Capítulo 109

O anúncio chegando ao Sr. Palhaço de Rank E foi pura sorte. Segundo rumores, a Associação estava planejando uma grande operação. Além disso, fora da Associação, a Doutora Planta também estava recrutando pessoal de combate. Ele não sabia os detalhes, mas, se conseguisse participar, poderia obter o equivalente a alguns anos de salário ou mais.

Mas havia algo que o incomodava. O fato de não apenas garantirem um pagamento tão alto, como também recrutarem pessoas secretamente em Gangwon-do em vez da sede, o convencia de que aquilo não era algo normal. Existia a possibilidade de ser uma questão de vida ou morte. Porém…

— Querido, acho que não temos dinheiro suficiente para pagar as aulas de reforço da Minji no próximo mês… Devemos fazer a Minji largar uma das academias?

Ele não precisou pensar muito.

— Pai, ouvi dizer que dessa vez você vai fazer uma viagem de negócios bem longe!

— Isso mesmo. Vou ganhar muito dinheiro. Minha filha, não se preocupe com nada, apenas estude com dedicação. Você confia em mim, não é?

Ela era sua única filha, a menina dos seus olhos. Ele podia arriscar a própria vida por aquela criança.

Bzzz…

O celular que ele segurava voltou a vibrar.

A voz animada da filha parecia soar em sua mente só de olhar para a mensagem. O pai, com um sorriso gentil, apressou-se em responder antes que a filha fizesse bico.

O Sr. Palhaço enviou uma mensagem positiva, como fazia todos os dias, para sua filha e guardou o celular satisfeito.

Pouco depois, uma mulher em um terno impecável apareceu no púlpito.

— Primeiro, gostaria de agradecer sinceramente aos caçadores que se reuniram aqui hoje. Eu sou Hui-seo Oh, uma caçadora de cura da Guilda Rosa. Trabalho sob o apelido de Myrtle Berry¹.

Myrtle Berry jogou os curtos cabelos para trás da orelha e lançou um olhar aos agentes ao lado.

— Primeiro, gostaria que preenchessem o termo de consentimento que distribuiremos agora.

Os agentes seguiram a rota previamente determinada para entregar os formulários de consentimento aos caçadores presentes. O Sr. Palhaço examinou o que recebeu. A primeira página não trazia nada de novo: que não deveriam divulgar a ninguém o que estavam prestes a ouvir. Mas na página seguinte…

Flap…

O Sr. Palhaço enrijeceu ao virar a página.

Era uma frase que o deixava receoso de assinar com tanta facilidade. Parecia mais um memorando do que um termo de consentimento. Especialmente para caçadores de conceito que não tinham muita experiência em combate. Claro, ele sabia que caçadores tinham que assinar documentos semelhantes ao entrarem em guildas ou participarem de subjugação de portões. Era quase um ritual.

Rabisco, rabisco…

A maioria dos caçadores reunidos ali movia as canetas sem pensar muito. Como se estivessem criando uma conta em uma loja online, assinavam facilmente sem ler o conteúdo direito.

Enquanto os caçadores assinavam o termo de consentimento, Myrtle Berry continuou explicando sobre a operação.

— A Associação especula que em breve haverá um portão gigante na costa sul. Nós, da Rosa, estamos tentando organizar uma equipe de apoio separada das quatro unidades que a Associação está preparando.

Resumindo, a Associação iria formar batalhões de combate número um, dois, três e uma unidade especial comissionada, número quatro. Isso significava que os caçadores reunidos ali não fariam parte de nenhuma dessas unidades, mas sim da equipe de apoio organizada pela Doutora Planta. Portanto, seus padrões eram comparativamente mais baixos do que os recrutados pela Associação. É claro, o pagamento também seria menor, mas ele já estava grato. O Sr. Palhaço tinha que agarrar essa oportunidade.

Mas, ao contrário de sua determinação, havia outra montanha diante dos seus olhos.

— Nós, da Rosa, prometemos não economizar em fornecer a vocês os maiores recursos de cura, não apenas para a unidade principal, mas também para vocês que farão parte da nossa equipe de apoio. No entanto, como esperamos uma grande batalha, a Associação insiste que nossos candidatos comprovem seu poder de combate. Por isso, vamos realizar um simples teste de qualificação em Gangwon-do, Cheorwon.

Os que estavam ao redor começaram a se agitar. Gangwon-do, Cheorwon. Mas, em certo ponto, as pessoas modernas pararam de chamar aquele lugar de Cheorwon. A área proibida, a Chernobyl da Coreia, ou então…

A Colônia dos Mortos.

Tinha um nome bastante assustador, mas não era tão perigosa assim. O portão de rank C− havia surgido há cerca de vinte anos no Monte Bokgye, em Cheorwon. Para ser exato, referia-se aos resquícios desse portão. Diferente dos tempos modernos, não só havia poucos Despertos, como também não existiam ainda os leitores de fenda ou Leitores de Portão (que determinam o rank e ajudam a identificar coordenadas em um portão normal). O portão foi dominado porque a subjugação demorou demais, e metade do Monte Bokgye foi tomada por hordas de monstros. O fato de ter sido um portão de rank C−, relativamente pouco perigoso, e de ter surgido não no meio da cidade, mas sim na montanha, foi um golpe de sorte. A maioria dos monstros eram esqueletos, do tipo Mortos-Vivos, mas como ficavam entre os níveis cinco e dez, não eram muito difíceis de subjugar. Só que possuíam uma característica estranha: ao deixarem certa área, seus corpos feitos apenas de ossos desmoronavam como blocos de jenga. Talvez por saberem disso, os Mortos-Vivos criaram suas próprias colônias nas montanhas. Até hoje, nunca tinham descido até a cidade para atacar civis. O governo e a Associação decidiram tirar proveito disso.

— Como todos sabem, os agentes passam regularmente por trabalhos de subjugação no Monte Bokgye, e às vezes ele é usado como campo tutorial para caçadores novatos.

Eles designaram o Monte Bokgye como área proibida para civis e decidiram administrá-lo.

— O que vocês devem fazer para o exame de qualificação de apoio à operação da costa sul é trazer o máximo de essências de esqueleto que conseguirem. Determinaremos os candidatos finais através de avaliação relativa, portanto, não há um número específico de essências que devem trazer.

Eles teriam dez horas. Podiam desistir no meio. Podiam colaborar em grupo. Myrtle Berry explicou até esse ponto e varreu os caçadores reunidos com o olhar, acrescentando por fim: — Aqueles que desejarem voltar, podem voltar agora.

Todos os cerca de cem caçadores reunidos ali se levantaram, como se esperassem o sinal dela.

Exceto um, o Sr. Palhaço.

“Um exame de qualificação na Colônia dos Mortos…?”

Gulp.

Ele engoliu seco sem emitir som. Só precisava assinar no último espaço em branco, mas sua mão não se movia facilmente. Claro, como Myrtle Berry havia dito, o exame em si não seria tão difícil. Ao contrário de sua firme determinação, não precisaria arriscar a vida. Contudo…

— Amigo, decidi deixar de ser um caçador de conceito a partir de hoje.

— O quê? Como vai sustentar a vida?

— Vou ser um caçador de batalha. Ouvi dizer que vão fazer um tutorial no Monte Bokgye pela Guilda Wish, vou participar.

— Você nunca batalhou de verdade, não é perigoso demais?

— Vai ficar tudo bem. É só um C−, e o nível dos monstros que aparecem lá é baixo. Posso simplesmente sair da floresta se for preciso.

Isso havia acontecido há cerca de vinte anos. Seu amigo, que foi para o tutorial no Monte Bokgye, desapareceu. Nem um fio de cabelo, muito menos o corpo, foi encontrado no monte ou em qualquer lugar ao redor. De acordo com aqueles que participaram do tutorial com ele, e até um executivo da Guilda Wish, nenhum homem com aquela descrição esteve presente. Ninguém lá o viu ou se lembrava dele. Naquela época, caçadores desaparecidos eram comuns. Acabou sendo registrado como um caso sem solução até hoje. Mas o Sr. Palhaço nutria uma preocupação distante de que algo tivesse acontecido na ‘Colônia dos Mortos’. É claro, não tinha provas, mas simplesmente sentia isso. Talvez só quisesse acreditar que seu amigo não teria sumido daquela forma, sem notícia ou vestígio.

— …

O Sr. Palhaço lembrou do que havia acontecido com o amigo e não conseguiu assinar facilmente o último espaço em branco diante dos olhos. Porém…

— Pai! Quando eu for para a universidade no próximo ano…

No instante em que pensou no rosto da filha, o Sr. Palhaço moveu a caneta que segurava como se estivesse possuído.

…Às vezes, havia coisas que você tinha que enfrentar simplesmente por ser o chefe de família. Exatamente como agora. Seu amigo também devia ter sentido isso. Logo, quando todos terminaram de assinar, os membros da Guilda Rosa de prontidão passaram fileira por fileira recolhendo os formulários de consentimento.

— …Entenderei que todos estão participando.

Os candidatos que deixaram o porão embarcaram nos ônibus preparados pela Rosa com antecedência. O Sr. Palhaço conferiu o número que lhe fora designado e encontrou o ônibus correspondente. Já havia caçadores sentados dentro. Ele até podia ver grupos prometendo formar equipes e montando estratégias detalhadas. O Sr. Palhaço olhou em volta de todo o ônibus procurando um lugar para se sentar. A maioria dos assentos estava ocupada, mas havia um que estava vazio.

— Com licença, posso me sentar aqui…

O Sr. Palhaço, que enfiou a cabeça com fervor na direção da mulher sentada na janela, de repente parou.

— Sim.

Uma voz calma respondeu. No instante em que seus olhos se encontraram, uma lembrança relampejou na mente do Sr. Palhaço. Como poderia esquecer?

Presente para Minji.

A Princesa da Chama Negra. Era a caçadora de conceito que havia aparecido no mesmo especial alguns meses atrás.

O andar mais alto da Associação de Jurisdição dos Caçadores.

— Senhor, os ônibus com os voluntários a caminho do Monte Bokgye já partiram.

— Entendo.

O presidente da Associação, Daeyun, perguntou logo em seguida ao relatório de seu subordinado, Gwanghyeon: — E a Ladra Misteriosa?

— Não conseguimos contato com ela. Parece que…

Gwanghyeon deixou a frase morrer. Não havia necessidade de ouvir o fim. Provavelmente ela também não tinha intenção de responder ao chamado da Associação desta vez. Não era novidade. Ele havia tentado contatá-la por precaução, mas não tinha expectativas em relação a Ayeon Kang, a Ladra Misteriosa, desde o início. Mas estaria mentindo se dissesse que não se arrependia. A Ladra Misteriosa era uma caçadora que usava, em sua maioria, atributos de Trevas. E, além disso, era Rank S. Se conseguissem recrutá-la para esta operação, ela teria o valor de dezenas em poder de combate. Ainda mais na situação atual, com a ausência certa dos caçadores de Rank S Sol da Meia-Noite e Trapaceiro. Se oferecessem um pagamento de cair o queixo, talvez conseguissem ‘alugar’ seus poderes. Como no portão de Rank S de Pyeongchang, três anos atrás.

“Mas para isso…”

Daeyun pressionou as têmporas. O valor que a Ladra Misteriosa exigiu no portão de Rank S em Pyeongchang foi nove milhões de dólares. E isso porque ela deu um desconto sob a condição de que ele entregasse o item de classe Relíquia, o Livro Proibido Orfeu, que o monstro chefe havia derrubado. A Ladra Misteriosa era muito astuta ao calcular ganhos e perdas, a ponto de ser difícil acreditar em sua idade. Obviamente, seus cálculos não incluíam deveres e responsabilidades como caçadora.

— Sinto muito, mas acho que nove milhões de dólares é inviável na prática. É para sua nação, então não poderia reduzir um pouco…

— Hmm, ouvi da Guilda Rendezvous, da França, que eles têm assuntos urgentes para tratar comigo. Seria uma tentativa de recrutamento? Provavelmente não, certo? Mas será que devo encontrá-los só por precaução?

Ayeon curvara seus olhos rosados, bonitos como azaleias, ao sorrir.

— …Prepararei o valor.

Daeyun cedeu sob aquela pressão. Só de imaginar quanto ela cobraria para participar no portão da costa sul fazia seu corpo gelar. Achava mais realista recrutar um grande número de outros candidatos com aquele dinheiro. E foi exatamente o que fez.

A Doutora Planta disse que montaria uma equipe de apoio incluindo caçadores de cura, então ele decidiu destinar parte do orçamento a ela. Daeyun ergueu diante dos olhos o grosso maço de documentos. Era a lista de voluntários para o portão da costa sul da Guilda Rosa. Havia alguns caçadores relevantes entre eles, mas, tirando esses poucos, a maioria era inexperiente em comparação às unidades principais em termos de rank ou vivência. Por isso Daeyun sugeriu à Doutora Planta um exame de qualificação para os candidatos. Diferente do passado, quando empurravam todos os Despertos para dentro dos portões, havia diretrizes e princípios claros atualmente. Como presidente da Associação, ele não podia nem devia ignorá-los. Mas essa não era a única razão pela qual sugerira o exame de qualificação de apoio.

— E quanto a ela?

Quando o presidente da Associação perguntou de forma casual enquanto virava a página da lista, Gwanghyeon respondeu com calma, como se já esperasse: — A Princesa da Chama Negra também embarcou no ônibus.

À resposta de Gwanghyeon, o presidente da Associação, Daeyun, recordou-se do Grande Sábio, Igual ao Céu, que o visitara no dia anterior.

— Você não vai colocar a Princesa da Chama Negra na unidade principal?

Yuhwan piscara, como se tivesse ouvido algo absurdo, e sorrira de maneira significativa.

— …Você vai se arrepender disso.

Daeyun ainda não conseguia compreender totalmente o significado daquele sorriso. O Grande Sábio, Igual ao Céu, insistira em colocar a Princesa da Chama Negra na primeira unidade que ele comandava. Mas isso era impossível.

A primeira unidade, entre as cinco da operação do portão da costa sul, era um time de investida liderado pelo próprio Grande Sábio, Igual ao Céu. A segunda era uma pequena unidade de elite comandada pelas seis Legiões, exceto o Trapaceiro, e a terceira era uma unidade de cura sob o comando da Doutora Planta. Restava então a unidade especial…

Nesse caso, a unidade especial era um grupo de ataque de retaguarda de duzentas pessoas, liderado pelo Lobo Branco, Si-u Shin, que se moveria de forma independente das três primeiras unidades mencionadas. Em outras palavras, era como uma carta coringa. Contudo, ao contrário da primeira e da segunda unidades, o comando da unidade especial pertencia unicamente ao Lobo Branco, Si-u Shin, e a Associação não poderia influenciar em nenhum julgamento, incluindo quando avançar ou recuar.

A última era a equipe de apoio recrutada separadamente pela Doutora Planta, com fundos da Associação e recursos próprios. Era como uma unidade peão, adicionada para reforçar o pessoal de combate, se necessário.

“Exceto pela terceira unidade da Doutora Planta, formada por caçadores de cura, era óbvio que a equipe de apoio teria o menor poder de combate em comparação às demais.”

Claro, a Princesa da Chama Negra era uma caçadora com atributos de Fogo e Trevas ao mesmo tempo, algo que a Associação queria muito. Por algum motivo, ela também havia conquistado a confiança do Grande Sábio, Igual ao Céu. Mas não podiam simplesmente colocá-la na primeira unidade por causa disso. Se a Princesa da Chama Negra fosse colocada na primeira unidade, os outros candidatos ficariam furiosos. Isso seria um atalho para a queda do moral. Além disso, havia questões de segurança. Do ponto de vista de Daeyun, colocar uma caçadora de Rank F na primeira unidade era como deixar alguém sem carteira de motorista segurar o volante de um ônibus.

Mas…

Swish…

Seus dedos, ao virar as páginas da lista de candidatos, pararam em uma. A Princesa da Chama Negra. Yura Lee. De Haeul, Manrye, Gyeongsangnam-do. Residente em Banha, Seul.

…Formada no Centro de Treinamento de Caçadores de Pocheon, 126ª turma.

Eu perguntei aos instrutores do Centro de Treinamento daquela época depois que recebi a mensagem da Associação… Nenhum deles se lembrava de uma recruta chamada Yura Lee.

Ele se lembrava da Princesa da Chama Negra de um programa de variedades que Gwanghyeon havia mostrado. A queda de braço contra o caçador de Rank B, Turbinado, ainda estava clara em sua mente. Daeyun acariciou o queixo em silêncio enquanto analisava o perfil da Princesa da Chama Negra. Trapaceiro, Ladra Misteriosa e Sol da Meia-Noite. A ausência de três caçadores de Rank S. E uma caçadora que o Grande Sábio, Igual ao Céu, recomendava fortemente nesse meio-tempo. Será que ela seria…

— Envie uma mensagem para a Rosa.

Daeyun fechou a lista de candidatos e se levantou.

— Vamos para a filial de Gangwon-do.

Ele precisava ver com os próprios olhos.

1. MrRody: Não vou traduzir, a tradução apropriada seria Baga de Murta.[↩]