Si-u parou enquanto caminhava pelo corredor vazio.

    Quarto 811. Yura Lee. Já devia ter sido limpo, mas a placa ainda estava lá.

    Si-u abriu o punho fechado. A pomada amassada repousava em sua palma.

    Swish…

    O ar frio da noite entrou de algum lugar. O vento carregando o luar tocou seu queixo.

    — Acho um grande alívio que você consiga dizer que não gosta de algo.

    …Vovô.

    Será que era verdade? Era um alívio porque realmente era sincero? Ele já não tinha mais certeza. Não seria apenas ego infantil dizer que não gostava do que não lhe agradava? Era o que pensava. Talvez esse ego tivesse empurrado o Vovô, Jehwi e Eunha para a beira do precipício. Talvez ele só devesse ter concordado com tudo e deixado de ser teimoso. Talvez a culpa fosse toda dele.

    Questionava a si mesmo, cheio de dúvidas constantes.

    — Proteção? Você está protegendo a Eunha?

    O deboche passou de relance por seus ouvidos. Si-u fechou os olhos, envolvendo a pomada com a mão.

    De quem ele estava tentando se esconder? Quem ele queria proteger? Talvez estivesse apenas tentando proteger a si mesmo, se escondendo atrás de alguém e sem fazer nada.

    Tolamente.

    “Agora.”

    Si-u fechou o punho novamente e abriu os olhos devagar. Os olhos azuis já não tremiam mais.


    Campos de treinamento ao ar livre em Seul, sob posse da Guilda Lobo, 21:52h.

    — Já acabou? — murmurou, sem emoção, o caçador de Rank A+ vindo de Singapura, classificado como o septuagésimo segundo no ranking global ‘Comandante’ parado no centro do campo de treinamento.

    Seus poderes envolviam invocação e manipulação. Lutava convocando soldados blindados em forma humana. Podia invocar até mil soldados ao mesmo tempo, o maior número entre caçadores com habilidades de invocação. Graças a isso, era um caçador cotado para promoção ao Rank S. Não esperava usar sua capacidade máxima aqui, mas, no fim das contas, venceu. Diziam que o garoto fora criado em segredo pela melhor guilda coreana, a Lobo, mas ele se sentia um pouco frustrado por isso ter sido tudo.

    — Parece que não vou mais precisar disso. — Comandante levou a mão ao distintivo preso no peito esquerdo. Era um item prático fornecido pela Lobo, com funções de tradução, mas não precisava mais dele se o oponente havia caído. Mas então…

    Comandante parou o movimento de tirar o distintivo. Algo estava estranho.

    Clang…!

    Um som metálico agudo ecoou.

    Clang, clang, clang…!

    Antes mesmo que pudesse se virar para a origem do som, o ruído continuava, ininterrupto.

    Logo, Comandante entendeu: estavam congelando. Todos os mil soldados blindados que havia invocado, um por um.

    — …

    Crash!

    Um dos soldados congelados caiu no chão e se despedaçou como porcelana. Enquanto observava, atônito, alguém se levantou entre os soldados que desabavam.

    — …

    Uma cortina de brilho branco como neve cobria o céu. Uma sombra desprovida de cor se estendia sob ela.

    Lobo Branco.

    Um uivo gélido de lobo passou por seus ouvidos. Uma alucinação, ou talvez um encantamento. Quando Si-u tirou a palma do chão, um pó branco de gelo caiu da superfície. Não era possível… Conseguiu congelar tantos inimigos de uma vez pelo solo?

    Mesmo achando impossível, Comandante recuava sem perceber. E então se deu conta, tarde demais, de que até o chão por onde recuava havia se tornado escorregadio e coberto de gelo.

    Pssss…

    Um frio percorreu seu corpo inteiro.

    Tap, tap…

    Si-u avançava lentamente em sua direção, e Comandante dava o mesmo número de passos para trás.

    “Droga.”

    Justo quando Comandante cerrou os dentes, sem mais para onde recuar…

    Boom…!

    O chão começou a tremer violentamente. Ele havia usado o restante de sua força para invocar mais um soldado blindado.

    Creak, creeeeak…

    Um soldado gigantesco, do tamanho de dez juntos, surgiu envolto em fumaça negra. Comandante escondeu a mão atrás das costas para que Si-u não visse e a fechou. E então…

    Whoosh!

    O gigante agarrou Si-u com uma das mãos, em um movimento semelhante ao de Comandante. Como se pegasse uma mosca. Mas então…

    Clang…!

    Incontáveis espinhos de gelo surgiram na mão do soldado. Aconteceu em menos de três segundos. Si-u havia envolvido todo o corpo com gelo no instante em que foi preso no punho. Era julgamento instantâneo e velocidade para executar.

    — …Ha.

    Comandante riu, vazio. Parecia que finalmente havia entendido a mentira astuta da Lobo. Um caçador Rank A em treinamento na guilda? Comandante era Rank A há muito tempo e sabia melhor do que ninguém. O jovem diante de seus olhos jamais fora apenas Rank A.

    Uma arma humana criada em segredo. Certo, isso fazia bem mais sentido. Mesmo sendo apenas uma luta simulada, como puderam colocá-lo para enfrentar aquele homem? Era como se tivessem feito dele um rato de laboratório.

    Tap.

    Si-u deu mais um passo na direção de Comandante. Este, por sua vez, não tentou mais evitá-lo. No momento em que Si-u rompeu o punho do soldado gigante, a luta estava decidida.

    Si-u segurou o pulso direito de Comandante.

    Pssss…

    Gelo branco como neve floresceu de sua palma. O gelo, que teria coberto todo seu corpo, parou no ombro. Se não fosse uma simulação, Comandante teria sido congelado até o cérebro.

    — Quem é o próximo? — Si-u retirou a mão de Comandante e desviou o olhar. O Lobo Branco havia vencido, de forma justa e direta.

    — Foi mais interessante do que eu pensava.

    Uma nova presença surgiu junto ao som de palmas. Era um caçador de Rank S, também de Singapura, classificado em quinquagésimo sexto no ranking global, Clima.

    Para ele, um Rank S, era entediante lutar contra um Rank A sem experiência real, mesmo em uma simulação. A ponto de quase recusar, não fosse a recompensa. Mas ficou interessado após ver o confronto entre Comandante e Si-u. Pensava da mesma forma que Comandante. Apostaria toda sua fortuna que o oponente não era um mero caçador Rank A. Caso contrário, o dispositivo de avaliação da Associação de Caçadores da Coreia estava completamente quebrado.

    — Não imaginei que teria essa experiência na Coreia — murmurou Clima, girando o dedo indicador no ar. Em seguida, uma tempestade de areia que soprava de algum lugar começou a rodopiar pelo campo de treinamento em torno de seu gesto. Clima era um caçador com a habilidade de controlar o clima, como sugeria seu apelido.

    Ele não conseguia controlar o clima de um país ou região inteira, mas o campo de treinamento ao ar livre era pequeno o suficiente para ser definido como seu território.

    E a preparação havia acabado de ser concluída. O local estava prestes a se transformar em um deserto sem uma gota de água. Restavam dez minutos. Mas era o bastante. Clima encarou Si-u, o jovem à sua frente. Parecia indiferente, mas devia estar exausto da batalha anterior. Congelar mil soldados blindados, e num campo tão vasto, devia ter exigido muito dele.

    Clima cruzou os braços e ergueu apenas o dedo indicador, movendo-o como se estivesse conduzindo uma orquestra. Então, uma enorme tempestade de areia ganhou vida com o movimento. Era apenas vento forte, não o suficiente para matar. Mas então…

    — …?

    Whoosh!

    Clima ficou, de fato, um pouco surpreso ao ver Si-u desviando com agilidade de todos os seus ataques. Ainda tinha tanto vigor assim? Era difícil de acreditar que conseguisse se mover naquele campo, seu território, só com o corpo, sem usar habilidades únicas. A tempestade de areia tornava quase impossível abrir os olhos, e o calor sufocava qualquer um com o mínimo de movimento. Ainda assim, ele evitava todos os ataques com facilidade.

    Mas ele estava apenas evitando.

    Psssss…

    O jato de água lançado pela mão direita de Si-u evaporou antes mesmo de tocar em Clima. Era praticamente impossível invocar gelo naquele calor.

    “Mas é digno de elogio.”

    Não era à toa que a Lobo queria escondê-lo, qualquer guilda sonharia com uma carta curinga assim em sua manga. Se fossem do mesmo país, ele mesmo tentaria recrutá-lo.

    Whooo…!

    O imenso redemoinho de areia girava como se fosse perfurar o céu. Si-u conseguiu evitá-lo, mas o próximo ataque veio antes mesmo que pudesse respirar.

    Smack…!

    O tsunami de areia engoliu Si-u de uma só vez. Dessa vez, ele não conseguiu evitar.

    — Urgh…! — Reagiu erguendo uma parede de gelo, minimizando o impacto, mas o gelo derreteu ao toque da areia quente. Reduziu apenas o dano físico, e Si-u foi engolido pela areia.

    Era isso. Para Si-u, que controlava água e gelo, aquele ambiente era hostil ao extremo.

    Slash!

    Si-u afastou a areia com um golpe bruto e se ergueu cambaleante. Seus olhos azuis, exaustos, varreram a área com precisão.

    “Eu poderia usar a umidade da atmosfera…”

    Mas o ar ali estava seco como pó. Em outras palavras, se usasse esse recurso agora, não teria outra chance. Era arriscado demais. Já havia se exaurido na batalha contra os mil soldados. E mesmo que derrotasse Clima, ainda restava mais um caçador. Precisava poupar forças.

    — Você durou mais do que eu esperava. Eu até poderia intensificar, mas não quero isso também. Não quero ser conhecido como assassino. É só uma luta simulada. — Clima deu de ombros à distância.

    No instante em que seus olhos se encontraram, os de Si-u se tornaram opacos.

    …Não era como se não houvesse outro método.

    Uma sombra gigantesca pairou sobre Si-u. Outro tsunami de areia se aproximava por trás. E, no exato momento em que estava prestes a ser atingido…

    Whoosh!

    Si-u desapareceu. Não, para ser preciso, saltou com uma velocidade absurda.

    — …!

    Foi tão rápido que até Clima arregalou os olhos. Mas não era algo ameaçador, afinal, ele controlava água e gelo, elementos ineficazes naquele ambiente.

    Si-u surgiu bem diante de Clima e agarrou seu pulso direito. Era a mesma postura que havia adotado com Comandante.

    — Também quer congelar meu braço?

    — …

    — Vá em frente. Se conseguir.

    Clima sorriu com tranquilidade, pois sabia que ele não conseguiria. E, como esperado, Si-u apenas apertava com força o pulso de Clima, sem formar gelo.

    O peito de Si-u subia e descia violentamente. Seus cabelos pretos estavam cheios de grãos de areia, e por entre as roupas rasgadas, viam-se incontáveis ferimentos profundos.

    “Agarrou meu pulso, mas é tudo o que consegue fazer agora.”

    Clima tinha certeza de que havia vencido. E com isso, o item de classe Artefato, Relógio do Silêncio, prometido por Maestro, seria seu.

    — Muito bem, agarrou meu pulso. E agora? Vai fazer o quê? Como vê, não há uma gota de água aqui — provocou Clima.

    Si-u manteve a mão no pulso dele e não se moveu. Apenas murmurou, tão baixo que mal dava para ouvir: — Você sabia que setenta por cento do corpo humano é composto de água?

    — …O quê?

    — Posso fazer todos os seus fluidos internos entrarem em ebulição num instante. Também posso simplesmente elevar a temperatura.

    Clima congelou, ainda com o pulso preso. E então se deu conta: a respiração ofegante de Si-u… já havia se acalmado. Por mais absurdo que parecesse, era como se ele tivesse fingido estar exausto.

    — Deixe-me dizer mais uma coisa. A água, quando aquecida rapidamente, se expande de forma colossal.

    “O que ele está dizendo agora…?”

    A expressão endurecida de Clima começou a se contorcer. Enquanto isso, as sobrancelhas de Si-u se curvavam.

    De costas para a luz da lua, Si-u se inclinou e aproximou os lábios do ouvido de Clima. — …Quer que eu mostre?

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