Capítulo 120
Uma hora e meia havia se passado desde o início da simples cerimônia. Os bufês deliciosos eram reabastecidos assim que esvaziavam, e havia uma sucessão interminável de bebidas aromáticas.
— Entendo. Ainda tem uma cicatriz… — Rose murmurou enquanto observava a marca distinta no pescoço de Minju, ou melhor, ao redor dele.
Minju coçou levemente e respondeu em tom calmo: — Ah, tá de boa.
Não era tão grande a ponto de chamar atenção, e não doía, mesmo se coçasse. O modelo de tanque QKZ-786 que Rose lhe presenteou era muito mais importante que a cicatriz. E ainda por cima era a versão renovada!
Click, click…
Minju montava o tanque com destreza. Junhwan abriu os lábios cautelosamente, observando o Mestre ao lado.
— E ainda não lembra de absolutamente nada do que aconteceu no Portão Desconhecido naquele dia?
— Hmm… Não. — Minju parou de mexer no tanque e fitou o vazio, como se buscasse lembranças daquele dia. Então arregalou a boca, como se algo lhe ocorresse. — Pensando bem, acho que conversei com alguém lá.
“…Conversou?” Não só Junhwan, mas também Suhyeon, que mordiscava biscoitos por perto, voltou-se para ele com espanto.
— Conversou com alguém? Mestre, você não tinha falado nada sobre isso até agora.
— É porque só lembrei agora. Não tenho certeza, mas acho que sim. — Minju respondeu, antes de voltar a mexer na miniatura do tanque como se não fosse nada.
Junhwan levou a mão ao queixo, pensativo, e comentou: — …Será que havia algum monstro falante lá?
— Monstro falante? — Suhyeon piscou, reagindo às palavras. Junhwan parou de esfregar o queixo e a encarou seriamente.
— Era um Portão Desconhecido. Não seria estranho que qualquer coisa acontecesse ali.
Monstros falantes. Para caçadores, eram como OVNIs. Havia relatos específicos de testemunhas, e alguns que pesquisavam o tema a fundo, mas nada era realmente comprovado. A famosa ‘Princesa da Chama Negra’ entre caçadores também era, para alguns, apenas uma lenda de monstros falantes.
— Não deveríamos avisar a Associação, só por precaução?
— Mestre, lembra do que conversou? Ou da aparência, das características do outro?
Suhyeon e Junhwan cercaram Minju com olhares sérios. Ele franziu o rosto, como se espremesse a memória.
— Acho que era um inseto… Um bicho? Hmm, não… Será que era só uma pessoa? Eh, não sei.
Mas desistiu e balançou a cabeça, enquanto Junhwan e Suhyeon o encaravam com pesar.
— Não é tão forte quanto encantamento ou ilusões, mas algumas maldições fazem a pessoa apresentar sintomas de delírio após serem dissipadas. — Rose, que permanecia calada até então, abriu a boca discretamente. — Temos de considerar a possibilidade de que não seja uma lembrança real. É melhor observarmos mais, até que ele recupere completamente a memória.
— Mas nunca se sabe. As memórias do Mestre podem ser uma grande pista para a operação do portão da costa sul. — Junhwan abaixou a voz. — Doutora Planta, a senhora não prevê que o portão da costa sul será um Portão Desconhecido?
A AGI havia informado à Associação de Caçadores que surgiria um grande portão em algum ponto da costa sul. E Rose, que estudava Portões Desconhecidos havia muito, previa que seria mesmo um deles. Por isso a Guilda Rosa preparou voluntários para uma unidade de apoio, independentemente da Associação.
— Certo. — Rose assentiu e acrescentou calmamente: — Mas não há garantia de que todos os Portões Desconhecidos sejam iguais. Só o tempo dirá se as memórias do Trapaceiro ajudarão ou não. Além disso, se ele tentar forçar a lembrança, pode haver efeitos colaterais inexplicáveis.
Rose lançou um olhar a Minju, que brincava com a miniatura do tanque.
“Efeitos colaterais…”
Em seguida, os olhos de Junhwan e Suhyeon também recaíram sobre o Mestre. O garoto, cantarolando e absorto no tanque, parecia tão pacífico e inocente como sempre, que era difícil acreditar que estivera à beira da morte até recentemente. Seu Mestre… cujo rosto estivera coberto por manchas horríveis, e que não se movia um centímetro, como uma múmia sem uma gota de umidade no corpo. Uma visão terrível que eles nunca queriam ver novamente.
— Não podemos forçar a recuperação das memórias, e ele precisa de descanso absoluto. Vocês entendem, não?
Junhwan e Suhyeon se calaram às palavras de Rose.
— Tia Rose, você tá exagerando. Estou totalmente bem…
Minju abriu a boca com brilho de propósito para aliviar o clima sério, mas de repente parou.
“Ah… aquele homem…”
Os olhos miúdos de Minju fixaram-se num ponto. No fim de seu olhar, estava um homem encostado à parede num canto do salão, metade do rosto coberta por capuz e máscara.
— O que foi, Mestre?
— Aquele cara ali. Acho que já vi ele antes.
Quando Minju apontou na direção de Si-u, Junhwan disse: — Ahh — e assentiu. Era natural que Minju não o conhecesse, já que ele aparecera apenas no fim da reunião.
— É alguém que o sub-mestre da Lobo trouxe.
— Lobo?
…Ah, agora ele lembrava.
— Você está confiante contra a Legião. Está com os Lobos?
— Bem. Preciso mesmo responder?
Ele tinha certeza. Minju não havia percebido porque o homem permanecia em silêncio num canto, mas aquele sujeito era definitivamente o mesmo que encontrara quando fora ao restaurante de sopa de carne com Eunha. Já suspeitara pela postura única, confiante e relaxada, mas de fato devia ser da Lobo.
“Porém.”
Os olhos de Minju se turvaram de dúvida ao encarar Si-u. Naquele dia, sua aparência era sagaz e afiada… Mas agora, mesmo com Minju olhando fixamente assim, parecia que ele não notava. Podia estar fingindo que não percebia, ou completamente concentrado em algo mais importante. Minju apostava na segunda opção. Pois, assim como ele observava Si-u com atenção, Si-u também olhava fixamente para outro lugar.
“Por que ele está tão distraído?”
Minju seguiu o olhar de Si-u com curiosidade. E ali…
— Nunca vi alguém acompanhar tão bem meu ritmo.
— Bem. Acho que é você quem acompanha o meu ritmo, não o contrário.
Viu Eunha e Yuhwan no meio de uma amigável bebedeira.
— O quê? Haha! Nossa, você é bem mais animada do que parece! — Yuhwan gargalhava alto, curvando-se para trás, e então deu um leve tapinha no ombro de Eunha. Claro, leve apenas pelos padrões dele, pois para os demais, com seu tamanho bestial, seria consideravelmente doloroso. Ainda assim, Eunha não piscou e continuou bebendo de sua taça.
Hmm.
Os olhos de Minju se estreitaram. O canto de seus lábios começou a se mover sozinho, como se tivesse encontrado um brinquedo extremamente interessante. Ele viu os olhos azuis faiscantes do homem mascarado no exato momento em que a mão de Yuhwan tocara o ombro de Eunha.
— Mestre? Para onde vai?
Minju largou a miniatura do tanque com que estivera brincando o tempo todo e saltou de pé, atraído pelo novo brinquedo que descobrira. E então…
— Yura!
Hush!
Correu veloz até Eunha e se atirou em seus braços. Como esperado, sentiu um olhar perfurante nas costas, mas não lhe deu atenção, sorrindo e erguendo a cabeça.
— Yura, brinca comigo também.
— Hm, crianças não devem se intrometer na conversa de adultos quando estão bebendo.
— Hã, por quê? Não é como se eu fosse beber também. Tá tudo bem, né? — Minju fitava Eunha com olhos brilhantes.
— Crianças — Yuhwan franziu o rosto, irritado. Não fazia nem meia hora que obrigara Jaemin a afastar a Ladra Misteriosa, que atrapalhara sua sagrada rodada de bebidas. E agora o Trapaceiro? O que fizera com aquele brinquedo de tanque que o entretinha, e por que de repente se intrometia fazendo bagunça? Yuhwan suspirou fundo e falou a Minju, que se agarrava a Eunha diante dele.
— Você ainda é muito verde. Se quiser sentar-se ao lado dela e brincar, volte daqui a uns cinco anos, pelo menos.
— Senhor, não sabe que os mais jovens estão na moda hoje em dia?
Hein. Esse pirralho? Yuhwan ergueu uma sobrancelha. Zombou do garoto atrevido diante dele e, em seguida, voltou-se para Eunha.
— Deve perguntar à pessoa em questão. Irmã, você prefere os mais novos?
Eunha parou quando levou a taça à boca. Seus olhos negros pareciam perguntar: ‘Eu? Hmm.’ Quando Yuhwan assentiu, ela pensou por um instante e murmurou uma resposta curta.
— …Nem tanto.
Sip.
O leve som de engolir a bebida ecoou.
— Ouviu isso, garoto? Não vou repetir. Agora volte pra sua marmitinha feliz.
Yuhwan apontou para Junhwan e Suhyeon ao longe. No fim, Minju fez bico e se virou como se não tivesse escolha. Mas, diferente da aparência abatida…
— …Pft.
Minju mal conseguia conter a risada que ameaçava escapar a qualquer momento. A bebedeira sem obstáculos…
— Certo, vamos recomeçar?
Slurp.
Antes mesmo de poder encher os copos vazios de novo, uma sombra estranha se projetou sobre eles.
— …Posso beber também?
— Hã?
Yuhwan ergueu os olhos enquanto inclinava a garrafa de licor.
— Eh?
No instante em que viu o dono da voz, seu olhar gelou. Havia um homem de rosto bem coberto, olhando em sua direção com olhos azuis. Não, não era um desconhecido, já que o sub-líder da Lobo, Hagyun Lee, o trouxera.
— Sabe quem eu sou para falar comigo desse jeito?
— Claro. Você é o Grande Sábio, Igual ao Céu, da Imortal.
— Vejo que está bem informado.
Clang!
A garrafa de licor que Yuhwan segurava estilhaçou-se em pedaços. Mesmo com lascas de vidro cravadas na mão, ergueu o olhar ferozmente para Si-u, com os olhos tingidos de vermelho-sangue.
— Então deve saber muito bem que eu odeio a Lobo mais que tudo no mundo.
Quinze minutos depois.
— …
Eunha olhava para os dois lados com um leve ar de confusão.
— Sabe qual é o seu maior erro? Pensar que a indústria de caçadores coreana vai acabar sem a Lobo. Não acha ridículo? — Yuhwan, que até agora fulminava Si-u como se quisesse despedaçá-lo, agora sorria alegremente. — Não existem tantas guildas que arriscam a vida em coisas inúteis como a Lobo faz.
— Concordo. Os Lobos não duvidam de que tudo o que fazem é a base da indústria de caçadores coreana. Sem perceber que, na verdade, são eles que a apodrecem. — Si-u pousou o copo e curvou levemente os lábios. Os olhos de brilho azulado se ergueram por trás do vidro. Ele observou-o e logo abriu a boca friamente. — …Se são cães, deveriam guardar a casa como os cães que são.
Nesse momento…
【A Décima Segunda Criatura Mítica Cão que Guarda a Noite Profunda, abaixa a cauda fracamente por causa de sua observação cruel.】
— …
Si-u parou de repente ao estender a mão para a garrafa e encher o copo vazio. Não que se importasse com a reação da Criatura Mítica…
“Criaturas Míticas são entidades que podem ser feridas emocionalmente?”
Essa era a questão. A maioria dos contratantes pensaria assim, mas Si-u não via Criaturas Míticas como algo especial. Mesmo sendo uma encarnação, ao contrário dos outros contratantes. Talvez por causa da lealdade única de um cão, ou porque Si-u era sua encarnação, a Criatura Mítica Cão que Guarda a Noite Profunda parecia segui-lo fielmente havia muito tempo. Mas isso não os tornava próximos. Si-u jamais vira a forma real do Cão que Guarda a Noite Profunda. Não, sequer tinha certeza de que possuía uma forma real, já que só se comunicavam assim, por janelas de mensagem. Era uma entidade que estava sempre com ele e lhe emprestava seus poderes únicos. Apenas isso.
Enquanto isso, Yuhwan, que o observava em silêncio, ergueu o canto dos lábios. — Aqui, tome — e encheu de bom grado o copo vazio de Si-u. — Estranhamente, nos damos bem.
Havia visível boa vontade em seus dois olhos vermelhos. A hostilidade inicial já não existia.
— É simplesmente surpreendente haver alguém assim na Lobo, além do meu irmão.
Yuhwan sorriu satisfeito e lançou um olhar em direção a Eunha. Não acha também, irmã? — seus olhos curvos pareciam perguntar.
— Mas… Por que você está na Lobo? — Yuhwan perguntou a Si-u enquanto inclinava o copo. Este respondeu com um olhar frio.
— Não foi minha decisão.
Tsc.
Yuhwan clicou a língua. Embora nunca tivesse visto aquele jovem em suas caçadas, era alguém que o próprio sub-mestre da Lobo trouxera para uma reunião especial e secreta na Associação. Inferiu que fosse um executivo do Lobo, ou ao menos um caçador de alto nível no ranking doméstico. Estava claro que o Lobo usara algum método feio e impiedoso para manter um talento útil. Porque podiam, e faziam.
Yuhwan pareceu imerso em pensamentos, então se levantou de repente. — Certo. Vou apresentar meu braço direito, Jaemin Heo, especialmente a você. Tenho certeza de que vão se dar bem.
— Não é necessário.
— Não. Vou aproveitar que preciso ir ao banheiro. Bebi tanto que minha bexiga parece que vai estourar. — Yuhwan se ergueu e perguntou, lançando um olhar a Si-u: — Vem comigo?
— …
O rosto de Si-u endureceu de tal modo que era perceptível até pela máscara. Yuhwan pareceu gostar muito da reação e soltou uma gargalhada, girando nos calcanhares. — Já volto.
Depois que Yuhwan saiu.
— …
— …
Só Eunha e Si-u permaneceram. Não trocaram exatamente palavras. Apenas enchiam os copos um do outro quando estavam vazios. Um copo. Dois copos. Três copos.
…
Parecia que o tempo desacelerava quanto mais esvaziavam os copos. Eunha ergueu o olhar e estudou Si-u no assento ao lado. Por fora, não parecia bêbado, mas, vendo que seus olhos estavam muito mais soltos do que o normal, parecia já estar meio embriagado.
“Compreensível”, pensou Eunha, ao olhar para as garrafas vazias alinhadas debaixo da mesa. Embora não tivesse se passado nem meia hora desde que começaram a beber com Yuhwan, já haviam esvaziado dez garrafas ou mais. E não eram bebidas comuns, mas licores fortes preparados especialmente pela Associação. Não seria estranho já estarem na emergência, se não fossem Despertos com capacidades de desintoxicação maiores que a de pessoas comuns.
— …Ah.
Si-u estendeu a garrafa ao copo diante de si, mas de repente deixou o líquido transbordar.
Ploc, ploc…
O álcool derramado transbordou em gotas espessas e caiu sob a mesa. Eunha pegou um guardanapo por perto. No instante em que estendeu a mão para limpar…
Pausa…
As pontas dos dedos deles se tocaram levemente. Si-u também ia limpar a mesa com um guardanapo. Diferente dele, que congelou como pedra, Eunha abriu os lábios com um rosto calmo, sem alteração alguma.
— Está tudo bem. Eu limpo.
— …
Si-u não disse nada. Mas retirou lentamente a mão.
Eunha estava tão concentrada em limpar a mesa que não notou a expressão no rosto dele. Quando terminou de enxugar grosseiramente, colocou os guardanapos úmidos num canto e voltou-se de novo.
— Parece que você não é bom de copo.
— …
Si-u fixou os olhos azuis na mesa limpa e fechou a boca. Era impossível ler seu perfil endurecido como pedra, e ela não podia adivinhar no que ele pensava. Então, perguntou: — No que está pensando?
Ele a encarou por um momento com a pergunta dela. Mas apenas por um instante. Si-u desviou rápido os olhos e abriu a boca após um longo silêncio. — Só alguns pensamentos inúteis.
Si-u ergueu lentamente a mão e cobriu a testa e os olhos. Depois, suspirou fundo e devagar. Passou os dedos pelos cabelos negros e, com calma, abaixou a mão de novo. Os olhos azuis, tão transparentes que pareciam gélidos, estavam terrivelmente apagados naquela noite. Si-u abriu os lábios com um nó na garganta.
— …Que eu deveria ter nascido trinta anos antes.
O quê? Eunha piscou, tentando entender o que ele quis dizer.

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