada como Zoe — continuou a Rankeadora, as palavras saindo rápidas. — Ela está com um garoto. Um aluno do primeiro ano. Posso confirmar… a aura, o formato, a vibração… era a verdadeira lâmina.
A tensão, até então invisível, condensou-se no ar como uma tempestade prestes a estourar. O silêncio que se seguiu não era vazio; era um julgamento suspenso sobre a cabeça dela.
— Você confirma essa informação sob a luz da Penitência? — perguntou Aesyr. Sua voz fez as inscrições nas paredes brilharem mais forte, como se o próprio palácio aguardasse a mentira para puni-la.
A Rankeadora assentiu, o corpo tremendo levemente.
— Sim. O portador é… chamativo. Muito chamativo. Possui traços do Clã da Escuridão, olhos marcantes… Mas não há dúvidas, Vossa Majestade. Aquela era a lâmina que foi roubada há dezesseis anos… por Vena Nosfea.
O nome.
A palavra ficou pairando no ar como veneno.
Vena Nosfea.
Aesyr fechou os olhos por um momento, o rosto impassível, como se escutasse um eco muito distante, vindo de uma época de sangue. Ao abri-los, não havia surpresa. Apenas a frieza do cálculo.
Ele deu as costas à Rankeadora e começou a caminhar lentamente de volta ao trono. O som de seus passos era o único ruído no universo.
— E onde exatamente, na Camada Quatro, ele se encontra? — A voz dele ecoou, firme como o som de uma sentença sendo selada em pedra.
A Rankeadora levantou o rosto, tentando manter a compostura digna de seu cargo.
— Ele está na Academia de Fjorheim, senhor. É um dos alunos registrados. Mas… — a voz dela falhou por um segundo, o medo transparecendo. — Isso é o que mais me incomoda. Ele é claramente um membro, ou descendente, do Clã da Escuridão. Por que alguém como ele estaria sendo escondido ali, à vista de todos? E por que o Clã da Escuridão não informou nada sobre a recuperação da lâmina?
Ela engoliu em seco.
— Ainda mais estranho… por que Acara nunca nos contou?
A menção a esse outro nome pareceu congelar o tempo.
O olhar de Aesyr voltou-se para ela. Era uma lâmina que avaliava o pescoço, decidindo onde cortar.
— Acara está nas camadas inferiores. — Ele disse. — Lá embaixo. Nas fronteiras do abismo, neste exato momento.
Sua voz era calma, mas carregava uma seriedade que parecia distorcer a luz ao redor.
— Por ora… apenas observe o garoto. Não interfira. Não o aborde. Após o retorno dela… discutiremos isso com a devida profundidade.
A Rankeadora curvou a cabeça até o chão.
— Entendido. Com sua licença, estou me retirando.
Ela recolocou o pano sagrado sobre a cabeça com mãos que ainda tremiam levemente. Levantou-se e virou-se para sair.
Mas, quando ela já estava no meio do grande salão, quase alcançando a segurança da saída, a voz de Aesyr a alcançou. Não foi um grito. Foi um sussurro que preencheu todo o espaço.
— Você não está escondendo mais nada… certo?
A Rankeadora congelou.
O chão de esmeralda sob os pés dela brilhou com uma intensidade repentina, reagindo ao batimento cardíaco acelerado dela.
Ela respirou fundo, forçando o controle sobre sua própria alma.
— Não há mais nada no momento. Muito obrigada pela atenção, Vossa Majestade.
As portas se abriram. Ela saiu.
E Aesyr Vharan permaneceu sozinho no trono, seus olhos de cores indescritíveis fixos no vazio, enquanto o nome “Zoe” e “Vena Nosfea” dançavam em sua mente como fantasmas de um passado que se recusava a morrer.
Ao sair do salão, caminhando pelas trilhas de cristal pulsante do Palácio Esmeralda, o coração dela finalmente desacelerou. O som dos próprios passos parecia alto demais naquele lugar sagrado.
Ela soltou um suspiro abafado, pesado, sob o capuz do manto branco.
— Se ele tivesse usado a Lex Veritas… — sussurrou para si mesma, sentindo o suor frio secar na nuca. — Eu estaria em apuros. Não… eu estaria morta.
Mas sua breve sensação de alívio durou menos que uma batida de coração. Ela foi esmagada instantaneamente por uma pressão atmosférica que não deveria existir ali.
Uma voz soou atrás dela. Não era alta, nem agressiva. Era entorpecida, arrastada… mas cortante como vidro moído misturado ao mel.
— Estou surpresa que você tenha conseguido entrar aqui… no coração do Julgamento… Marion Luipin.
A Rankeadora virou-se bruscamente. Seu corpo reagiu por instinto, uma postura de combate assumida antes mesmo de seu cérebro processar quem — ou o quê — estava ali.
Ellune Vörhaz.
A simples presença dela parecia dobrar a realidade ao redor. A luz esmeralda do palácio parecia evitar tocá-la, criando uma sombra distorcida aos seus pés.
Sua beleza era algo difícil de descrever — não por ser sublime, mas por ser profundamente desconcertante. Os cabelos, de um branco prateado, caíam em mechas caóticas e flutuantes, ignorando a gravidade e as leis do tempo.
Atrás de sua cabeça, dois chifres retorcidos, negros como madeira queimada, erguiam-se como galhos de uma árvore ancestral e profana. Silenciosos, mas ameaçadores.
Mas era o rosto que prendia o horror.
Seus dois olhos “verdadeiros” estavam costurados. Fios escuros e grossos selavam as pálpebras em pontos cirúrgicos cruéis, parecendo mais símbolos de um sacrifício ritualístico do que ferimentos de batalha. Os cílios longos emolduravam essa cegueira imposta, e marcas escuras desciam por suas bochechas, lembrando lágrimas eternas, secas há séculos.
No entanto, no centro da testa, o Terceiro Olho estava escancarado.
Imóvel. Vertical. Cercado por runas e marcas tribais que pulsavam em um vermelho vivo, como se estivessem famintas por segredos ocultos.
Mesmo cega, Ellune via tudo. Talvez até mais do que deveria.
A Rankeadora engoliu em seco, recuando um passo.
— Senhorita Ellune Vörhaz… o que está fazendo aqui?
Ellune inclinou a cabeça, como uma boneca quebrada.
— Não se faça de inocente, Marion. Você consegue roubar qualquer corpo que quiser, vestir a pele de qualquer um e se infiltrar em qualquer lugar… — A voz dela era suave, quase um sussurro carinhoso. — A Rankeadora que você matou para ter esse corpo… ela iria revelar a verdade sobre o olho rosa dele, não iria? Sobre a natureza dele.
O disfarce caiu. A postura da “Rankeadora” mudou. A servidão sumiu, dando lugar a uma hostilidade fria.
— Ellune… — Marion rosnou, a voz agora distorcida, dupla. — Não ouse tocar um dedo sequer no garoto. Não importa se o olho dele é ou não um Olho do Pecado… Se você tocar nele… Eu mesma mato você.
Ellune sorriu. O sorriso era pequeno, mas perturbadoramente largo para aquele rosto pálido.
— Você, com essa aparência humana e frágil, não é nada assustadora, querida. Mas… — Ela deu de ombros, num gesto preguiçoso. — Arrumar briga com a portadora do Olho da Inveja… não é algo que eu queira fazer antes do jantar. Dá má digestão.
Ela respirou fundo, inalando o medo de Marion como se fosse um perfume caro.
— É intrigante, não acha? A humanidade agora tem posse confirmada de quatro dos sete. O Olho da Inveja com você… a Gula comigo… a Ira perdida por aí… e agora, qual será a do garoto?
Ellune começou a caminhar em círculos ao redor de Marion, seus passos sem som.
— Aquele rosa vibrante… O que seria? Ganância? Duvido, ele parece altruísta demais. Preguiça? Não, ele tem fogo nos olhos. Então… seria a Luxúria?
O sorriso de Ellune se alargou, mostrando dentes perfeitos demais. Uma tensão invisível tomou o ar, fazendo as luzes do corredor piscarem.
— Luxúria pelo quê, eu me pergunto? Carne? Poder? Ou… conhecimento proibido?
Marion permaneceu em silêncio, os punhos cerrados. A pergunta parecia mais uma armadilha mental do que uma curiosidade genuína.
— Aquele garoto… Ken Orquídea… — Ellune saboreou o nome. — Será interessante. Irei observá-lo de longe. Por um longo tempo.
— Senhorita Ellune… — Marion tentou intervir, dar um passo à frente.
Mas antes que pudesse terminar a frase, Ellune desapareceu.
Não houve fumaça. Não houve portal.
Foi como se ela fosse uma sombra que a luz decidiu esquecer. O corpo dela simplesmente se esvaiu na realidade, sem som, sem vento, sem aviso.
Mas a voz dela… ah, a voz ficou.
Ela ecoou diretamente dentro do crânio de Marion, fria como gelo se arrastando pela medula espinhal:
“Eu irei observar os passos de vocês. Lentamente. Pacientemente. Até a hora em que eu irei consumir todos vocês… para saciar minha fome eterna.”
O silêncio voltou ao corredor do Palácio Esmeralda.
Marion ficou estática. A “Rankeadora” poderosa, a portadora da Inveja, tremia.
Por um instante, apenas seu coração batia nos ouvidos.
“Ela me dá medo…”
O pensamento surgiu, involuntário, quase um sussurro vergonhoso em sua própria mente.
Mas o medo era real.
E agora, estava colado nela como uma segunda pele, impossível de arrancar.

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