Capítulo XII – Não Seja Precipitado
— Eu quero usar a minha técnica de expandir o calor a partir de agora! — Hélio anunciou, estalando os dedos.
Um tic audível ecoou. O relógio virou-se para Vini.
— O QUE VOCÊ FEZ?! — gritou Enki.
Vini estreitou os olhos, confuso. Gradualmente, o calor começou a se espalhar pela cabana.
— A técnica dele está funcionando antes mesmo dos turnos começarem? Não faz sentido… Será que tem uma falha na minha técnica que eu não percebi? — Vini pensou, sentindo o calor aumentar. Mas não era insuportável. — Então é isso? Um ataque desesperado usando técnica de calor? Não seja precipi…
De repente, Vini caiu de joelhos. Mal conseguia respirar. O calor na cabana subiu abruptamente, enquanto o oxigênio parecia se tornar um amigo distante. Strivia e Kalina também caíram, sofrendo da mesma situação. Hélio era o único não afetado.
— Como você dizia… não seja precipitado! — Hélio disse, com um sorriso orgulhoso estampado no rosto.
Vini tentou responder, mas as palavras se perderam em sua garganta seca. O ar quente queimava seus pulmões e ele mal conseguia manter os olhos abertos.
— Mas… que… que desgraça é essa?! — ele conseguiu sussurrar enquanto segurava a garganta, tentando desesperadamente respirar. — Por que a técnica fez efeito tão rápido? Isso não faz sentido. Não faz! — pensou.
— Foi arriscado, mas parece que eu estava certo. Sua técnica é falha. Qualquer técnica que não precise ser invocada, e sim canalizada de maneira imovel, faz efeito imediato. E se é para depender da sorte, que seja numa investida ousada! Estou usando uma técnica para aumentar o calor dentro desta cabana. Dura pouco tempo e me cansa bastante. Mas já adianto que vai esquentar tanto que seus olhos vão fritar. A única maneira de impedir isso é se você cancelar a sua técnica!
— Hélio, seu… ousado. — Enki comentou, soltando uma sutil risada e quase irônica.
Vini olhou ao redor da cabana procurando algo para se defender. A cada segundo, o calor aumentava e ele percebeu que até as companheiras de Hélio estavam sofrendo. Kalina já havia desmaiado, a pele brilhando de suor. Strivia estava à beira do colapso, os olhos arregalados enquanto respirava ofegantemente.
— Elas… elas vão morrer aqui comigo!
— Elas vão? — Hélio olhou para elas, e depois retornou para Vini. — Duvido! Você vai cancelar essa técnica agora. E sabe por que? Porque você não é homem o suficiente para morrer em um duelo. Então vai lá. Cancela isso. Agora!
Vini sabia que Hélio estava certo. Ele não suportava a ideia de morrer queimado vivo. Na verdade, ele não suportava a simples ideia de morrer.
— É só eu matar ele. É só eu estalar os dedos e fazer o Turno lançar minha espada nele. Não… não será possível. Eu vou morrer se não cancelar agora!
Com um último olhar de ódio para o triunfante do duelo, Vini concentrou sua aura para cancelar a técnica, sentindo o calor diminuir enquanto sua espada, pronta para a ação, caía no chão.
— Pelo visto, eu venci — Hélio declarou, dando alguns passos para frente. — Foi um bom duelo — ele apontou Enki para Vini, ainda no chão. — Porém, agora, você está morto…
O que Hélio já esperava aconteceu. Vini tentou pegar sua espada no chão para se defender. Mas assim que ele estendeu a mão direita, Hélio foi mais rápido e cortou-a. Vini recuou assustado, com lágrimas começando a escorrer de seus olhos.
— MINHA MÃO! — ele berrou, segurando o cotoco esguichando sangue.
Do outro lado da sala, Strivia observava a cena com temor nos olhos. Ela mal conseguia respirar por conta da técnica que Hélio acabara de usar, seu coração batendo violentamente contra o peito. Estava desesperada, horrorizada com o que via.
— Hélio vai matar ele… se eu não fizer nada, Hélio vai matar ele de verdade! — ela pensou, apertando os punhos ainda de joelhos no chão.
Hélio levantou sua espada novamente. Vini, segurando o cotoco de sua mão sangrando, com os olhos derramados de lágrimas, já esperava o seu fim. Seus lábios se moveram em um sussurro inaudível, talvez uma prece, talvez um adeus. Então, tudo ficou escuro para ele.
Ainda com a espada erguida, Hélio levantou uma sobrancelha em confusão. Aquele que estava prestes a morrer diante de seus olhos, havia desaparecido. Ele foi sugado pelo espaço como se fosse engolido por um redemoinho invisível. O ar ao redor de onde Vini estava começou a distorcer e girar, criando um vórtice sombrio e pulsante.
…
Vini sentiu seu corpo ser puxado com uma força esmagadora. A escuridão envolveu sua visão, e ele teve a sensação de ser despedaçado e reunido ao mesmo tempo.
Quando a escuridão começou a se dissipar, Vini se encontrou deitado em um lugar completamente diferente. O chão era macio, coberto de grama, e a dor em sua mão foi substituída por uma sensação de entorpecimento. Ele piscou, tentando ajustar seus olhos. O som do vento sussurrava em seus ouvidos, trazendo um alívio momentâneo.
Ele havia sido salvo, retirado do caminho da morte no último instante, mas por quem ou porquê, ele ainda não sabia.
…
Ainda de joelhos, Strivia apontava sua mão aberta para a direção onde estava Vini. O vórtice desapareceu tão rapidamente quanto apareceu, deixando um silêncio ensurdecedor na sala. Hélio baixou a espada lentamente, seu olhar no ponto onde Vini havia estado. Ele franziu a testa, intrigado e irritado.
— O que foi isso?! — ele rosnou, olhando em volta como se esperasse que alguém surgisse das sombras para lhe dar uma explicação. Finalmente, encontrou Strivia, paralisada, apontando sua mão. — Foi você?!
Strivia abaixou a mão lentamente. Ela demorou a responder, ouvindo os gritos indignados de Hélio ecoando pela sala. Pensava em algo, precisava dizer algo.
— Aquele era Vini Valentine! Filho de Laurent Valentine e sobrinho de Armand Valentine! O que você tinha na cabeça, Hélio?! Matar um dos Valentine? Queria matar o primo de Hella e o sobrinho do homem mais forte já conhecido?! — ela disse, levantando-se.
— O que?! Aquele era o Vini…? — Hélio soltou Enki no ar e colocou uma mão na cabeça, sua expressão mudando de raiva para perplexidade. — O pequeno Vini?… — ele murmurou, quase inaudível.
— Eu salvei a sua cabeça, seu tolo! Se você matasse o amado sobrinho do Herdeiro do Sangue, a última coisa deixada por seu irmão, você causaria uma guerra! Não, pior, você causaria a morte de todos nós! — Strivia, com passos pesados, foi até Kalina, que estava desmaiada no chão. Ela se ajoelhou e começou a verificar a temperatura de seu corpo. — Você deveria me agradecer por salvar sua vida, mesmo depois de você ter quase nos matado.
Hélio deu alguns passos para trás, os pensamentos correndo freneticamente em sua mente. Ele se sentou em uma cadeira, perto do corpo inerte do dono daquela casa, seus olhos perdidos no vazio.
— Era mesmo o Vini? Ele mudou tanto… por que eu não o reconheci? — Hélio conversava consigo.
— Como você o conhecia? — Enki perguntou.
— Eu o conheci quando ele tinha uns cinco anos. Brincávamos de pique-esconde no castelo, eu, ele e Hella. — Hélio sentiu uma dor estranha. A adrenalina da batalha dissipara-se, revelando um corte profundo em seu braço direito, sangrando intensamente. Ele pressionou a mão contra o ferimento, sentindo o calor do sangue e a dor pulsante. — Arranquei a mão dele… Arranquei a mão do pequeno Vini… — a voz de Hélio tremeu enquanto olhava aquela mão que ficara no chão. — Mas por que ele estava aqui? Por que ele também sentiu a necessidade de lutar comigo? — com um gemido leve, Hélio concentrou sua aura na ferida, sentindo o calor do frio que começava a cicatrizá-la.
— Hélio! — Strivia interrompeu. — Pare de ser esquizofrênico com sua espada e faça algo útil.
Hélio alongou um pouco o braço recém cicatrizado e se levantou da cadeira.
— Estou verificando se há algum ferimento interno em Kalina. Enquanto isso, vá lá fora e veja se encontra Hella — ordenou Strivia.
…
Hélio e Enki haviam saído da casa e ido até um pequeno bosque à procura de Hella. Infelizmente, eles não a encontraram. Então, decidiram ir até o vilarejo.
Durante a caminhada pela trilha que conectava o bosque, o vilarejo e a cabana, um silêncio pesado caiu sobre os dois. Hélio sentiu o clima no ar.
— O que você quer me dizer, Enki? — ele perguntou.
Enki demorou um pouco para responder, mas então, explodiu:
— O QUE LHE DEU NA CABEÇA, HÉLIO?! Por que não me ouviu? Por que não me usou para se defender da técnica daquele garoto? — Enki gritava.
Hélio respirou fundo, segurando o braço machucado que latejava de dor.
— Não precisa gritar. Eu só queria saber como me viraria sem você.
— Sério? Em uma situação como aquela? Aquelas garotas poderiam ter morrido se você não conseguisse “se virar”.
— Eu consegui, tá bom? Aliás, por que essa mudança repentina? Achei que havia gostado. Até me chamou de ousado.
— Ousado muitas vezes significa burro. No momento, fiquei impressionado, mas agora vi como você foi tolo em fazer aquilo. Saiba que se você morrer nessa missão, não vejo outra oportunidade de acordar. Talvez leve um dia, ou anos!
— Isso é bem egoísta.
— Você quer falar de egoísmo depois do que fez lá dentro?! Somos uma dupla agora, Hélio! Você fez a mesma coisa que antes de parar naquela cabana. Você não me ouviu!
— Enki, eu não posso depender de você o tempo todo. Se fizer isso, estarei vulnerável — ele disse.
— Vulnerável?! — Enki bufou. — Você está mais vulnerável quando se arrisca sem usar todo o seu potencial, Hélio!
— Olha… depender de você o tempo todo que não me fará mais forte. Eu preciso encontrar uma maneira de ser forte por conta própria.
— Você é tão… teimoso! Você não entende que agora SOMOS um só? Estamos conectados por nossas auras. Eu não queria isso, mas é o que o destino quis.
— Destino… — Hélio repetiu, a voz baixa. — Não gosto da ideia de estar preso a ninguém.
— Eu também não pedi isso. Mas aqui estamos. E se não aproveitarmos essa aliança, estaremos desperdiçando algo muito grande.
Hélio olhou para a estrada à frente, a mente fervilhando com pensamentos conflitantes. Ele sabia que Enki estava certo, mas admitir isso realmente parecia uma derrota.
— Independente, irmão. Eu já disse. Se eu usar você como uma muleta, nunca serei um aura desperta completo. Sempre serei um cara que precisa de uma espada falante para vencer.
— E se você usar a “espada falante” para aprender e crescer? — Enki sugeriu. — Eu posso te ensinar coisas que nenhum mestre jamais poderia. Técnicas, habilidades, estratégias… tudo o que você precisa para se tornar verdadeiramente forte. Eu só peço que me escute!
Hélio parou de andar, virando-se para encarar o vazio.
— Eu odeio a sensação de depender de algo, de alguém… Mas talvez você esteja certo, em parte — sua voz era quase um sussurro.
— Finalmente, uma luz no fim do túnel! — Enki exclamou com um toque de alívio. — Não é sobre dependência, Hélio. É sobre parceria. Quanto mais forte você se torna, mais forte nos tornamos. Você não morre, e eu posso continuar apreciando o mundo.
Hélio assentiu lentamente, ainda mais para si mesmo do que para Enki.
— Certo, parceria… Vamos ver como isso funciona — murmurou, voltando a caminhar.
A momentânea tranquilidade foi abruptamente despedaçada. Hélio mal dera dois passos quando parou de súbito. Seus olhos se estreitaram, atentos a cada detalhe da cena que se desenhava adiante.
A poucos metros, na mesma estrada que seguia em direção ao vilarejo, três figuras se destacavam na penumbra. Não tardou para que a fraca luz da lua revelasse seus uniformes: soldados de Imera.
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