Enki golpeou o nariz de Strivia com o seu cabo, fazendo um barulho seco que o quebrou instantaneamente. O impacto foi seguido por um grito de dor e ela cambaleou para trás.

    Antes de cair, Hélio a segurou pelo braço com força, agarrou Enki no ar e posicionou-se atrás das costas de Strivia. Em seguida, pressionou a lâmina da espada contra o pescoço dela. 

    — Seu covarde! — Strivia gritou com o nariz ensanguentado. Ela tentou concentrar sua aura nas mãos, mas Hélio percebeu e pressionou ainda mais a lâmina contra seu pescoço, fazendo um fio de sangue escorrer. — Eu te mato! — ela continuou em mais um grito.

    Isso não é o tipo de coisa que se diz quando se tem uma espada na garganta, moça — Enki comentou.

    Hélio abriu um sorriso de lado com o comentário, e apertando o braço dela com mais força, começou a se afastar da cabana. Depois de apenas alguns passos, um som estranho chamou sua atenção: um tremor acompanhado de uma respiração ofegante e nervosa. Ele virou-se na direção do barulho e encontrou Kalina, tremendo enquanto lhe apontava a espingarda.

    — Kalina, me ajuda! — Strivia gritou, seus olhos se enchendo de esperança ao vê-la.

    O plano de Strivia era simples: Kalina deveria se esconder, pronta para atirar em qualquer potencial inimigo, enquanto ela batia na porta para conversar com o morador, se fazendo de isca fácil. Parecia uma boa ideia, e a expressão de surpresa de Hélio ao ver a arma confirmava isso. No entanto, elas não esperavam que uma delas seria imobilizada tão rapidamente e de maneira inesperada. Strivia nem viu Hélio sacar sua espada; ela simplesmente saiu da bainha e a acertou no nariz. Nariz este que sangrava tanto quanto Kalina suava, sem saber o que fazer naquela situação.

    — E-eu… eu vou atirar! Eu vou atirar… eu vou atirar! — disse Kalina, apontando de forma desajeitada a espingarda para Hélio.

    — Ei! — Hélio endireitou o corpo de Strivia, colocando-a completamente à sua frente como um escudo humano. — Solta a arma agora, ou eu mato ela!

    — Eu… ah… eu…

    O dedo de Kalina tremia incontrolavelmente perto do gatilho, e ela não conseguia manter a mira firme. Seus dentes rangiam um contra o outro, e seus olhos estavam arregalados. Strivia percebeu o pânico de sua parceira.

    — Kalina! Abaixa essa arma! Esquece o plano e abaixa a arma! — a médica gritou, ignorando a pressão da lâmina de Enki e sofrendo um corte leve no pescoço.

    Ouvir aquelas palavras de Strivia, alguém que prometera que tudo daria certo, só piorou o estado mental de Kalina. Ela fechou os olhos involuntariamente, perdendo a noção de onde estava mirando. Seu dedo, movido pelo nervosismo, apertou o gatilho sem querer.

    BANG!!!

    Ela acertou a porta da cabana, mas antes, os estilhaços da bala se espalharam, e um deles passou de raspão pelo braço de Hélio. Pelo susto, o homem soltou Strivia e caiu no chão. A médica foi esperta e rápida o suficiente para se afastar de Hélio e correr até Kalina, ficando ao seu lado.

    — Ai meu Deus! Eu matei ele! Eu matei ele! — gritou Kalina.

    Strivia segurou um dos ombros de Kalina, tentando acalmá-la enquanto olhava nervosamente para Hélio no chão. Ele não estava morto, apenas desorientado, segurando o braço onde fora atingido. Enki se colocou defensivamente ao seu lado, flutuando.

    — Você não matou ninguém, Kalina. O miserável está vivo — Strivia disse com firmeza, embora sua respiração ofegante traísse seu nervosismo. Suas mãos tremiam ao segurar Kalina. Ela quase perdeu a vida por causa de uma garota imprudente, mas sabia que não tinha tempo para discutir. Precisavam sair dali e se preparar para um combate.

    — Sua garota maluca! — Hélio gritou, tentando se firmar de pé enquanto segurava o braço que sangrava levemente.

    Strivia puxou sua parceira pela mão, forçando-a a correr. O coração de Kalina batia tão rápido que ela sentia que poderia desmaiar a qualquer momento, mas a adrenalina a mantinha em ação.

    As duas mulheres correram pela floresta, galhos quebrando sob seus pés, o som do próprio medo pulsando em seus ouvidos. Cada passo parecia uma eternidade, e o som de Hélio se levantando vinha atrás delas, fazendo seus corações dispararem ainda mais.

    O crepitar das folhas secas era ensurdecedor, e a floresta escura parecia fechar-se ao redor delas. Strivia sentia o olhar de Hélio perfurando suas costas, como se a qualquer momento ele fosse alcançá-las.

    De repente, ela parou atrás de uma árvore, puxando Kalina para perto dela. Colocou um dedo nos lábios, indicando para sua parceira ficar em silêncio.

    — Fique aqui! Deixe que eu luto com ele — Strivia ordenou, sussurrando.

    Kalina obedeceu, abraçando seu próprio braço com força enquanto confirmava com a cabeça. Strivia, então, soltou um longo suspiro e fechou os olhos.

    Aquela espada… ela se mexeu sozinha, eu tenho certeza. Ele possui a Aura do Leão e uma espada que se mexe sozinha… Como isso é possível? De qualquer maneira, não vai ser problema se eu usar aquilo… — pensou.

    Ela se preparou, músculos tensos como cordas de um arco, mas ao se virar, encontrou apenas árvores ao seu redor. O som de uma coruja ao longe era tudo que ela escutava.

    Não havia sinal de Hélio. Não havia sinal de ninguém.

    — Pra onde ele foi…? — perguntou-se. 

    Hélio, por que você está fugindo? — perguntou Enki, sendo segurado por seu portador.

    — Uma delas tem uma arma, cacete! Eu não sou maluco de querer tomar mais um tiro — Hélio respondeu com a voz entrecortada pela respiração pesada.

    Ele corria na direção oposta. O chão irregular e coberto de folhas úmidas dificultava a fuga, fazendo seus pés escorregarem ocasionalmente.

    E se elas chamarem reforços? — insistiu Enki.

    — Eu vou estar bem longe quando isso acontecer!

    Longe o suficiente para escapar de rastreadores treinados do exército?

    — O que tá sugerindo? Que eu matasse elas? — Hélio lançou a pergunta, ofegante, sem realmente esperar uma resposta.

    Não seria uma má ideia… 

    — O que?! Você é um tipo de serial killer agora? Não, Jack Estripador, eu não saio matando qualquer um por aí!

    A criança você teria matado… 

    O comentário atingiu Hélio como um soco. Ele cerrou os dentes, a mandíbula tensa enquanto lutava para não perder o controle.

    — É diferente! — ele gritou. — Ela ajudou a arrancar minha perna, cacete!

    E essas duas ajudarão a arrancar sua cabeça se te pegarem. Mas claro, continue acreditando na inocência delas. Aposto que vai te fazer se sentir bem quando estiver amarrado esperando a execução.

    — Elas estão apenas fazendo o trabalho delas! 

    Ah, sim, o nobre Hélio, sempre se preocupando com os outros… — a risada de Enki ecoou em sua mente como um eco sinistro. — Engraçado como você ainda não aprendeu a me ouvir, sendo que minutos atrás quase virou comida por NÃO ME ESCUTAR!

    Hélio parou de correr abruptamente, ofegante, o peito subindo e descendo rapidamente. Ele apertou o cabo de Enki com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos.

    — Quer saber, Enki? Por que você não vai se…

    De repente, um movimento à direita.

     Uma corda voou pelo ar, lançada com precisão por uma balestra. Ela o atingiu na perna, enroscando-se com eficiência predatória. Em um instante, Hélio perdeu o equilíbrio e teve uma queda desajeitada na lama.

    Foi então que ela emergiu das sombras.

    Alta com cabelos longos e escuros caindo desordenadamente sobre os ombros. Sua pele quase pálida contrastava com a escuridão da floresta. Seu traje negro a envolvia , além do casaco vermelho sobre seus ombros, como um manto real. O olhar profundo e penetrante encontrou Hélio com uma força magnética, revelando um brilho travesso que ecoava no sorriso que se formava em seus lábios.

    — Que perigo correr por aí essa hora da noite, Hélio… — ela brincou. 

    Com os músculos tensos, Hélio tentou se mover, mas a corda o mantinha preso. Enki, como se estivesse sentindo a urgência dele, flutuou no ar e se apontou para a mulher. Quando os olhos de Hélio finalmente encontraram os dela, se alarmou.

    — Hella?! — ele exclamou. 

    Um sorriso ainda dançava nos lábios da mulher enquanto avançava com a balestra em mãos. No entanto, antes que pudesse alcançá-lo, Enki se moveu em um aviso claro de que estava pronto para atacar.

    — Isso é um convite para uma luta, Hélio? — ela parou abruptamente, erguendo uma sobrancelha com interesse. — Já faz um bom tempo desde a última.

    — Não! Não é! Enki, para com isso! — Hélio gritou. 

    Por favor, né, Hélio! Eu vou ter que salvar sua bunda mais uma vez? Ela é só uma, nós conseguimos! 

    — Abaixe-se, agora! — Hélio insistiu.

    Hella observou a interação, confusa, e soltou uma risada.

    — O que há de errado com sua espada? Ela não está viva, está? — zombou, ainda rindo.

    Hélio acompanhou os risos de maneira forçada, enquanto Enki, obedecendo a contragosto, se abaixou ao lado dele.

    — Antes que me ameace, Hella, saiba que estou sem o selo. E eu não tentei fugir! Fui atacado por canibais e sequestrado nesta maldita floresta. É por isso que eu acabei sumindo — Hélio explicou rapidamente.

    Ela o examinou minuciosamente, avaliando suas palavras. Notou que o selo em seu pulso esquerdo havia desaparecido, substituído por uma cicatriz. Observou também sua perna direita exposta sem um pedaço de tecido e sem a bota correspondente. Seu braço mostrava um ferimento cicatrizado pelo calor, com um leve rastro de sangue seco.

    — Estou vendo. Mas por que toda essa pressa? — ela indagou. 

    — Bem, é que…

    Kalina e Strivia surgiram das sombras da floresta correndo. Ao verem Hélio, Strivia apontou um dedo acusador, seus olhos faiscando de raiva.

    — Seu miserável! Eu te mato agora! — ela gritou.

    Hélio abriu um sorriso nervoso. Enquanto isso, Hella observava a cena com um divertido ceticismo, levantando uma sobrancelha em questionamento.

    — Deixe-me adivinhar… — ela olhou para Strivia, que estava com um olhar feroz, depois para Hélio, visivelmente envergonhado, e finalmente para Kalina, cuja expressão era de quem não queria estar ali. — Ele atacou vocês e tentou fugir, é isso?

    — Não foi bem isso…. — Hélio tentou dizer.

    — Você quebrou o meu nariz, desgraçado! O meu NARIZ! — Strivia gritou mais uma vez. 

    Hella suspirou, um som que parecia carregar o peso do mundo.

    — Meu querido Hélio… — ela retirou uma faca de sua bota e apontou para ele. — Me explique bem o que você tentou fazer 

    Hélio engoliu em seco, a presença da lâmina e da mulher que a segurava roubando-lhe a voz. Hella o estudou por um momento, e então um sorriso se formou novamente em seus lábios.

    — Tentou dar o fora mesmo, não é, seu espertinho? — ela riu.

    Hella se agachou e cortou a corda que prendia Hélio. Strivia ficou boquiaberta.

    — O que?! Você não vai puni-lo?! — Strivia tocou delicadamente o nariz. — Olhe só para o que ele fez! Vai demorar pelo menos meia hora para eu consertar isso!

    Hella suspirou, recolocando sua besta no suporte à cintura antes de apoiar as mãos nos quadris. 

    — Puní-lo? Por apenas querer sua liberdade? Não, não vou fazer isso — ela olhou para Strivia e Kalina com seriedade. — Não com o parceiro de vocês.

    — Parceiro?! — Strivia se perguntou, indignada.

    — Ah… O quê?! — Kalina finalmente processou alguns segundos depois.

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