Capítulo 24
— Jovem Mestre. O senhor não pode decepcionar a Lobo. Sempre disse que a guilda… e até mesmo a indústria de caçadores da Coreia… está em suas mãos.
— M-mas… eu…
— Pare de chorar.
Swish!
O homem puxou o braço pequeno e frouxo. O jovem Si-u já estava exausto e acabou sendo arrastado pelo adulto.
— Isso fede. Dá vontade de vomitar! — Quando se aproximou da entrada do Portão Falso, Si-u voltou a chorar. — Eu não quero entrar! Eu odeio isso! — Mesmo gritando e se debatendo, não adiantava.
— Sangue de monstro fede mesmo. É algo que todo caçador precisa suportar.
Si-u era jovem e pequeno, e no fim, não teve escolha senão ficar diante da entrada do portão sob aquelas mãos rudes.
— Jovem Mestre, quem tem poder deve saber onde usá-lo. Isso é responsabilidade e peso. A Lobo e o mundo precisam do seu poder. Vai desistir aqui?
Si-u cambaleou e se levantou com as palavras do treinador. Então olhou para suas duas mãos pequenas com os olhos molhados.
“Será mesmo? Será que eu poderia salvar pessoas? Se for verdade, então não posso ficar aqui chorando. Se é algo que preciso superar, quero fazer isso a qualquer custo.”
— Urgh. — O fedor penetrava pela abertura do portão. Ao contrário do que sentia no coração, o nariz e o corpo de Si-u rejeitavam tudo. Ele fechou os olhos e tapou o nariz com as duas mãos, tentando acalmar o estômago revirado.
— 3, 2, 1. Abrindo.
Whoosh!
A área ao redor foi tomada por uma luz vermelha. A sensação de entrar em um portão era insuportável para um garoto. Quando caiu no abismo sem chão nem teto e finalmente pousou dentro do portão, encontrou o olhar de um louva-a-deus com o dobro do seu tamanho.
— Eeeeek! — a criatura guinchou e correu na direção dele.
Era um holograma bem feito. Se fosse atacado, perderia pontos, mas nunca se machucaria de verdade. No entanto, a hostilidade, o cheiro e o pavor que Si-u sentia eram absolutamente reais.
— F-Fique longe! — Toda a determinação de antes desaparecera, e Si-u balançou a pequena mão no ar. Então, formou instintivamente gelo em forma de lâmina. Os estilhaços cortantes caíram sobre o enorme louva-a-deus como chuva pesada.
Thud.
A cabeça da criatura, do tamanho de uma melancia, rolou até os pés do garoto.
— A-aah! — Si-u caiu sentado no chão, sem tempo nem para gritar. O sangue do monstro que jorrava do pescoço decepado estava fervendo.
【Passiva ► Cheiro Feroz ativada.】
O fedor inexplicável e horrível queimou suas narinas. Ele ergueu rapidamente as mãos para tapar o nariz e a boca, mas o cheiro passou por entre os dedos.
— Ugh! — O jovem Si-u vomitou um líquido amarelado diante do cadáver do monstro. No fim, caiu no chão como uma boneca de papel.
Quando voltou a si, já estava em seu quarto na mansão. Alguém o havia levado até lá. Não era a primeira vez, e Si-u se ergueu com tranquilidade, sem qualquer surpresa.
— Patético.
— P-pai…
O primeiro caçador Rank S da Coreia, mestre da melhor guilda do país, a Guilda Lobo, e pai de Si-u, Gwihun Shin, olhava para o menino petrificado. Seus olhos nunca foram os de um pai olhando para o filho.
— Desse jeito, você não vai conseguir nem terminar o Tutorial, quanto mais se tornar o próximo Mestre da Guilda. Nem parece meu filho.
O som do estalo de língua veio com uma ventania gelada que congelou o coração do garoto. — Desculpe, pai…
— Esqueça. — Gwihun saiu do quarto sem olhar para trás. As mãos que Si-u estendeu em direção ao pai frio pararam no ar.
Bam!
A porta se fechou com força e o ar pareceu esfriar. Talvez fossem as paredes congeladas, ou talvez fosse seu pequeno corpo. Si-u puxou as cobertas grossas e se encolheu debaixo delas. Aos oito anos, a primavera de Si-u era inverno. Estava frio. Muito frio.
Filho único da Lobo; jovem mestre da Lobo; o receptáculo que o primeiro caçador Rank S da Coreia criou com as próprias mãos; o prodígio que se tornou a encarnação da Criatura Mítica Cão que Guarda a Noite Profunda aos sete anos de idade: todos esses títulos seguiram Si-u como etiquetas. Às vezes eram cercas sólidas, outras vezes, armadilhas pesadas amarradas ao seu pescoço.
— Espetacular, mestre. Matou vinte. — O homem que conferia os resultados do Portão Falso exclamou, como se não conseguisse acreditar.
Ao lado dele, Si-u, agora bem mais crescido, limpava a geada das mãos. — Próxima fase. Abra.
— Agora?
— Sim.
Na época, Si-u tinha apenas dezessete anos. Com essa idade, já conseguia eliminar vinte monstros. Caçadores de elite da Lobo, mesmo os de Rank A, normalmente derrotavam sete ou oito monstros em média por portão.
Era verdade que ele havia treinado continuamente desde que despertou na infância, mas Si-u nem sequer tinha uma licença de caçador, e já superava em habilidade os melhores da guilda. Era surpreendente, mas ao mesmo tempo natural, afinal, era o prodígio da Lobo. Todos que viam Si-u acreditavam que ele estamparia a capa dos jornais como o próximo caçador Rank S. Ninguém sabia se isso aconteceria no dia seguinte, no ano seguinte ou em um futuro distante, mas parecia inevitável.
Quando terminou o treinamento, Si-u saiu sem olhar para trás. Caminhar um pouco depois era essencial para se livrar do fedor impregnado no corpo. Seus passos apressados pararam sob um poste em um beco escuro.
— Ugh. — Si-u levou a mão à boca diante do enjoo que subia pela garganta.
【A Criatura Mítica Cão que Guarda a Noite Profunda o observa com preocupação.】
— …Está tudo bem. — Si-u conseguiu controlar o mal-estar iminente. Era algo que aprendera após ter esofagite algumas vezes.
Justo quando acalmava o estômago e voltava a se mover, ouviu um grito. — A-aaah! — Não estava longe.
Si-u virou a cabeça. Viu um garoto com metade do corpo para fora da janela de uma vila no segundo andar. Estava de pijama, e por algum motivo parecia aterrorizado. Logo descobriu o motivo: a sombra negra de um monstro espreitava atrás dele.
— S-socorro! — o garoto gritou, pendurado perigosamente na janela. Ainda não era tão tarde. Alguns pedestres olhavam para cima, nervosos, paralisados como Si-u.
— M-meu Deus! Ele vai cair!
— Um caçador! Tem algum caçador aqui?! Chamem a polícia!
— Droga. Eu já liguei!
Um homem grande apareceu entre os pedestres em alvoroço. Provavelmente era um caçador. Isso ficava claro por sua postura despreocupada, diferente da dos civis, e a grande espada nas costas confirmava. O homem com a espada observou o garoto pendurado, depois simplesmente se virou e começou a andar. Alguém o impediu.
— H-hey. Você. Não é um caçador?
— …Sou.
— Então por que não vai salvá-lo?
— Por que eu deveria? Isso não é uma missão que minha guilda me designou, nem um portão para o qual me inscrevi.
— Mas você é um caçador!
— Sim. E estou indo para o local da minha missão.
O homem respondeu com indiferença. Os civis o encararam com desprezo, mas ninguém tinha como obrigá-lo a fazer o bem. O incidente já havia sido reportado, e logo um caçador de uma guilda de apoio seria enviado. Mas aquele caçador diante deles não era essa pessoa.
— Mas se você deixá-lo… ele vai…
— Parece um monstro de baixo nível. Dá pra matar com um taco de beisebol.
Si-u cerrou os punhos ao ouvir a conversa.
“Quem tem poder precisa saber onde usá-lo. Isso é responsabilidade e peso.”
Então ele deu um sorriso de escárnio. O que foi que ele esteve aprendendo esse tempo todo? Era tudo mentira? Ou seria a cena diante de si a mentira?
Logo, Si-u percebeu algo: havia muitos caçadores lixo no mundo, pessoas que pisavam nos outros sem pestanejar, apenas para obter lucro próprio. Despertaram por sorte, apenas sorte, mas ganhavam dinheiro, zombavam dos outros e ignoravam os danos como se tudo aquilo fosse talento nato. E ele estava farto disso. Mais ainda: estava farto do fato de que a própria Guilda Lobo, à qual pertencia, não era muito diferente.
Talvez por isso, quando seu pai, e líder da Lobo, Gwihun foi diagnosticado com uma doença terminal alguns anos depois, Si-u não sentiu nem tristeza nem agonia. Não tinha nenhuma boa lembrança com ele, e Gwihun nunca o considerou um filho de verdade, apenas uma ferramenta útil. A morte de Gwihun significava também a libertação de Si-u.
Claro que, quando Gwihun morresse, os outros Lobos aceitariam Si-u como mestre, mas ele podia simplesmente ignorar a opinião deles. A única pessoa no mundo que ele não conseguia ignorar era o próprio pai. E era justamente por isso que Gwihun queria fazer de tudo para passar a liderança da guilda a Si-u antes de morrer.
Foi assim que Si-u finalmente deu início ao Tutorial que adiara por diversas vezes, pressionado por Gwihun. E foi nesse Tutorial que Si-u conheceu a caçadora da primeira geração: Cha Eunha.
Splat, splat.
As gotas de chuva agora pesadas batiam com força no vidro da sacada. No interior escuro do apartamento, um relâmpago breve iluminou os rostos dos dois.
‘Caçador de conceito’ era um termo recém-criado para designar caçadores que haviam despertado, mas que, por vários motivos, não combatiam, apenas atuavam segundo seus conceitos. Em outras palavras, eram aqueles que buscavam popularidade ou repercussão através de transmissões online ou participações em programas de entretenimento, em vez de matar monstros ou varrer portões.
Eunha perguntou de repente, enquanto ouvia a explicação de Si-u: — Mas por que caçadores de conceito são desprezados? Eu realmente não entendo.
— Porque só caçadores de rank baixo ou com atributos relativamente baixos escolhem esse caminho. Deve ser por preconceito.
A visão pública sobre caçadores de conceito vinha melhorando ultimamente, com seu apelo popular crescendo e os resultados se tornando visíveis, mas eles ainda agiam de maneira muito próxima do mundo do entretenimento. Eram criticados por, apesar de possuírem habilidades superiores às dos civis, estarem apenas ‘brincando’.
— Então agora estão me confundindo com uma caçadora de conceito, e as reações na internet são totalmente preconceituosas.
Si-u assentiu levemente às palavras de Eunha. Ela ficou pensativa, mexendo na lata vazia que havia deixado sobre a mesa. Logo, seu olhar recaiu sobre o vestido preto pendurado no cabide.
— Quanto aos boatos… acho que não é só por causa do seu rank.
Clang, clang.
Batucando na lata com as unhas, Eunha ponderava.
Si-u começou a falar devagar:
— Recebemos uma proposta para a Princesa da Chama Negra aparecer num especial sobre caçadores na TV a cabo. Se você for até lá como uma caçadora de conceito, ninguém pode garantir como a opinião pública vai reagir depois. Claro… pode melhorar…
Mas também podia despencar para o pior. Se isso acontecesse, Eunha teria que aguentar sozinha todas as flechas envenenadas do mundo. Si-u queria evitar esse cenário a qualquer custo.
— Podemos recusar agora mesmo. Que tal fazermos isso e observarmos a situação por enquanto? — Era a melhor solução que Si-u tinha no momento. — Desse jeito, o mal-entendido de que você é uma caçadora de conceito vai se solidificar. Isso pode não parecer grave, mas será se a opinião pública ferver e sua reputação entre os caçadores piorar.
— Então só tem uma resposta. — A voz baixa de Eunha ecoou pelo cômodo sobre o som das gotas de chuva. — Acho que vou ter que mudar esse preconceito contra caçadores de conceito.
— Como? — Si-u inclinou a cabeça, sem entender direito.
— Tive uma ideia. E pra isso, será bom que eu apareça nesse programa que você mencionou. — Eunha ergueu discretamente os cantos dos lábios.
— A-aparecer… no programa? — O rosto de Si-u congelou diante da resposta inesperada. Se ela fosse ao programa, seria ainda mais comentada do que agora. Será que ela sabia disso?
— Porque o melhor será provar quem eu sou pro maior número de pessoas possível. — Eunha passou os dedos pelo cabelo e se levantou, depois lançou um olhar para Si-u. — Você trouxe o carro?
— …Trouxe. — Confuso, Si-u estudou o rosto de Eunha.
Ela sorriu para ele. — Vamos sair um pouco.
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