Capítulo 115

O rosto do monstro parecia ainda mais grotesco de perto. Tinta vermelha estava borrada aleatoriamente sobre seus lábios, como se uma criança tivesse roubado o batom da mãe e rabiscado o próprio rosto. O lado esquerdo do lábio e da bochecha estavam derretidos ou apodrecidos, deixando expostas as gengivas e dentes internos.

Hehe, hehehehe…

Ele ria de um jeito peculiar e dobrava o pescoço em ângulos inacreditáveis. Caminhava lentamente até o centro, arrastando os braços tão compridos que tocavam o chão. Quanto mais se aproximava, mais o fedor de cadáver em decomposição impregnava o ar. Mas mais do que isso…

“…Homem que Perdeu o Nome?”

Eunha parou ao encarar os olhos do monstro. Uma leve confusão oscilou em seus olhos negros por um momento.

【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas pede, primeiro, que você não mencione a existência dela como a décima terceira Criatura Mítica. E, segundo, que você lhe dê seu nome.】

【— Significa literalmente que seu nome será meu, e você não poderá usá-lo mais.】

Porque Eunha também tivera seu nome roubado.

A voz do Sr. Palhaço ecoou de repente em sua mente.

— Você… Por que você…

Aquela não era a reação de um caçador diante de um monstro poderoso. Era como se tivesse encontrado alguém familiar…

— …!

Eunha, perdida em pensamentos, ergueu os olhos de repente.

“Não pode ser, esse monstro diante de mim…”

Teria sido humano um dia?

Não havia provas, mas a dúvida que se infiltrou em sua mente se espalhou, transformando-se pouco a pouco em certeza.

— Você… O que diabos aconteceu aqui…

O Sr. Palhaço parou de fazer malabares e se aproximou cauteloso do monstro.

— Sou eu, Samyong Kwon. Você não me reconhece?

Aquela reação. Se Eunha estivesse certa, a criatura estranha diante dela era de fato…

Tap.

Ao invés de reagir às palavras do Sr. Palhaço, o Homem que Perdeu o Nome apoiou seus dois braços longos no chão e ficou de ponta-cabeça.

Creak, creeeak…

O monstro dobrou as pernas até o rosto e as apoiou nos ombros, depois começou a girar o pescoço em trezentos e sessenta graus, rindo de forma grotesca. O rosto ficou mais vermelho a cada rotação. Logo, parou e abriu a boca escancarada.

Swish…

Antes que o Sr. Palhaço pudesse escapar, chamas jorraram da boca escancarada do monstro. Conversar era obviamente impossível.

Salto!

Eunha se colocou diante do Sr. Palhaço e abriu a sombrinha com destreza para desviar as chamas. Sua sombrinha permanecia intacta mesmo envolta em chamas negras, então poderia bloquear esse fogo comum.

— Você o conhece? — Eunha perguntou por cima do ombro enquanto segurava o fogo.

— Ele é um velho amigo que desapareceu no Monte Bokgye há muito tempo. Eu não pensei que ainda estivesse vivo, mas nunca imaginei encontrá-lo assim…

As palavras do Sr. Palhaço só reforçaram a convicção de Eunha. Se o monstro bizarro diante deles fora realmente humano, era altamente provável que tivesse se transformado assim devido a algum efeito externo, pouco antes ou depois de morrer. E muito provavelmente esse efeito estaria relacionado a um nome.

“Se for esse o caso, então eu também…”

Ding!

O gato começou a se justificar, mesmo sem Eunha ter dito nada.

Eunha semicerrou os olhos para o gato que parecia culpado. E justo quando ia abrir os lábios…

…Uma fada?

— Senhorita! — gritou o Sr. Palhaço, aflito, atrás dela. — Depois do show de fogo, vem o de facas!

— O quê…

Eunha virou-se e, em seguida, emudeceu.

Alvos enormes surgiram no ar. E então…

— Aaaaagh!

— O-O que é isso?!

Caçadores foram aleatoriamente presos em cada alvo. Tentaram se debater, mas suas mãos e pés estavam algemados firmemente, sem chance de escapar.

— Brilho J! Barreira! Forme barreiras em camadas! — o caçador de Rank B, Pistoleiro, gritou ao analisar a situação, livre dos alvos.

— Não enche! Eu sei! — ela respondeu apressada, balançando o cajado com força. Os caçadores presos aos alvos não estavam tão longe dela. O alcance era suficiente.

Mas havia algo estranho. Não importava quantas vezes usasse suas habilidades, novas barreiras não se formavam, e as que já existiam estavam se desfazendo.

— Droga…!

Pistoleiro não podia esperar. Praguejou em voz baixa enquanto erguia a pistola.

Bang, ba-bang, bang bang bang!

Uma sequência de disparos foi feita contra o monstro. No entanto…

Beep…

Uma janela do sistema surgiu junto de um som de alerta. Antes que pudesse reagir, Pistoleiro tombou no chão.

— …Urgh!

Grossos anéis surgiram do nada e se apertaram em suas coxas, estômago, ombros e pescoço. Ele se contorceu, lutando como se lhe faltasse ar, mas foi inútil.

Swish! Swish! Swish!

O monstro arremessou três adagas contra os alvos de uma só vez. Eram incrivelmente rápidas. Naquele ritmo, os caçadores presos nos alvos seriam gravemente feridos, ou mortos instantaneamente.

“Perigoso.”

Eunha se moveu por reflexo, mas hesitou por um instante. Precisava prever para onde as três adagas voariam, mas elas mudavam de direção no ar, tornando impossível ler facilmente a trajetória.

— São os alvos número um, três e sete, da esquerda!

Ouviu o grito do Sr. Palhaço atrás dela. Primeiro, terceiro e sétimo? Eunha conferiu as direções que ele lhe indicara. E então…

Clang! Clang! Clang!

Ela girou a sombrinha e conseguiu desviar as adagas.

— Da próxima vez, virão seis de uma vez!

O Sr. Palhaço continuava a gritar sem parar.

Mesmo assim, o Sr. Palhaço indicava quantas facas seriam lançadas e em quais alvos. Por mais rápidas que fossem, não eram rápidas demais para Eunha, contanto que previsse as trajetórias. O monstro continuava atacando sem parar. Seus ataques tinham sempre o tema de um espetáculo circense. O método de combate era estranho para Eunha, mas ela conseguia levar vantagem graças ao Sr. Palhaço, que conhecia a ordem das apresentações. Contudo…

“Isso não vai acabar.” Eunha mordeu o lábio inferior. “Se continuar assim, vou ter que achar o momento certo e atacar o chefe diretamente…”

Os outros caçadores que tentaram atacar o chefe foram restringidos, como Pistoleiro, e removidos do palco. Mesmo que ela conseguisse acertar à força, ele regenerava num piscar de olhos. Uma característica típica de monstros do tipo morto-vivo.

“O que eu faço?”

Já não restava muito tempo. Arriscar e mirar nos pontos vitais? Mas se Eunha fosse retirada do palco agora, todos perderiam qualquer chance. Precisava de outra saída.

Enquanto refletia, desviando dos ataques, de repente lembrou-se do que o gato dissera.

【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas afirma com força: — Você e eu firmamos um contrato formal, enquanto ele foi enfeitiçado por uma fada e teve seu nome roubado. Então estamos em situações completamente diferentes e incomparáveis.】

“Uma fada…!”

Eunha pensou na mariposa que matara sem querer, o Devorador de Espíritos Vingativos de asas verde-claras. Ergueu a cabeça de repente e escaneou a área à procura do verdadeiro escondido em algum lugar.

Krrrrrrrr…

Um enorme leão de juba negra e presas afiadas surgiu. A baba escorria de sua boca.

Parecia que avançaria a qualquer instante. Mas Eunha ficou parada e tateou o pescoço, retirando seu pingente.

— Rastreamento.

Wooom. O pingente brilhou suavemente. Eunha o segurou levemente com a palma.

— Senhorita! — o Sr. Palhaço gritou, aflito.

Dudududu…

O leão de juba negra disparava em direção a Eunha a toda velocidade. Mas ela não se moveu, fechou os olhos e focou nas presenças ao redor.

Quando já estava a um sopro de distância da fera…

Seus olhos dourados brilharam.

Salto!

Ela pisou com o salto pontudo na testa do leão e usou-o como apoio para saltar ao alto.

Uma das lanternas vermelhas que decoravam o local. Agora ela conseguia ver.

Prrr…

Asas vermelhas se escondiam ali. Diferente das verdes que vira no riacho. Eunha teve certeza no instante em que seus olhos se encontraram.

“É isso.”

Whirl…!

Chamas negras irromperam. Nesse instante, o Regente dos Espíritos Vingativos parou de se mover e começou a articular palavras com seus lábios miúdos.

— Minha amiga, dê-me o seu nome. Esta é a terra do descanso, vamos enterrar aqui o seu nome.

Roaarr…!

Um grito doloroso ecoou. O Homem que Perdeu o Nome chorava enquanto a encarava. Fumaça negra jorrava da boca dilacerada.

— Minha amiga, dê-me o seu nome. Estaremos juntos para sempre.

Shhhh. A fumaça negra envolveu Eunha. Ela pousou no chão com destreza, mas já estava coberta pela névoa negra.

— Minha amiga, dê-me o seu nome. Tudo o que quiser se tornará realidade aqui.

Ela sabia instintivamente. Estava tentando roubar seu nome. Porém…

— Minha amiga, dê-me o seu…

O Regente dos Espíritos Vingativos estremeceu enquanto murmurava o feitiço.

Flash!

Eunha saltou novamente ao alto. Seus cabelos negros cortaram o ar e se abriram ao vento.

— Desculpe, mas eu não tenho nome para lhe dar.