Capítulo 68
Gwihun sorriu discretamente enquanto observava a luta entre Si-u e Clima.
Na verdade, Si-u estava mentindo. Era verdade que podia controlar tanto o gelo quanto a água, mas havia uma limitação. Ele conseguia reduzir a temperatura da água, mas não aumentá-la. No entanto…
“Não há necessidade de contar isso ao inimigo.”
Foi satisfatório. Mais do que esperava. Claro, não era um combate de vida ou morte, mas mesmo com isso em mente, o fato de Si-u ter subjugado os caçadores Comandante e Clima sozinho era impressionante.
“Tudo o que resta agora…”
Gwihun desviou o olhar de sua cadeira de rodas e encarou o homem que estava ao seu lado. Usava um boné virado para trás, com todos os botões da camisa desabotoados. Seus abdominais bronzeados, como se tivesse passado o verão à beira-mar, apareciam por entre o tecido. Estava com óculos escuros tão negros que sequer permitiam ver os olhos, mesmo com a noite avançada, fazia sentido que os outros o considerassem um excêntrico.
Mas não era um homem suspeito. Era um caçador coreano de Rank A que Gwihun havia convidado. Estava além do centésimo lugar no ranking, mas, Engenheiro, Uihyeok Pyo era considerado o mais promissor entre os caçadores coreanos de Rank A para ascender ao Rank S.
Comandante e Clima. Si-u já havia enfrentado dois caçadores, e Uihyeok era o próximo. Mas, por alguma razão, ele apenas olhava para Si-u por trás dos óculos escuros, sem se mover do lugar.
Subitamente, Uihyeok abriu a boca. — Sol da Meia-Noite. Sinto muito, mas devo recusar esse duelo.
Si-u e Gwihun franziram a testa ao mesmo tempo.
— Do que está falando? — Si-u se aproximou, com o cenho carregado.
Uihyeok o encarou com desdém e falou com uma expressão desconfortável: — Parece que você mal consegue ficar de pé.
— Está tentando ser gentil?
— Não. É uma questão de princípios.
— Eu posso lutar.
— …Pode mesmo?
Uihyeok abaixou os óculos um centímetro. E então…
Crack…!
Um raio atingiu Si-u.
Ele estava gravemente ferido e praticamente sem energia, não teve como se esquivar.
— Urgh…! — Si-u cuspiu sangue e caiu de joelhos. Uihyeok apenas o encarou de cima com indiferença.
— Sinto muito, mas não quero lutar com alguém que vai cair com um único golpe.
— …
Si-u cerrou os punhos com raiva no chão. Os dedos arranharam os grãos de areia e deixaram marcas de sangue. Parecia que seu oponente também era um caçador do tipo natureza, e controlava eletricidade.
Uihyeok passou a mão lentamente pela nuca. Faíscas azuis zumbiam com o movimento.
— …A natureza também não vai contra você?
Uihyeok era um caçador Rank A, e Si-u era Rank S. Havia uma diferença enorme entre suas classificações. Mas em termos de saúde, habilidades únicas e experiência prática, Uihyeok superava Si-u com folga.
— Ainda acha que precisamos lutar? — Uihyeok falou como quem não estava nem um pouco disposto. Mesmo que não fosse um combate real, Si-u já estava em frangalhos. Se enfrentasse Uihyeok agora, não sairia sem ferimentos sérios.
— Você já provou sua força contra dois caçadores de Rank S. Acho que é o suficiente, mesmo sem lutar contra um Rank A como eu. Não é verdade, Sol da Meia-Noite? — Uihyeok lançou um olhar a Gwihun.
— Não. — Nesse instante, Si-u se levantou, cambaleante, depois de permanecer em silêncio.
Os olhos de Uihyeok se arregalaram por trás dos óculos.
— Que se dane a natureza. Isso não importa. — Si-u se pôs de pé, trôpego, e lançou um olhar gélido em sua direção. Eu tenho que lutar com você e provar que sou capaz de passar por essa maldita verificação. Um sopro branco escapou de seus lábios entreabertos como fumaça.
— Gasp… Gasp…
Si-u arrastou as pernas pesadas e se deixou cair num banco próximo. Recostou-se e inclinou o pescoço para trás, olhando para o céu. As íris azuladas, sem foco, apareciam por entre os fios bagunçados de cabelo. Si-u ergueu as duas mãos e as encarou em silêncio.
Nenhuma delas estava intacta. Por ter usado sua habilidade única além do limite, não sentia mais nada nos dedos, era como se tivesse levado uma queimadura de frio.
Com lentidão, Si-u remexeu os bolsos. O que tirou foi um pote de pomada amassado.
Tentou abrir a tampa, mas as mãos não se mexeram como ele queria. — Droga — murmurou, abrindo-a com os dentes.
O topo das mãos, as palmas, os braços, os cotovelos. Espremeu a pomada aos poucos sobre todos os ferimentos que conseguia ver.
— …Ah.
A pomada caiu no chão.
Caiu de forma desajeitada debaixo do banco. Si-u a observou em silêncio. Já era tarde da noite e não havia ninguém por perto. Apenas os postes de luz piscavam fracamente na imobilidade. Si-u ficou imóvel por um tempo e se levantou sem apanhar a pomada. Em silêncio, fechou os olhos.
Pôde ouvir o som distante das cigarras. E então, ao ouvir as árvores balançando na brisa da noite e o bater de asas de algum pássaro pousado em um galho, seus ouvidos formigaram. Talvez por isso…
— Jovem mestre. Estava aqui?
Achou ter ouvido algo. Sabia que era tolice, mas ainda assim ergueu a cabeça. Como esperado, não havia ninguém ali…
— …Seonbae1?
Ela tinha cabelos pretos e olhos ainda mais escuros. Era Eunha.
Si-u piscou devagar. Parecia que não acreditava, mesmo depois de ver seu rosto. Há quanto tempo ela estava ali? Eunha estava parada diante do banco, olhando para Si-u.
Ele abriu e fechou os olhos algumas vezes e, de repente, franziu a testa. — O que você está fazendo aqui? — cerrou os lábios e ergueu seus espinhos.
Mas Eunha respondeu com calma, ainda sem expressão. — Estava procurando você. Você não atendeu.
Os olhos negros analisaram o rosto de Si-u.
— …Parece que você caiu de novo.
Si-u fingiu não ouvir e desviou o olhar.
— Por que você está aqui? Eu te avisei do fim do contrato.
— Eu sei.
— Está triste agora? O dinheiro não foi suficiente?
— Não é isso. — Eunha negou em voz baixa. Soava suave e gentil.
Por outro lado, Si-u falou com irritação. — Então por quê? Há outro motivo para aparecer diante de mim de novo? Desculpa, mas agora que o contrato acabou, espero não precisar ver sua cara nunca mais. No futuro também.
Era o que ele esperava, porque não via outro jeito. Não a conhecia há tanto tempo, mas Si-u não desgostava de Eunha. Justamente por isso precisava fazer isso. Caso contrário, ela também seria como Ilseok…
— Só porque sim. — Eunha moveu os lábios com suavidade. — Pensei que talvez pudéssemos comer algo.
Si-u ergueu lentamente a cabeça e olhou para ela. Ficou com a boca entreaberta. Parecia surpreso. Não, talvez estivesse com raiva. De qualquer forma, ele apenas a encarava com aquela expressão estranha, sem reagir de outra forma. Por isso, Eunha voltou a falar.
— Já que nunca mais vamos nos ver.
— …
— Você também foi gentil comigo. Não tenho muito o que fazer por você, mas queria te pagar uma refeição pela última vez.
— …
Os olhos azuis não se desviaram de Eunha por um bom tempo. O que ele pensava? Nenhuma palavra saía de seus lábios que se abriam e fechavam sem dizer sim ou não.
— …
Pouco depois, Si-u estava sentado em uma cadeira de plástico, olhando ao redor com uma expressão amarga. Eunha acabara de fazer o pedido e lançou um olhar em sua direção.
— Achou que eu te levaria àquela casa de sopa de carne? Eles já fecharam.
— …
— O quê? Não gosta de barraquinhas?
— Não. — Si-u balançou a cabeça levemente.
Logo, a comida começou a chegar à mesa. Ovos enrolados, salada de caramujo-do-mar, tofu com kimchi… Si-u fixou o olhar num dos pratos entre a enxurrada de comida.
— Espero que goste. Teria te levado a um lugar mais caro se não fosse tão tarde.
Si-u hesitou um pouco e, com alguma dificuldade, pegou uma colher. Uma sopa clara com fatias finas de pimenta verde e vermelha.
— Puxa, também tem muita pimenta na sopa de mexilhão. Hmm, se eu soubesse, teria pedido outra coisa.
Estava barulhento apesar da hora. Luzes alaranjadas pendiam do teto. O cheiro de álcool e fumaça de carvão impregnava o ar. O caldo era picante, mesmo sendo branco. Tudo era igual à sua memória.
— …
Si-u engoliu uma colher de sopa em silêncio e fechou a boca. Eunha o observou enquanto abria uma garrafa de cerveja do outro lado da mesa.
— A sopa…
Tap.
Ele abaixou a colher.
Splash…
Começara a chover lá fora.
— A sopa está um pouco picante.
Eunha olhou para Si-u sem responder. Pegou alguns guardanapos num canto da mesa e os colocou à sua frente.
— Por causa das pimentas.
— …
— …
O silêncio, destoante do ambiente ruidoso, pairou entre os dois.
Tap tap.
O som das gotas de chuva batendo na lona da barraca. Em meio a isso, Si-u falou de repente.
— Seonbae.
Colocou o pote feio e amassado de pomada sobre a mesa com um baque surdo.
— Vou te devolver isso.
— …
Os olhos negros de Eunha se fixaram no pote. Pouco depois, ela abriu os lábios. — Por quê?
Foi uma pergunta curta, mas demorou a ser respondida.
— …Porque prefiro que coisas assim fiquem com você, e não comigo.
A noite se aprofundava. A panela de sopa de mexilhão fervia sobre o fogareiro entre eles. Embora estivesse difícil de enxergar por causa do vapor, Si-u a encarava por muito, muito tempo.
- Seonbae ou Sunbae, é o equivalente a Sênior, refere-se a alguém mais velho, mais experiente ou com mais tempo de serviço em uma área específica.[↩]
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