Capítulo 104
Pop pop pop…
Enquanto Eunha estava na sede da Guilda Imortal, Ayeon estava agachada à sombra de uma árvore próxima, jogando no celular.
— Ah.
Com um breve gemido, o personagem na tela morreu. Game over. Ayeon encarou as letras vermelhas que preencheram a tela e depois desviou o olhar, ficando a encarar o céu sem foco.
— É urgente. Vemos o filme na próxima vez.
“O assunto urgente que Eunha mencionara era vir até aqui.”
Ayeon virou-se com uma expressão indiferente. Ao longe, viu a entrada da sede. Um grupo de pessoas, aparentemente membros da Guilda Imortal, estava reunido ali. Vestiam uniformes de artes marciais e enxugavam o rosto ou o pescoço com toalhas penduradas. Era como se Ayeon conseguisse sentir o cheiro de suor mesmo à distância. Ela fez uma careta e desviou o olhar. No entanto…
— Hã?
Um dos homens uniformizados a avistou e veio em sua direção. Era Jaemin Heo, o segundo no comando da Imortal, que acabara de voltar do campo de treinamento. Seu porte físico era tão grande que bloqueou completamente a visão de Ayeon.
— O que você tá fazendo aqui? Você disse que não queria nem pôr os pés em lugares que fedem a suor.
Ao contrário de Jaemin, que se aproximou de bom humor, o rosto de Ayeon se fechou.
— …
Ela não respondeu, apenas desviou o olhar, ignorando-o completamente. Embora os dois tivessem crescido no mesmo orfanato, havia onze anos de diferença entre eles. Quando Jaemin completou a maioridade e saiu, Ayeon tinha apenas nove anos. Mas uma criança de nove anos lembra das coisas, e Ayeon se lembrava perfeitamente do que aconteceu naquela época.
— Não me diga que veio porque tava com saudade de mim? — Jaemin estreitou os olhos e sorriu.
Ayeon se levantou de um pulo e gritou: — Tá maluco? Por que eu faria isso?
— Caramba, continua barulhenta. — Jaemin sorriu de lado e fingiu tapar os ouvidos.
Ayeon o encarou. Havia uma nova cicatriz na bochecha esquerda dele. — Isso… — Ela chegou a abrir a boca, mas se calou. Perguntar seria um insulto para ela mesma. Jaemin sempre fora o mais alto e mais forte do orfanato. Também era o destemido que pegava baratas com a mão e jogava fora. Aos nove anos, Ayeon gostava muito dele. Naquele tempo, seu sonho era se casar com Jaemin quando crescesse.
“Um momento vergonhoso.”
Mas mais irritante do que isso era a postura dele, como se acreditasse que Ayeon ainda gostava dele. Ao vê-la balançar a cabeça energicamente, Jaemin apontou para a entrada da sede.
— Por que não entra?
— Não, obrigada.
— Não se faça de forte. Tem insetos aqui fora. Daqueles que você odeia.
— Ugh, eu tô bem. Vai logo, tio. Tô esperando alguém.
— Esperando? — Jaemin inclinou a cabeça. — Você conhece mais alguém na Imortal além de mim?
— Cala a boca. Ela não é da Imortal — respondeu Ayeon de forma seca, antes de erguer o olhar de repente. Não, espera. Talvez Jaemin soubesse. — …Ei, você sabe por que ela tá aqui?
— Quem?
— A Princesa da Chama Negra. Yura.
O rosto de Jaemin mudou assim que o apelido ‘Princesa da Chama Negra’ saiu da boca de Ayeon.
— …Você a conhece?
— Não é só conhecer. Nós somos muito próximas! — Ayeon cruzou os braços e começou a se gabar sem motivo aparente.
Já Jaemin ficou pensativo. A garota que nunca entrou em uma guilda, que não tinha amigos caçadores e fingia ser lobo solitário, de repente tinha feito amizade? E justamente com aquela mulher de preto?
— Desde quando?
— Não, só responde minha pergunta, velhote. Por que ela veio a um lugar tão fedido?
— …
Jaemin a encarou. “Hmm.” Seus olhos semicerrados se curvaram de forma maliciosa.
— Você sempre ignora as ligações da Associação, então acho que não ouviu nada.
— Ligações da Associação? — Ayeon parou e começou a raciocinar rapidamente. A conclusão a que chegou foi: — …Não pode ser. Ela veio por causa daquele portão na costa sul ou leste?
— Bom. Por que você não pergunta a ela mesma?
“Certo então.”
Jaemin pareceu pouco disposto a explicar mais, virou-se e deu alguns passos, mas parou para tocar no ombro esquerdo de Ayeon.
— Ah. Aliás, você tem um inseto aqui.
— KYAAAA…!
Os pássaros que estavam pousados na árvore voaram com o grito estridente.
Enquanto isso, dentro da sede da Imortal…
— Ah, você veio, minha irmã.
O próprio Mestre da Guilda, Yuhwan, veio receber a segunda visita da Princesa da Chama Negra. Eunha estava prestes a se sentar na cadeira da área comum, mas hesitou.
— …Irmã?
— Dizem que todos são irmãos quando bebem juntos. Também acontece de ser o lema da guilda. O que está esperando? Sente-se.
Ele estava muito mais amigável do que antes. Eunha pensou que fosse porque tinha aceitado a proposta dele, mas também podia ser por ele ter finalmente encontrado uma verdadeira parceira de copo.
— Chegou bem em casa naquele dia?
Eunha assentiu à pergunta de Yuhwan e respondeu: — Graças a você. Dizem que bebida boa causa menos ressaca. Deve ser verdade.
— Haha, é verdade.
Yuhwan riu de forma benevolente e concordou com um aceno, mas, por dentro, estava surpreso.
“Ela bebeu tudo aquilo e ficou bem?”
Até o próprio Yuhwan, famoso como grande beberrão, tinha sofrido com uma ressaca tão forte que não conseguiu sair da cama no dia seguinte.
Talvez ela estivesse se gabando, ele pensou, mas logo descartou essa ideia. A Eunha que ele viu até pouco antes de apagar estava surpreendentemente sóbria. Segundo Seong-yun, ela saiu andando por conta própria.
O rosto de Yuhwan ficou sério ao terminar de pensar nisso. Ele olhou para Eunha sem um sorriso nos olhos. Essa garota…
“…é de outro nível.”
Não era orgulho ferido, ele estava genuinamente impressionado. Também despertou nele um desejo de competir, a ponto de já imaginar outra luta, ou melhor, outra disputa de bebida com ela. Mas, infelizmente, sobre a mesa da área comum hoje havia apenas uma bebida especial com proteína no lugar de álcool. Yuhwan a observou sem entusiasmo e fez um biquinho antes de falar:
— Infelizmente, não consegui preparar álcool hoje. Aquele Seong-yun Do é bem barulhento.
Yuhwan cruzou os braços e reclamou de forma pouco habitual. Ficava repetindo que álcool é inimigo, blá-blá-blá. Existiam apenas duas pessoas no mundo que conseguiam dar sermão em Yuhwan daquele jeito: Rose Geum e Seong-yun Do.
— Bom, de qualquer forma… peço desculpas por fazê-la vir aqui duas vezes.
Yuhwan pousou as mãos sobre os joelhos e fez uma breve reverência. Independentemente de ser uma caçadora de Rank F ou uma caçadora de conceito, ela era uma convidada que viera à Imortal por um convite oficial. Foi descuido dele, como o próprio Seong-yun disse, acabar se embriagando e deixá-la ir embora sem sequer começarem a falar sobre o assunto importante.
— Não tem problema. Da outra vez, fui servida com boa bebida.
Ela tinha bebido drinques tão caros, que achou que nunca provaria na vida, como se fosse água. Yuhwan sorriu com a resposta simples e abriu a boca.
— Obrigado por dizer isso. Vamos direto ao ponto?
Com um leve sorriso, endireitou a postura e mudou o olhar.
— Primeiro… certo. Começo pelo pombo-correio enviado da AGI para a Associação Coreana no dia 8?
— Já me falaram sobre isso.
Ela já tinha ouvido de Junhwan sobre a profecia que indicava a possibilidade de surgir um grande portão na costa sul, e que a Associação estava procurando caçadores com atributos de Trevas e Fogo.
— Já? Ótimo. Assim agilizamos as coisas.
Yuhwan sorriu mostrando as presas, recostou-se na cadeira e começou a tamborilar no braço dela.
— Mesmo agora, a Associação está reunindo todos os caçadores com atributos de Trevas e Fogo, além de caçadores úteis de todo o país. Mas você sabe, sendo coreana também, que os poucos de Rank S nesse país pequeno são, na maioria, egoístas.
Os dedos que batiam no apoio de braço pararam.
— …Já que você esteve na Lobo, não preciso comentar sobre o estado do Sol da Meia-Noite, e o Trapaceiro também está hospitalizado. Não sei onde estão os outros dois nem o que estão fazendo, e realmente não posso confiar no Maestro. — Yuhwan franziu o cenho e acrescentou, com a voz pesada: — Resumindo, estamos ridiculamente carentes de mão de obra de alto nível.
Seu tronco se inclinou em direção a Eunha. Os olhos vermelhos, sem um pingo de brincadeira, encaravam-na diretamente.
— Irmã. Se você concordar, eu e a Doutora Planta vamos recomendar você como membro de combate à Associação, usando toda a nossa influência.
…Era o que ela esperava. Mas havia algo que precisava confirmar ali.
— E você sabe que fui classificada como Rank F?
— Claro que sei. Também sei que é uma caçadora que enfrentou meus punhos com as próprias mãos. — Yuhwan respondeu sem hesitar e manteve o olhar fixo nos olhos dela. — Quero ouvir de você. É mesmo uma caçadora de Rank F?
— Foi o que a máquina disse. Porém…
Eunha também não desviou os olhos. Olhos tão negros que mal se distinguia a íris da pupila se voltaram para ele.
— Não acho que perderia para você naquele dia.
— O quê…?
Yuhwan piscou, confuso, e de repente segurou a barriga, explodindo em gargalhadas. Achou engraçado. Muito engraçado. Existiria outro caçador na Coreia que pensasse em derrotar o Grande Sábio, Igual ao Céu, numa luta de socos? Pelo menos, ele nunca tinha enfrentado alguém tão ousado. Riu tanto que ficou sem fôlego, inclinando-se para trás, e depois passou a mão grossa pela testa.
— Bem, eu também tenho certeza de que não perderia, mas eu e Rose confiamos nas suas habilidades. Já a Associação… — disse Yuhwan, apoiando o braço no encosto e inclinando a cabeça. — A Associação confia cegamente nos ranks que consegue ver. Assim como as pessoas.
Se recomendasse a Princesa da Chama Negra, Daeyun ficaria desconfiado desde o início. Aquele velho conservador com certeza questionaria incluir uma caçadora de conceito Rank F numa missão tão importante.
— A Associação vai ser um estorvo. Mesmo desesperados por combatentes, eles vão implicar com condições ou rankings. É claro que eu e Rose vamos persuadi-los o quanto pudermos, mas não há garantia de que será tão fácil quanto parece.
Essas malditas regras. A palavra preferida da Associação. Yuhwan fez uma careta e clicou a língua.
Na verdade, era inevitável, já que, oficialmente, a Princesa da Chama Negra era Rank F. Esses eram tempos em que a designação para portões de diferentes dificuldades dependia do ranking. A Lei dos Caçadores proibia caçadores de Rank F de entrar em portões de Rank A, muito menos em Portões Desconhecidos. Por mais que Yuhwan e Rose atestassem por ela, a Associação tentaria de todas as formas verificar suas habilidades.
— Tendo isso em mente, ainda poderá nos ajudar? Princesa da Chama Negra.
Eunha permaneceu em silêncio diante das palavras dele, até que abriu lentamente os lábios: — …Aquela profecia.
Precisava confirmar algo antes.
— Tem certeza de que um Portão Desconhecido vai se abrir na costa sul?
— Não confio nas profecias da AGI ou coisa parecida. Só confio nos resultados das pesquisas da Doutora Planta. Ela estima que Portões Desconhecidos aparecerão em breve simultaneamente na Coreia. — Yuhwan abriu a mão direita. — No máximo cinco.
Uma pequena fissura surgiu no rosto de Eunha, que insistia em permanecer inexpressiva.
Um breve silêncio. Yuhwan voltou-se para a esquerda. O mapa da Península Coreana na parede. Ele olhou para o alfinete vermelho preso próximo à costa sul e falou:
— Se o grande portão da costa sul mencionado pela AGI e os cinco Portões Desconhecidos previstos por Rose forem a mesma coisa…
Ele voltou o olhar para Eunha e concluiu, com peso:
— …O pesadelo do fim dos anos 90 vai se repetir.
Fim dos anos 90. As imagens surgiram vividamente diante dos olhos dela.
O grito distante de alguém, um cheiro espesso de sangue que causava vertigem, cacos de vidro, carros amassados, placas de shopping rolando pela rua. Árvores com roupas rasgadas penduradas nos galhos como se fossem folhas. Eunha corria para casa passando por tudo aquilo.
— …
Ela levou a mão ao pulso esquerdo, quase por reflexo. Sentiu a pulseira de desejos com a ponta dos dedos. Recordou a imagem do piano despedaçado diante de seus olhos. O braço esquerdo da mãe preso sob ele. A carta de aceitação da universidade voando ao vento.
— Mas se há algo diferente de antes, é que agora temos tempo para nos preparar.
Yuhwan levantou-se. Em seguida, olhou silenciosamente para Eunha, que parecia imersa em pensamentos.
— A reunião é daqui a uma semana. A decisão é sua. O que vai fazer?
Eunha parou de acariciar a pulseira e ergueu o rosto. No instante em que seus olhos encontraram os dele, as sobrancelhas de Yuhwan se moveram levemente.
As íris negras de Eunha começavam a se tornar douradas, com as pupilas negras no centro. Yuhwan percebeu algo tremulando naquele olhar inabalável. Achava que sabia o que era. Conseguiu adivinhar de longe.
Provavelmente, era convicção.
Yuhwan curvou os cantos da boca e estendeu a mão para Eunha.
— …Está decidido.
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