Capítulo XI – Dois Predadores
Os dois permaneceram em silêncio, seus olhares cruzados como o de predadores avaliando a presa antes do ataque. O tempo parecia suspenso, um fio invisível de tensão os ligava, pronto para se romper ao menor movimento. No entanto, nenhum deles se moveu.
Vini sentia o coração pulsar no peito, mas a mente parecia paralisada pela estranha calma de Hélio.
— Por que ele não faz nada? Ele viu o corpo ali dentro… então por que ainda está calado? — pensava.
Do outro lado, Hélio observava cada detalhe, sentindo o sangue correr quente em suas veias. Uma excitação perigosa tomava conta dele, uma fome primitiva que não conseguia explicar. Um sorriso astuto curvou o canto de seus lábios.
— Por que isso está me animando tanto? — questionou-se. — Há um inimigo à minha frente, um corpo morto atrás dele… eu deveria estar enfurecido, mas tudo que sinto é essa animação.
Vini não pôde deixar de notar aquele sorriso. Algo na postura de Hélio também o deixava inquieto, mas ao mesmo tempo… intrigado. Ele levou a mão ao cabo da espada, acariciando-o ansiosamente.
— Essa presença… essa aura dele… por que me faz querer lutar? Será que ele também sente isso? Essa necessidade incontrolável de…
— Duelar — completou Hélio em pensamento. — Eu quero duelar com ele.
A tensão foi quebrada pela voz metálica de Enki, a espada de Hélio, que disse em sua mente com impaciência:
— Hélio, o que está esperando? Há um morto lá dentro. Deixe-me sair e acabar logo com isso!
Hélio segurou a bainha com firmeza, impedindo Enki de se mover.
Vini percebeu o leve movimento na mão de Hélio e arqueou uma sobrancelha.
— Bela espada — sua voz soou casual.
— Você nem a viu ainda. — Hélio respondeu.
— Mas o cabo é bonito. A minha também é… embora esteja um pouco suja no momento — Vini fez um leve gesto com a cabeça, indicando o corpo dentro da casa.
— Sim… suja — Hélio continuou sorrindo, não desviando um centímetro dos olhos de Vini.
— Você é estranho… Quem é você? — Vini perguntou, estreitando os olhos.
— Eu que deveria perguntar isso.
— Minha pergunta veio primeiro.
— Mas não sou eu quem está escondendo corpos por aí.
Um sorriso apareceu no rosto de Vini.
— Você é um soldado de Solitude, não é? — ele perguntou.
— Algo assim — Hélio respondeu.
— E agora que sabe que matei um dos seus, o que pretende fazer?
Os olhos de Hélio brilharam.
— Você já sabe a resposta! — disse ele, avançando com um movimento ágil, retirando sua espada da bainha com fluidez.
Vini reagiu no instante em que a lâmina de Hélio veio em sua direção. Ergueu a espada e bloqueou o golpe, gerando um som metálico que reverberou pela cabana. Faíscas saltaram no ar, e o impacto o fez recuar alguns passos, mantendo a pressão contra a espada de Hélio.
— Tem certeza de que quer isso?! — perguntou Vini entre dentes, enquanto resistia à força crescente de Hélio.
— Mais do que tudo! — Hélio respondeu, empurrando ainda mais forte. — Não sente isso? Essa necessidade de um duelo aqui e agora?!
— Eu sinto! — Vini exclamou, gritando, como se libertasse algo que o sufocava.
Eles se afastaram, começando a circular um ao outro, olhos fixos, medindo cada movimento. Hélio atacou rápido, tentando desarmá-lo, mas Vini bloqueou com habilidade e respondeu com uma estocada no peito, que Hélio mal conseguiu evitar.
A luz fraca da lâmpada balançava com seus movimentos, fazendo as sombras oscilarem pelas paredes velhas. As espadas cortavam o ar em rápidos golpes e contra-ataques, ecoando em um ritmo quase hipnótico.
Hélio avançou com uma sequência feroz de ataques, forçando Vini a recuar passo a passo. Quando sentiu a parede atrás de si, Vini rolou para o lado, escapando de um golpe que quase lhe acertou a mão. Levantou-se de imediato e contra-atacou, mas Hélio bloqueou com firmeza.
— Você tem talento! — admitiu Vini, ofegante, mas sorrindo.
— Você também não é nada mal — respondeu Hélio, também com a respiração acelerada e um sorriso animado no rosto.
Sem perder tempo, voltaram a girar em torno um do outro. Hélio tentou um golpe lateral na cintura, mas Vini se aproximou rápido, entrando na guarda dele e aplicando uma cotovelada firme no estômago. Hélio recuou, respirando fundo.
Eles continuaram a dança, cada movimento mais intenso que o anterior. Vini sentia os músculos arderem, mas mantinha o foco, ignorando o cansaço que ameaçava dominá-lo. Os golpes brutais de Hélio vinham com a intenção clara de subjugar pela força, mas Vini respondia com esquivas rápidas e contra-ataques precisos. Em um instante oportuno, ele deslizou com destreza e varreu as pernas de Hélio, que tombou com um baque seco. Contudo, Hélio rolou para o lado e se levantou num único movimento fluido, já pronto para retomar o embate.
Porém, foram interrompidos.
De repente, a porta da cabana foi aberta com um estrondo. Strivia e Kalina entraram e se alarmaram com a cena.
— O que está acontecendo aqui?! — gritou Strivia, seu olhar alternando entre Vini, Hélio e o corpo no chão.
Kalina, com a espingarda em mãos, não hesitou: apontou diretamente para Vini.
— P-parado! — ordenou ela.
Vini se sentiu encurralado, suas opções se esgotando rapidamente. Ele olhou para Hélio, que ainda estava de pé, embora visivelmente machucado e com sangue escorrendo. O olhar dele passou de divertido para desapontado com a chegada das mulheres. Como seu adversário, Vini não estava contente com a interrupção.
— Não posso ser capturado aqui. Eu ainda tenho que pegar a Hella — pensou, antes de anunciar com um estalo de dedos: — Turno!
Uma aura começou a pulsar ao seu redor, enquanto ele invocava sua técnica. O tempo pareceu congelar para todos ali presentes, e um relógio etéreo materializou-se entre ele e Hélio.
Kalina e Strivia tentaram se mover, mas estavam paralisadas.
— O que está acontecendo?! — perguntou Kalina, seus olhos arregalados de perplexidade. — Não consigo me mover, Hélio!
Strivia observava com preocupação crescente Vini e sua técnica, mas manteve-se em silêncio. Hélio moveu-se lentamente ao redor.
— É uma técnica da Serpente — murmurou Enki.
— Eu sei — respondeu Hélio, seu olhar fixo em Vini. — Parece que nosso duelo de verdade acabou aqui, meu amigo.
— Na verdade não. Estou chateado por essas duas terem nos interrompido, mas felizmente, minha técnica é uma ótima maneira de continuarmos — Vini disse, apontando sua espada para o relógio acima deles. — Chamo essa técnica de Turno. Eu farei o primeiro ataque, você terá a chance de se defender e contra-atacar. O último movimento será meu, é claro. Assim podemos determinar quem é o mais forte entre nós, agora que fomos interrompidos por elas.
— Uma técnica de turnos… Interessante, devo admitir — comentou Enki.
— Dentro desta área, elas não podem se mover, ao contrário de nós dois. Quando eu anunciar meu ataque, você deve declarar sua ação em voz alta e depois um estalo de dedos. No meu último turno, nossos golpes serão executados, decidindo o vencedor — continuou Vini.
— E por que está me explicando tudo isso? — Hélio perguntou.
— Realmente não precisaria. A vantagem seria toda minha e provavelmente você seria morto. Mas qual seria a graça nisso? Sinto que somos do mesmo nível. Eu jamais me perdoaria se não duelasse com você de maneira justa.
Hélio ponderou, olhando para o relógio flutuante entre eles. O espadachim percebeu que Vini estava oferecendo um duelo de honra, um verdadeiro teste de habilidades. Um sorriso surgiu em seu rosto por finalmente ter encontrado um adversário interessante após anos.
— Muito bem. Vamos fazer isso — Hélio concordou.
Vini assentiu, ajustando sua postura e concentrando-se.
— Há uma ferida em seu braço cicatrizada pelo calor, apesar de ele não ter notado o outro corte que fiz ainda. Provavelmente tem a Aura do Leão. Ao contrário de meu tio, ele não pode usar telecinese em minha espada… Droga, ainda não consigo usar nada dentro desta técnica! Preciso aprimorá-la para utilizar minhas outras técnicas da próxima vez. Mas vejamos… talvez eu possa lançar um golpe simples, apenas para esperar seu contra-ataque e finalizá-lo de uma vez. Certo, será isso — Vini pensou. — Vou avançar com minha espada em seu peito esquerdo! — ele estalou os dedos.
Tic.
O som do relógio soou. Ele virou-se para Hélio, contando os segundos.
— Agora você tem dois minutos para decidir. Quando estiver pronto, anuncie seu movimento e estale os dedos. Quando os golpes forem ocorrer, você estará destinado a atacar — explicou Vini, apontando seu dedo para sua outra mão, empunhando a espada. — Está vendo? Não consigo soltar minha espada. Como minha ação envolve avançar com ela, eu a farei a qualquer custo.
Hélio fechou os olhos por um momento. Ele inspirou profundamente, sua mente correndo freneticamente através de todas as possíveis estratégias. Em apenas dois minutos, precisava não apenas bloquear o ataque iminente, mas também encontrar uma brecha para um contra-ataque eficaz.
— É fácil! Basta usar minha velocidade para bloquear o golpe dele e acertá-lo — disse Enki, seu orgulho evidente na voz. — Você tem sorte de ter alguém como eu ao seu lado, Hélio.
Os olhos de Hélio se abriram de repente ao ouvir aquelas palavras.
— Sorte? — pensou. — Sorte… Depender de Enki pode ser a forma mais simples de vencer. Mas… sorte?
— Hélio? O tempo está passando. Vamos lá, diga que vai me usar e estale os dedos — insistiu Enki.
Hélio olhou para Enki, reconhecendo a lógica prática da sugestão dele. Contudo, uma sensação incômoda começou a se tornar presente em sua mente.
— Sorte… — ecoou a palavra dita por Enki na mente de Hélio. — Então, se não fosse por Enki, eu estaria morto agora? — ele olhou para Kalina, vendo no rosto dela a mesma expressão de medo que vinha notando desde que a conhecera. — Se eu morrer aqui, ela morre também. Se eu não tivesse Enki ao meu lado, todos nós estaríamos mortos? — fechou os olhos por um instante. — Não. Não posso aceitar depender da sorte para sobreviver. Não foi essa a promessa que fiz a ela. Depender da sorte assim não está nos meus planos.
Strivia permanecia em silêncio, seus olhos alternando entre Vini e Hélio. Kalina, por sua vez, tinha uma expressão de profunda preocupação em seu rosto, lágrimas começando a escorrer silenciosamente por suas bochechas. Enquanto isso, Enki não compreendia a hesitação de Hélio. Para ele, a solução era simples: usar sua velocidade para bloquear o ataque. Ele pressionava Hélio repetidamente, questionando porque ainda não havia decidido, enquanto o tic-tac do relógio se aproximava do fim.
À beira da pressão do tempo, Hélio finalmente teve uma ideia.
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