Capítulo 108

— Na verdade… eu ouvi algo. — Os olhos azuis se voltaram em silêncio para Eunha. — Que você vai participar da operação do portão da costa sul.

— …

No instante em que ouviu isso, um rosto surgiu na mente de Eunha.

O sr. Park.

Jehwi devia ter contado a Si-u. Ele sabia que Eunha tinha visitado a Imortal duas vezes recentemente. Si-u já poderia deduzir muita coisa apenas a partir desse fato.

— Aconteceu — respondeu Eunha simplesmente. Então, uma janela de mensagem surgiu diante dela, rápida.

Eunha pensou, olhando a janela amarela que tremia como se transmitisse a fúria do gato. “Bom. Não havia necessidade de esconder isso desde o começo.”

Precisaria mesmo se ressentir de Jehwi por ter contado a Si-u? Não era como se ela não soubesse que Jehwi era homem de confiança de Si-u. Porém…

— Você veio aqui para me impedir? — perguntou Eunha, lançando-lhe um olhar.

— Perdão? Impedir você? — Então, Si-u pareceu confuso, por sua vez. Pelo jeito de sua reação, não parecia ser isso.

— Pensei, de forma vaga, quando você falou sobre encerrar o contrato, que talvez também fosse contra a minha caça.

Si-u havia sugerido um contrato com uma quantia tão grande que a fez girar os olhos. Depois, anunciou de repente o rompimento. Claro, foi Eunha quem trouxe o assunto primeiro, mas Si-u, que disse que pensaria e evitou responder, acabou sugerindo por si só o fim do contrato em algum momento. Eunha achou que havia uma razão para isso. Porque…

— Pensando bem, eu também saí perdendo. É difícil para mim sustentar suas internações além daqui. Veja, as taxas de hospitalização e tratamento são bem caras.

Se esse fosse o motivo, ele não teria mudado a propriedade do apartamento em que Eunha morava para ‘Yura Lee’ nem transferido para ela a conta com aquela soma enorme de dinheiro. Si-u franziu levemente a testa ao ouvi-la.

“…Você também?”

O que isso queria dizer? Si-u abriu os lábios com o rosto um pouco rígido. — Alguém disse isso?

— Seja qual for a verdade, eu sou marcada como uma caçadora de conceito Rank F no mundo moderno.

Já tinham se passado alguns meses desde que Eunha saltara no tempo e chegara ao mundo moderno de 2031. Agora ela sabia como caçadores de baixo rank eram tratados na sociedade moderna, e como caçadores de conceito eram vistos. Por isso, achava que não haveria nada que pudesse fazer se Si-u tivesse mudado de ideia de repente. O problema não seria Si-u, mas a indústria de caçadores moderna e injusta. No entanto…

— Houve alguém que tentou te impedir de caçar só porque você é uma caçadora de conceito Rank F?

Os olhos de Si-u se tornaram afiados.

Pelo contrário, dúvidas surgiram nos olhos de Eunha.

“…Ele está com raiva?”

Com o olhar frio somado ao formato ligeiramente erguido dos olhos, os azuis pareciam especialmente gelados. Ainda mais porque, com a máscara, apenas os olhos eram visíveis.

— Quem quer que seja, eu nunca pensei isso. Hoje eu só vim confirmar uma coisa.

— Confirmar?

— Se você escolheu participar da operação por vontade própria. Ou… — Uma veia azul surgiu levemente na mão de Si-u apoiada no joelho. — Se foi forçada.

…Pela Imortal, ou pela Rose.

Si-u não teria o que dizer se fosse decisão da própria Eunha. Ele sabia que não tinha esse direito.

Mas, se não fosse isso, Si-u pensava no Grande Sábio, Igual ao Céu e na Doutora Planta, e mordia o lábio sob a máscara. “Eles não sabiam a determinação que tive quando rompi o contrato com a sunbae.”

Enquanto isso, Eunha sorriu de leve enquanto o observava. Tanto quanto Si-u descobria sobre Eunha, ela também descobria sobre Si-u. Normalmente, Shin Si-u não era bom em controlar as expressões faciais.

“Eu sabia.”

Ela estava fortemente convencida de que Si-u não havia rompido o contrato com ela por causa de dinheiro ou do rank. Se fosse por isso, ele não mostraria essa expressão.

— Por que está sorrindo? — Si-u, que agora rosnava, perguntou de modo um pouco ríspido.

Eunha respondeu sem apagar o sorriso: — Só porque sim. — Então ergueu o olhar para as árvores de rua balançando na brisa e disse calmamente: — Se era isso que queria confirmar, não se preocupe. Eu não fui coagida nem ameaçada. Foi a minha escolha.

— …Você não queria viver uma vida comum quando o contrato terminasse?

— Queria — Eunha ficou em silêncio por um momento, mantendo os olhos fixos nas árvores. — Mas não precisa ser agora. Eu sei o que priorizar. Agora eu sei o que é.

A árvore sem nome já mostrava metade dos galhos nus no inverno que se aproximava. Mas Eunha sabia que, na próxima primavera, novos brotos surgiriam naqueles ramos secos.

Não era o fim, como o general do acampamento dissera.

Si-u estudava em silêncio o perfil dela, e respondeu brevemente: — …Entendi.

Swip.

Seus punhos cerrados perderam a força. Então, Si-u não tinha mais nada a dizer. Porque ninguém tinha esse direito. Mas Eunha era a maior razão pela qual ele decidiu apoiar a Associação. Porque queria que ela vivesse a vida que desejava. Porque acreditava que ela merecia isso. Mas agora que não era necessário, ele precisava pensar no que faria. Cancelar o apoio, ou…

— …Muitos caçadores famosos vão se reunir.

Os olhos azuis se voltaram em silêncio para Eunha. Si-u abriu a boca novamente, com cautela. — Sunbae, você terá que provar sua força para eles antes de qualquer coisa. Caso contrário, não vão te reconhecer.

Os inúmeros caçadores, incluindo a Associação, que se reuniriam lá só a veriam como uma caçadora de conceito Rank F. Porém…

— …Como sempre fez, vai mostrar do seu jeito, com ações. Certo?

Ele ouviu uma risada suave. Por algum motivo, Si-u sentiu a respiração prender por um instante.

Era só uma brisa. Uma brisa que entra pela janela que você nem percebeu que deixou aberta, e acaricia suas bochechas.

Eunha não olhou em sua direção, e falou sem vacilar:

— Claro que é isso que pretendo fazer.

Swaa…

O vento soprou de novo e seus cabelos negros esvoaçaram.

— …

Si-u fechou a boca. O pôr do sol vermelho já havia desaparecido, e a luz da lua escondida nas nuvens se mostrou. Sob o luar fraco, Si-u seguiu o olhar de Eunha como se fosse puxado por ele. Logo, o galho da árvore entrou em seus olhos azuis à distância. O tronco macio não suportava a brisa leve e deixava cair suas folhas no chão. De forma miserável e impotente, como seu eu mais jovem.

Si-u olhou para as folhas que cobriam o chão e voltou a encarar a árvore. Percebeu que os galhos não se quebravam com essas brisas. Como a mulher ao seu lado, ereta e firme. E naquele momento, Si-u percebeu de novo. Nem ele mesmo sabia, mas estava a seguindo. O caminho que ela trilhava. Queria saber o que havia no fim dele. Se pudesse, queria caminhar junto dela. Se acompanhasse seu ritmo, parecia que um dia chegariam ao mesmo destino. Aqueles olhos negros e inabaláveis fizeram Si-u se convencer de que, qualquer que fosse o destino, jamais se arrependeria.

“…Uma pessoa interessante.”

Talvez fosse por isso que não conseguia tirar os olhos dela.

— …Sunbae.

Quando ele a chamou em voz baixa, os olhos negros se voltaram para ele. Si-u remexeu nos bolsos e entregou algo a Eunha.

— Pegue. Estou finalmente devolvendo.

O pequeno dispositivo na palma de Si-u. Era o terminal. O objeto que Eunha havia confiado a ele, dizendo que achava estar quebrado.

— Verifiquei várias vezes e descobri que não há nada de errado com o terminal.

— Então por que…

Eunha pegou o terminal e o examinou, abrindo os lábios. Se não estava quebrado, por que não mostrava os pontos de experiência que ela obtinha?

— Descobri que está em perfeito estado, mas não descobri nada sobre o motivo dessas anomalias. Como é algo sem precedentes — disse Si-u, arrumando as roupas enquanto se levantava do banco.

— De qualquer forma, não acho que encontraria resposta mesmo que continuasse investigando. Você pode precisar do terminal nesta operação, então estou devolvendo primeiro.

Com o capuz sobre a cabeça, ele se virou de repente e olhou para Eunha.

— Vamos nos ver de novo no portão da costa sul.

— …?

Eunha ergueu o rosto do terminal e encarou Si-u. Uma pequena dúvida pairava em seus olhos. Parecia perguntar se ele também iria. Era uma reação óbvia, já que o Si-u que ela conhecia relutava extremamente em caçar. Por isso gastara uma fortuna para colocar um espantalho em seu lugar sob contrato. Eunha estava prestes a perguntar por que ele mudara de ideia de repente, mas fechou a boca diante da grande mão que ele estendeu subitamente à sua frente.

— Agora não seremos mais parceiros de negócios, mas colegas.

Si-u curvou os olhos num sorriso, com a mão estendida para Eunha. Ela olhou silenciosamente para aqueles olhos azuis curvados, então baixou o olhar para a mão dele.

— …Colegas?

— Isso. Colegas.

Uma brisa fresca de outono soprou. Folhas vermelhas como pétalas de rosa passaram entre eles. Parecia que o tempo havia parado por um momento.

Ding.

Eunha piscou rapidamente diante da janela amarela que reluzia.

— …

E um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Eunha estendeu a mão devagar e segurou a de Si-u.

Guilda Rosa, filial de Gangwon-do. Numerosos caçadores que ouviram sobre o anúncio especial da Doutora Planta se reuniram ali. Mais de uma centena de pessoas estavam reunidas no auditório subterrâneo. Todos haviam se voluntariado para a operação do portão da costa sul. Em meio à atmosfera caótica, um homem de meia-idade, caminhando de forma desajeitada, encontrou um assento vazio e se sentou.

— Ei. Não é o Sr. Palhaço?

Graças ao sussurro de alguém, muitos olhares se prenderam ao homem de meia-idade, o Sr. Palhaço.

— É ele mesmo. Uau, nunca o vi com roupas normais! Nem teria reconhecido.

— Que alívio. Eu estava com medo porque era uma operação secreta, mas parece que não há com o que se preocupar, já que até aceitaram caçadores de conceito.

— Senhor, pode mostrar um show de fogos de artifício?

Embora caçadores de conceito fossem vistos com melhores olhos do que antes, a realidade era que ainda eram considerados figurantes entre os caçadores veteranos. No entanto…

— Sinto muito, mas hoje estou fechado. — O Sr. Palhaço sorriu de forma descontraída e deu de ombros. Não podia se abater ali. Ele trabalhava como caçador de conceito havia quinze anos, já estava treinado para lidar com todo tipo de irracionalidade.

Bzzz…

Seu bolso da frente vibrou.

— …Garota.

Ele sorriu naturalmente para a mensagem que apareceu na tela. Em vez de responder, o Sr. Palhaço ergueu o dedo e tocou a foto de perfil da filha no aplicativo. Sua filha, na imagem, usava um casaco acolchoado branco e sorria como se tivesse o mundo inteiro. Ainda era outono, mas ela precisava usar o casaco novo e tirar uma selfie. Ele acariciou devagar o rosto da filha na tela. Sua criança, que pensava que seria para sempre uma garotinha, estaria na universidade no ano que vem. De um lado, sentia-se emocionado, mas do outro…

— …

Os olhos do Sr. Palhaço se tornaram pesados enquanto fitava a imagem da filha na tela. O dinheiro que tinha de arcar como pai de uma estudante do último ano do colégio era inimaginável. Ela era sua única filha, e ele faria qualquer coisa por ela. Chegava a pensar em vender seus órgãos para sustentá-la, mas a realidade não era tão fácil.

— Ah… Sinto muito. Parece que seria difícil para você se apresentar desta vez.

— Me desculpe. Quem sabe da próxima…

— Nosso show só procura membros com menos de cinquenta anos. Lamentamos não poder dar uma resposta positiva.

— Hmm, alguém que conheço abriu um restaurante grande recentemente e está procurando ajuda para o evento de inauguração. Que tal? Você sabe fazer truques, não é? Tipo cuspir fogo ou algo assim.

Os caçadores de conceito de nível estrela do top 0,1% ganhavam tanto quanto um caçador comum de Rank B ou até mais, mas não era fácil para um homem de meia-idade vestido de palhaço encontrar uma boa fonte de renda. Até que, um dia…

— Ei, ouviu as notícias? A Doutora Planta está procurando caçadores de atributo Trevas e Fogo agora. Você tem habilidades de Fogo, não tem? Por que não se inscreve, quem sabe?

Uma oportunidade que ele não podia perder havia surgido.