Capítulo X – Caminhos Cruzados
Vini havia seguido a pé até Domvale, uma cidade próxima ao acampamento militar. Lá, comprou um cavalo e partiu rumo a Sombrevale, cavalgando por horas através de uma região pouco protegida e de escasso valor estratégico na guerra. A viagem transcorreu sem incidentes, sob o silêncio de uma paisagem monótona e indiferente aos conflitos que assolavam o continente.
Sombrevale e Helestros eram vilarejos esquecidos, miseráveis até para os padrões das cidades menores. Vini não compreendia por que Hella ou mesmo Solitude demonstravam interesse em Helestros. O que havia ali além de lama, terras áridas e porcos magros? Nada lhe fazia sentido.
Durante a longa cavalgada, cruzou várias aldeias sem se deter. A ansiedade por rever Hella o impelia a continuar. Havia muito tempo que não se viam, e embora tivessem crescido como irmãos, ele nunca a amou como tal. Na verdade, o favoritismo que Armand sempre demonstrou por ela o corroía. Vini jamais conheceu o carinho de um pai, e a atenção especial que Hella recebia despertava nele um ressentimento profundo, um sentimento que, desde a infância, alimentava a sombria fantasia de matá-la um dia.
Já era quase dez da noite quando alcançou a floresta que circundava Sombrevale. Desmontou, acariciou o pescoço do cavalo uma última vez e o espantou, deixando-o livre entre as árvores. A partir daquele ponto, a jornada seguiria a pé.
— Estou fazendo a coisa certa? Será que depois de todos esses anos, Hella ficou mais forte? Eu terei chances? — ele pensava caminhando. Inconscientemente, acariciava o cabo de sua espada na cintura, um hábito que tinha desde a infância.
Enquanto avançava pela trilha deserta, Vini avistou uma cabana com a porta escancarada. Aproximou-se com cautela e, a poucos passos da entrada, um cheiro forte de pólvora o fez parar. Notou vários buracos de bala na parede ao lado da porta, sinal de que algo violento havia ocorrido ali.
Ao cruzar a soleira, instintivamente levou a mão ao rosto, sufocando um impulso de náusea. No chão, uma criança morta jazia em meio a uma poça de sangue já escurecido. Próximo à pia, uma perna decepada repousava, infestada de ovos de mosca. A visão grotesca deixou um nó em sua garganta, mas ele não podia se atrasar ali.
Subitamente, sentiu a urgência de se camuflar. A possibilidade de rastreadores inimigos na região o fez agir rápido. Concentrou sua aura em um fluxo preciso, ocultando seu cheiro com a habilidade Aura da Serpente, um truque que aprendera após semanas de prática.
Sem perder tempo, deixou a cabana para trás e retomou a caminhada. Não demorou a encontrar pegadas marcadas no solo – passos rápidos e pesados, provavelmente de alguém que fugira em desespero. Decidiu segui-las, já que elas pareciam levar à pequena cidade.
Após um longo trecho de caminhada, Vini avistou um grupo em movimento. Três mulheres seguiam à frente, enquanto um homem andava alguns metros atrás delas. Este último chamou sua atenção de imediato. Havia algo incomum nele – uma espada flutuava ao seu lado, e ele conversava com a lâmina como se ela pudesse responder.
— Acho que nossa chance foi pro saco… Pois é, sim. O quê?! Sem chance!… Olhe, eu já disse, não dá certo mais a gente fugir. O jeito agora é fazer essa missão e torcer para não morrer. Hella não é uma pessoa ruim. Não vejo problemas em ajudar ela — Hélio dizia para sua espada.
— Hella? — Vini murmurou, o que acabou chamando a atenção de Hélio.
— Você ouviu isso, Enki? — ele perguntou, olhando a floresta ao redor. Após um tempo, desviou o olhar. — Ah, esquece. Olhe, continuando…
Vini havia se escondido para não ser percebido. Ele se moveu lentamente, circundando o grupo até ter uma visão melhor. Foi então que notou a mulher na frente, liderando o grupo. Seu coração acelerou ao reconhecer Hella, sua prima. Ela estava diferente, mais forte, com uma postura confiante e decidida.
Hella parou abruptamente e levantou a mão, fazendo o grupo cessar o movimento. Ela virou a cabeça ligeiramente, como se estivesse escutando algo.
— O que foi, Hella? — perguntou Kalina, enquanto segurava sua espingarda.
— Ouviram isso? — Hella perguntou.
Vini mais uma vez se escondeu. Strivia, que começou a olhar para a floresta, notou um movimento suspeito. Vini prendeu a respiração, seus músculos tensos como cordas de um arco prestes a disparar. Mas então, ponderando alguns segundos, Strivia concluiu:
— Essa região tem muitos esquilos, não tem, Hella?
— Sim, é verdade — Hella respondeu. — Continuem andando. Precisamos chegar à cidade logo.
Com o grupo retomando a marcha, Vini seguia-os em silêncio, mantendo uma distância segura com passos leves e sutis.
Após pouco tempo de caminhada pela floresta, eles chegaram a uma cabana isolada, a mais próxima da cidade. Hella deu ordens rápidas para que todos se preparassem, e Vini viu sua oportunidade.
— Eu posso emboscar ela aqui. Usar o Turno e matar ela — pensou.
Ele contornou a cabana, encontrando uma janela entreaberta. Silenciosamente, espiou para dentro. Viu um velho sentado em uma cadeira, lendo à luz de uma lamparina. Vini sentiu uma onda de alívio misturada com ansiedade. Esse era seu momento.
Ele se esgueirou até a porta dos fundos e entrou na cabana, movendo-se como uma sombra. Cada passo era calculado, sua respiração controlada, seus sentidos em alerta máximo. Ele ouviu passos do lado de fora e vozes abafadas de Hella e os outros. Precisava agir rápido.
Escondeu-se atrás de uma cortina pesada, esperando o momento certo. O velho se levantou, movendo-se até a porta. Vini, tomado pela tensão, pensou que ele poderia alertar os outros. O tempo parecia esticar-se. Sem hesitar, avançou e, com um movimento rápido, enfiou a espada no coração do velho por trás. O homem soltou um gemido surdo,abafado pela mão de Vini, e caiu no chão, já sem vida.
Ele olhou assustado para aquele corpo, seu coração batendo forte. Sentiu o gosto metálico do medo na boca. Nunca havia matado alguém assim, sem saber se era bom ou ruim.
— Eu matei ele… eu matei ele sem pensar duas vezes, só para cumprir minha missão — Vini pensava, olhando para sua espada banhada em sangue. — Eu não estou sentindo remorso ou culpa. Eu estou… ansioso? Não penso em nada além de concluir o trabalho. Nada.
…
Os quatro estavam agachados, observando a modesta cabana iluminada a poucos metros de distância. Hella apontou para as luzes que brilhavam no interior.
— Temos um problema, possivelmente sério. Pode ser apenas paranoia minha, mas não podemos ignorar isso. Quando passei por aqui algumas horas atrás, essa casa estava vazia. Eu verifiquei as informações sobre cada morador deste vilarejo. O ocupante é um senhor idoso chamado Dollis, que estava fora em uma viagem. Então pergunto: por que as luzes estão acesas agora? — Hella perguntou com a voz baixa.
— Talvez ele tenha retornado mais cedo? — sugeriu Kalina.
— É uma possibilidade, mas não estou convencida. Kalina, por favor, use sua técnica de olfato. Veja se consegue detectar algum odor dentro da cabana — Hella solicitou com seriedade.
Kalina assentiu, fechando os olhos para se concentrar. Após alguns momentos, ela inspirou profundamente, seu rosto inicialmente impassível, até que seus olhos se arregalaram de repente.
— Há sangue! Cheiro de sangue fresco. Sangue humano! — sua voz tremia ao compartilhar a descoberta.
Hella colocou a mão no queixo, pensativa. Hélio interveio, querendo participar da conversa.
— Talvez ele tenha se machucado ao voltar — ele sugeriu.
— E o volume de sangue? — perguntou Strivia, desconfiada.
— É possível que tenha sido um pequeno corte, nada mais — Hélio respondeu, mantendo o tom descontraído.
— Seria muita sorte ser apenas isso— continuou Strivia. — Kalina, consegue saber a quantidade de sangue que tem lá?
— Eu senti… é bastante. Não é um corte comum. É o suficiente para matar alguém — ela respondeu, com uma expressão séria.
Hella examinou os arredores em busca de sinais de perigo iminente. Não encontrou nada além da quietude da floresta noturna. Finalmente, respirou fundo e virou-se para o grupo.
— Está decidido. Vamos verificar a cabana. Vocês três batem na porta e descobrem o que está acontecendo lá dentro. Eu farei uma inspeção ao redor da floresta para garantir que não sejamos surpreendidos. Pode ser uma emboscada. Não podemos nos dar ao luxo de todos entrarem na cabana de uma vez.
O grupo assentiu em silêncio. Hella bebeu um pequeno frasco guardado em seu sobretudo para camuflar os sons de seus passos, desaparecendo na floresta adiante com sua balestra pronta. O restante do grupo permaneceu tenso, trocando olhares significativos.
— Então… quem vai bater na porta? — Kalina quebrou o silêncio.
— É… quem vai…? — Strivia também perguntou.
As duas se voltaram para Hélio, esperando uma resposta, que bufou, um sorriso irônico curvando seus lábios.
— Não precisam pedir. O homem aqui protege as duas princesinhas — ele se ergueu, colocando Enki na bainha. Kalina sorriu com o dito, enquanto Strivia revirou os olhos. — Me deem cobertura caso algo dê errado — ele se dirigiu cautelosamente em direção à cabana
Hélio chegou à porta e bateu três vezes. Não houve resposta inicial. Ele insistiu com mais três batidas firmes, aguardando. Após alguns segundos que pareceram uma eternidade, a porta rangeu abrindo-se lentamente.
Vini estava do outro lado. Ele não se preocupou em esconder o corpo atrás dele, nem o vestígio de sangue em sua roupa. Hélio lançou um rápido olhar para dentro da cabana antes de fixar os olhos em Vini.
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