Capítulo 27
Como Jehwi havia dito, o evento de autógrafos durou cerca de uma hora. Ele mexia no celular enquanto se deslocavam do local até a sala de espera no sétimo andar da emissora.
【J】 【15:43】
Senhor, estamos indo para a sala de espera. O evento acabou.
【CEO Si-u Shin】 【15:43】
blz
Jehwi guardou o celular no bolso e lançou um olhar para Eunha ao seu lado.
— Parece que você já conhecia aquela pessoa.
— Um pouco.
— Aquele cumprimento foi demais pra alguém que você conhece ‘um pouco’.
— Eu sei, né? Também fiquei surpresa.
— …Não, tô falando de você. — Jehwi encarou o rosto de Eunha, depois desviou o olhar de novo.
Eles pararam diante de uma entre várias portas no corredor. Havia uma folha de papel colada com os dizeres ‘Sala de Espera dos Caçadores’. Ao abrirem a porta e entrarem, viram cinco caçadores que já haviam chegado, sentados no sofá.
Jehwi falou por Eunha:
— Olá, esta é a Princesa da Chama Negra. Prazer em conhecê-los! — Ele começou a desfazer as malas em um canto da sala de espera. Jehwi parecia animado enquanto sussurrava: — Como é um programa especial, a sala de espera é bem diferente. Deve ser cinco vezes maior que meu quarto.
Então, uma caçadora que comia a marmita no sofá falou num tom um tanto ríspido:
— Aqui é a sala de espera dos caçadores. — Seus olhos eram bem hostis.
— Ah, certo. Só estou aqui por um instante como assessor dela. Vou terminar de desfazer as malas e ir para a sala da equipe…
— Não, ela também. — Apontou para Eunha com o queixo.
— …Perdão?
— Ela é uma caçadora de conceito. Esta sala é para caçadores comuns.
Jehwi piscou, atônito.
— Não, ela é…
— Tá tudo bem. — Eunha interrompeu Jehwi e saiu do lugar sem dizer mais nada.
“Cara, eles nem sabem quem ela é!” pensou Jehwi. Mesmo sendo Rank F com um vestido um pouco chamativo, ela ainda era a caçadora contratada da Guilda Lobo! Jehwi queria dizer algo, revoltado, mas apenas fechou a boca ao ver as costas de Eunha se afastando com o som dos saltos. “Não sei de que guilda vocês são, mas esperem só. Vou contar tudo pro meu chefe.”
Jehwi virou-se de volta para a porta da qual acabara de sair, bufando. Como dissera, ele e Eunha logo encontraram a porta com a placa: ‘Sala de Espera dos Caçadores de Conceito’.
— Parece que tinham muitos participantes e dividiram em duas salas. — Jehwi sorriu sem graça, tentando aliviar o clima carregado, mas Eunha continuava em silêncio. Ele bateu levemente na porta e girou a maçaneta com cuidado.
Click.
— Olá… Eh?
A cena diante dos olhos deles era bem diferente da primeira sala de espera. Quatro caçadores estavam sentados lado a lado num sofá estreito, como salsichas em embalagem, comendo miojo.
— Ah, pode sentar aqui. — O homem de meia-idade vestido de palhaço se levantou e cedeu seu lugar a Eunha. Em seguida, se ajeitou perto da janela e voltou a soprar seu copo de miojo.
— C-Com licença. — Jehwi olhou ao redor tentando encontrar onde deixar suas coisas, mas a sala mal tinha 30 metros quadrados e sobrava pouco espaço. — Ah, é… já volto. — No fim, Jehwi empilhou as malas sobre uma penteadeira de maquiagem e saiu da sala.
— Aqui, coma isso — disse o palhaço. — Pode demorar, então é melhor comer algo primeiro. — Era um copo pequeno de miojo. Havia uma diferença gritante entre isso e as marmitas de carne que os outros caçadores estavam comendo na sala de espera ao lado. — Aqui, hashi de madeira.
— …Obrigada. — Eunha pegou o miojo e os hashis, e olhou em volta, sem foco.
Ali havia quatro caçadores extremamente únicos. Um deles usava uma meia-calça marrom translúcida amarrada na cabeça como máscara, com furos nos olhos e na boca e as pernas amarradas no topo; outro estava com maquiagem ensanguentada; o terceiro vestia um hanbok de algodão com um chapéu tradicional; e o palhaço se espremia junto aos demais na sala apertada. Eunha os encarou, intrigada, mas logo se olhou no espelho. Não era como se pudesse falar muito. A diferença gritante entre caçadores comuns e caçadores de conceito não se limitava às marmitas.
Ao checar os roteiros empilhados sobre a mesa, havia muitas partes que ela não entendia. Não havia conferido tudo, mas parecia que o programa usaria os caçadores de conceito como bajuladores dos caçadores normais. Isso não era o que ela queria.
Eunha devolveu o roteiro ao lugar e se virou para a porta da sala de espera. Pessoas que pareciam estilistas andavam apressadas na sala dos caçadores normais, mas nenhuma havia entrado ali.
O caçador de meia-calça se levantou e espiou pela porta entreaberta. Uma das estilistas atravessava o corredor, apressada.
— E-Ei… Será que a gente pode conseguir maquiagem também?
— Ah… Os caçadores de conceito? — Eunha não pôde ver o rosto da mulher, escondido atrás das costas dele, mas parecia que ela estava sorrindo. — Não temos mais ninguém disponível agora… Ouvi dizer que os caçadores de conceito sabem fazer a própria maquiagem, mas você precisa mesmo?
— Uhm, não. Pensando bem, estou usando meia-calça, então acho que nem preciso. Haha. — O caçador coçou a cabeça e fechou a porta da sala de espera.
Um silêncio constrangedor tomou conta da sala apertada. O palhaço no canto se levantou.
— Bem, não é como se isso fosse incomum. Vamos nos preparar pra não nos atrasarmos pra gravação. — Parecia já estar acostumado com esse tipo de tratamento. Eles começaram a se movimentar e aplicar maquiagem nos próprios rostos. Eunha deu um passo para trás e observou.
— E agora, vamos conhecer a novata sensação da cidade, Turbinado! — Com a introdução do apresentador, um holofote intenso iluminou o estúdio. O apresentador estava em pé no centro, com os caçadores comuns sentados à esquerda e os caçadores de conceito à direita. Ele foi apresentando os participantes da esquerda para a direita. — De onde veio o apelido Turbinado?
O foco de luz caiu sobre Turbinado, o caçador que havia tido a fila mais longa no evento de autógrafos. Quando seu rosto apareceu nas câmeras, gritos ocasionais vieram da plateia. A maioria segurava leques de papel com o rosto dele estampado. Eunha entendeu que ele era bastante conhecido.
— Foi um apelido criado pelos meus fãs, quando viram o vento saindo da ponta do meu leque.
— Entendi. Pode mostrar pra gente?
A pedido do apresentador, Turbinado desenganchou da cintura um leque feito de penas de pássaro. Ao balançá-lo, um vento verde girou como um redemoinho.
Chonk.
Uma melancia, a alguns metros de distância, foi cortada em pedacinhos.
Eunha, sentada em seu assento designado, o observava atentamente.
Caçadores com afinidade com a natureza, capazes de manipular água, fogo ou vento, eram relativamente raros. Pelo que Eunha compreendia, ele parecia um mago do vento, mas parecia que era o leque, e não ele, que produzia o vento.
— Uau, se você balançasse um pouco mais, a senhora na frente da plateia teria ganhado um corte de cabelo!
Risadas exageradas vieram da plateia com o comentário do apresentador. Muitos aplaudiram com entusiasmo. O holofote seguiu adiante. Logo chegou a vez dos caçadores de conceito. O primeiro a ser chamado foi o caçador de meia-idade vestido de palhaço. Eunha lembrava que ele também tinha alguns fãs no evento de autógrafos.
— O convidado que apresento agora é o Sr. Palhaço! Olá!
— Olá! — O Sr. Palhaço levantou as duas mãos e fez um gesto fofo, falando com uma voz falsete boba.
— Oh, uhm. Olá. Hum, quantos anos você tem?
— Cinquenta e três! — Ele assentiu com a cabeça falando naquele tom engraçado. Ouviram-se ruídos abafados e a plateia riu com deboche.
Eunha congelou diante das risadinhas que dominaram o estúdio. “Ele tem a minha idade? E é um ano mais novo que o Ijun.” Era difícil de acreditar. Uma realidade que ela achava já ter aceitado despertava novamente dentro dela.
Apesar de já ter passado dos cinquenta, o Sr. Palhaço brincava com maestria, sem demonstrar o menor constrangimento. Ela até admirava a dedicação profissional dele ao papel.
O apresentador continuou apresentando os convidados seguindo a ordem dos assentos. A última era Eunha.
— Agora, a novata que anda dando o que falar: a Princesa da Chama Negra! Tem algo que eu sempre quis perguntar. Você, por acaso, tem o dragão da chama negra na mão esquerda?
O apresentador empurrou o microfone na direção de Eunha. Ela franziu a testa por causa da luz intensa nos olhos. Deveria ter dito a fala que combinava com o seu conceito. Eunha olhou discretamente para o cartão de roteiro na mesa.
Apresentador: Você, por acaso, tem o dragão da chama negra na mão esquerda?
Princesa da Chama Negra: Quer que eu mostre? Minhas chamas são bem quentes, sabia? (Sorriso leve ☞ close na câmera)
Eunha levantou o olhar. Os caçadores convidados, o apresentador e a plateia estavam todos olhando para ela. Ela abriu os lábios lentamente.
— …Não.
O estúdio foi tomado por silêncio com a resposta de Eunha.
— Uh, uhm. Certo. — O apresentador lançou um olhar para o produtor, depois mudou de assunto com profissionalismo. — Seu vestido extravagante lembra a era Rococó1. Onde você o conseguiu? Não parece ser de loja de departamento… Rodeo Drive? Ah, é de Dongdaemun?
Então, alguém gritou da plateia:
— Jongmyo!
O caçador ao lado dela tremeu os ombros e escondeu a boca. Eunha abriu os lábios lentamente em meio às risadas que começavam a se espalhar.
— …Achei no chão. — Risadas explodiram como se suas palavras tivessem puxado o gatilho.
Um intervalo foi concedido logo depois por ordem do produtor. Todos os participantes voltaram às suas salas de espera. Naturalmente, os caçadores de conceito, incluindo Eunha, foram enfiados na minúscula sala de sempre.
— Argh. Isso aqui realmente é uma merda. — O homem de hanbok de algodão atirou o chapéu no chão. — Difícil demais ganhar a vida. Se eu soubesse que ia ser tratado assim, teria recusado a escalação.
— Calma, calma. Pelo menos vamos receber uma boa grana por ter vindo — disse o caçador de meia-calça, tentando apaziguá-lo. Estavam todos na mesma posição, presos naquela sala que mais parecia um galinheiro.
— Não, olha só, eles fazem perguntas normais pros caçadores normais, mas pra gente? — Ele esbravejou e pisoteou o chapéu. Pelo visto, a pergunta do apresentador ‘Quantos caquis secos você consegue comer?’ tinha sido particularmente ofensiva.
Apesar de estarem atuando como caçadores de conceito, todos ali eram despertos de verdade e tinham licença de caçador. Fazia sentido que se sentissem ofendidos por serem tratados tão abertamente como palhaços, usados apenas como entretenimento para audiência.
— Tô indo embora. — O caçador do chapéu começou a arrumar suas coisas. Os demais apenas trocaram olhares e ninguém tentou impedi-lo.
— Isso é complicado. — O Sr. Palhaço quebrou o silêncio e segurou o homem pelos ombros. — Se você sair, a gravação pode ser suspensa. — Ele falava normalmente agora, diferente de quando estava diante das câmeras. Tinha removido a maquiagem durante o intervalo e agora parecia apenas um homem de meia-idade comum, exceto pela roupa de palhaço listrada de vermelho.
— Você não tá puto? A segunda parte da gravação vai ser igual a essa.
— E daí? Se for pra receber e ainda ganhar visibilidade, é matar dois coelhos com uma cajadada. Preciso comprar um casaco acolchoado novo pra minha filha.
— Dá pra ganhar dinheiro em outro lugar. Já entrei em seis portões esse ano. Prefiro arriscar a vida num portão do que ficar aqui sendo motivo de riso. — O caçador do chapéu tremia de raiva.
— Você sabe bem como é. Acha que eu não entro em portões? Mas a grana de hoje equivale a limpar dez portões. — O Sr. Palhaço sentou-se diante da penteadeira e começou a pintar o rosto com tinta escura. A mão enrugada de um chefe de família traçava linhas com habilidade.
O Sr. Palhaço não estava errado. Embora não fosse o caso de todos, a maioria dos caçadores de conceito tinha poder de combate baixo. Mesmo entrando no mesmo portão, a remuneração variava muito de acordo com o rank, a guilda e o histórico de cada caçador. Caçadores famosos como Turbinado recebiam dezenas de milhões de wons2 por varredura. Já os caçadores de conceito ali presentes teriam que limpar cinco ou seis portões para receber o mesmo valor.
— Senta aí. Já gravamos a primeira parte, pelo menos vamos garantir o pagamento.
O caçador do chapéu fechou o punho.
— É… Vamos ter paciência.
— Se tiver algo que incomoda muito, a gente pode pedir pra cortarem na edição. — Os outros caçadores, que até então só assistiam, começaram também a tentar acalmá-lo.
— Argh. Droga. — No fim, o caçador do chapéu se jogou no sofá, frustrado. Sabia que eles tinham razão.
Enquanto isso, Eunha observava tudo de longe, sentada em um canto, até que alguém lhe tocou no ombro.
— Olha. É minha filha. — O Sr. Palhaço sorriu com doçura e estendeu o celular. Eunha virou os olhos na direção do aparelho. Na tela pequena, uma menina de uniforme azul-marinho sorria como o sol da primavera. — Bonita, né? O nome dela é Minji. — Ele soprou na tela e a limpou com a manga. — Ela tem o vestibular nacional esse ano, então nem volta pra casa, vive no cursinho toda noite. Estuda muito bem, bem diferente de mim.
Eunha fitava de lado o Sr. Palhaço, que falava animado sobre a filha.
— Quero comprar um casaco acolchoado novo pra ela antes do inverno. Ela vai pro cursinho depois da escola no frio e isso me parte o coração. Moça, que cor você acha que combinaria com ela?
O sorriso dele não era falso. Era o sorriso sincero de um pai que combinava com a filha, como o sol da primavera.
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