Capítulo 82
Ayeon era uma perdedora.
Quando perdeu os pais por causa do acidente com o portão, quando foi levada a um orfanato desconhecido depois que o anterior faliu, quando foi terrivelmente intimidada pelos colegas. Ela se via como uma perdedora.
Ao seu redor estavam os que nasceram com tudo. Seja dinheiro, talento ou família. Aqueles que tinham essas coisas sem esforço algum. E aqueles que não tinham, ou que perderam tudo sem ter feito nada.
O mundo, aos olhos de Ayeon, era dividido entre vencedores e perdedores. Um dia, Ayeon foi colocada entre os vitoriosos por acaso. Mas a vitória que conquistou com facilidade já não parecia tão doce, agora que pensava nisso. O que era que ela queria, afinal? Pensou nisso tardiamente.
Ayeon abriu os olhos devagar.
— …
— …
Olhos negros que a encaravam em silêncio. Eunha abriu os lábios suavemente em meio à quietude. — Consegue se levantar? — Uma mão indiferente se estendeu em sua direção.
Foi aí que Ayeon pensou: “Ah, talvez não fosse algo tão grande o que eu queria.”
Ayeon se sentou no chão molhado e olhou ao redor. Verde e seus colegas, e até mesmo os cães ferozes que preenchiam o lugar, haviam desaparecido como fumaça. Ayeon encarou a mão de Eunha por um momento e estendeu a sua para segurá-la.
— Eu fiz eles pedirem desculpas, mas acho que você devia denunciar mesmo assim — disse Eunha, olhando para o estado lastimável de Ayeon.
Uma desculpa forçada não servia de nada. Um dia, poderiam se vingar dela, de outra forma.
— Não posso denunciar. — Aperta. Ayeon torceu a água suja da camisa e falou. — Eu é que posso acabar sendo pega.
— …O quê?
Eunha piscou, como se não entendesse. — Hehe. — Ayeon sorriu com graça e deu um leve toque no ar.
【Carregando inventário.】
【 – – – Carregando – – – 】
Ayeon revirava um inventário invisível aos olhos de Eunha, até que encontrou um item. Uma luz roxa se espalhou por sua palma. Julgando pela cor, provavelmente era um item classe Heroico. E o que ela conseguiu tirar de lá foi…
— Tcharam! Achei o tomo da bruxa! — Ayeon o estendeu para Eunha como se estivesse se gabando. Era um livro grosso com um padrão desconhecido na capa. Eunha não conhecia bem, mas não parecia um item comum.
— …Você não disse que não tinha roubado nada?
— No começo, não roubei mesmo.
— …
— Por quê? Achou que eu ia deixar eles me espancarem de graça? Quem você acha que eu sou? Não tem vantagem nenhuma nisso. Ai, meu joelho.
Uma das Habilidades Únicas de Ayeon: Saquear. Tinha a desvantagem de ser difícil de ativar e não permitir escolher o item a ser roubado, mas de vez em quando ela conseguia itens bons como esse quando dava certo.
— Agora eles devem estar surtando ao perceber que sumiu um item. Tsc. Deviam ter vivido de forma honesta. Né? — Ayeon se espreguiçou com força. Diversas partes do corpo latejavam, mas pelo menos conseguiu um bom saque…
Ela se virou de repente e encarou Eunha. A mulher a observava com uma expressão um tanto atônita.
— …rigada — murmurou Ayeon baixinho, enquanto erguia devagar o rosto para o céu. O céu límpido se refletia lentamente em seus olhos cor-de-rosa. A chuva já havia parado.
12 de setembro. O dia em que o mercado de pulgas de dois dias chegava ao fim e o grande leilão se iniciava. Durante a noite, imensos estandes haviam sido montados para o leilão no amplo parque.
— Vamos logo. Tá quase começando. Anda, anda! — Ayeon apressava Eunha. Eunha andava sem rumo certo, guiada pelos próprios passos, até lançar um olhar a Ayeon. O leilão do terceiro dia era feito de forma anônima, e Ayeon usava uma máscara adorável que lembrava o Mickey Mouse.
Diferente do mercado de pulgas, somas enormes de moedas e fichas eram movimentadas no leilão. A maioria dos caçadores, especialmente os que submetiam itens ou faziam lances bem-sucedidos, preferia manter o anonimato. Com razão, seria como anunciar ao mundo que você tinha muito dinheiro, e não era raro desconhecidos roubarem os lances vencedores depois do fim do evento. Por isso, máscaras eram indispensáveis para os caçadores que participavam do terceiro dia.
De todo modo, o rosto de Ayeon estava coberto pela máscara, mas seu pescoço, pulsos, qualquer parte visível do corpo… estavam limpos, sem um arranhão. Devia ser caçadora, pois devia ter se curado durante a noite.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas duvida dos próprios olhos, se perguntando se ela é a mesma garota que estava rolando de forma lastimável na lama na noite passada.】
A dúvida do gato era justificável, pois isso não era a única coisa que havia mudado da noite para o dia.
— Ei, moço. Abaixa um pouco a cabeça. Minha irmã não consegue ver!
Eunha, de repente, havia se tornado ‘minha irmã’ para Ayeon.
— Que diabos?
— Abaixa, eu disse abaixa! Minha irmã veio pra ver, mas você vai se responsabilizar se ela perder por sua causa?
O homem sequer fingiu ouvir Ayeon. Ela fez bico para a nuca lisa e brilhante do homem careca à sua frente.
— Tudo be… — Eunha tentou dizer, passando a língua pelos lábios…
— Aff, que brilho. Pelo menos usa uma peruca ou sei lá.
Ayeon conseguiu. O careca… ou melhor, o caçador da primeira fila engasgou e olhou ao redor.
— Ah, ouviu? Achei que não conseguisse.
Ayeon sorriu, mostrando os dentes brancos.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas acena com a cabeça, dizendo que agora entende por que Ayeon foi espancada naquele beco.】
A forma de Ayeon falar não era das melhores. Eunha concordou com o gato sem muita emoção.
— Pronto. Agora dá pra ver bem, né?
Ayeon voltou depois de discutir com o caçador da frente e estufou o peito com uma expressão satisfeita. Desde então, começou a fazer coisas que Eunha não tinha pedido, como limpar com a manga da blusa o assento onde Eunha ia sentar ou apontar discretamente caçadores que atrapalhavam sua visão de tempos em tempos.
Claro, Eunha tinha ajudado Ayeon e esmagado os celulares dos idiotas da noite passada… Mas Ayeon não parecia apenas ter feito um juramento de lealdade, ela parecia disposta até a entregar a vida por Eunha. Como não havia razão para impedi-la, Eunha decidiu ficar em silêncio.
— Não tem tanta gente quanto eu imaginava — murmurou Eunha, em voz baixa, já sentada.
— É que mais da metade dos caçadores vai embora depois de dar uma olhadinha no mercado de pulgas. A partir de agora, é briga entre os ‘de verdade’. E não é como se esse fosse o único estande — respondeu Ayeon com naturalidade, sentada ao lado.
Como Ayeon dissera, havia mais de vinte estandes de A a W preparados para o leilão no Parque Central de Sejong. Este era o estande K. Segundo o panfleto, o pó de fada classe Relíquia seria apresentado aqui.
Eunha olhou ao redor devagar, por cima da máscara que usava. O interior era tão luxuoso que era difícil acreditar que o estande fora montado na noite anterior. Sentia-se como se estivesse numa casa de ópera famosa no exterior. Enquanto observava o ambiente, o leilão começou para valer.
— O primeiro item é um item classe Heroico. O item que só pode ser encontrado em portões com terrenos de campo vulcânico! Já estou vendo alguns preparando suas moedas. Muito bem! Com orgulho, apresento o primeiro item. É o rubi do dragão de fogo!
Um tubo de vidro coberto por um tecido preto surgiu sob aplausos.
— Como sabem, se usar o rubi do dragão de fogo como ingrediente, é possível conferir forte resistência ao fogo a vários tipos de equipamentos. Nem mesmo guildas de produção famosas conseguem garantir o suprimento atualmente.
O apresentador retirou o pano preto sobre o tubo de vidro. Então, o brilho vermelho deslumbrante escondido sob o tecido foi revelado por completo.
— Maior do que qualquer outro rubi de dragão de fogo! E essa luz vermelha tão pura! Um valor adicional será aplicado mesmo antes do início do leilão. Fiquem atentos: são necessárias mil e quinhentas fichas para participar deste leilão… Então! Começamos com cem moedas!
Cento e dez, duzentas, quinhentas, mil…
O número subia a uma velocidade assustadora. O item, que parecia apenas um ovo vermelho, aparentemente era bem valioso.
— Dez… Dez mil moedas!
Dez mil moedas por um item classe Heroico, sem hesitar? Mesmo Eunha, que não entendia os preços de mercado, ficou surpresa.
O leilão prosseguiu sem pausas. Além do rubi, diversos itens classe Heroico, como o livro censurado de Orfeu, a madeira de Yggdrasil e a estela da origem foram vendidos por altos valores. Os caçadores ao redor de Eunha, incluindo Ayeon, participaram do leilão e deram lances em itens necessários. Mas Eunha não levantou seu número de lance nem uma vez. Apenas esperou em silêncio.
— Agora, apresentarei o próximo item. Uau, muitos devem estar esperando por este! É o único item classe Relíquia do estande K!
A atmosfera da casa de leilões mudou com o anúncio do item classe Relíquia. Até mesmo Eunha, que estava recostada na cadeira, endireitou a postura.
— Finalmente chegou. — Ayeon cutucou Eunha de leve. Eunha assentiu discretamente e fixou os olhos no apresentador sobre o palco.
— A Doutora Planta dos itens que apagam qualquer anomalia de status de uma vez só! Pó de fada! Um item de valor inestimável, apresentado apenas três vezes na história do leilão coreano de caçadores, incluindo o ano retrasado. Vamos dar uma olhada.
O pó de fada entrou em cena. O que repousava sobre uma tigela de vidro transparente parecia a Via Láctea condensada num só ponto, brilhando sem parar sob a luz. Todos ali ficaram hipnotizados por seu esplendor.
— Avisamos desde já que, por se tratar de um item classe Relíquia, o leilão requer dez mil fichas. Muito bem, então! Começamos com cinco mil moedas!
Dezoito mil. Trinta mil. Quarenta e cinco mil. Oitenta mil…
Diferente dos itens classe Heroico anteriores, o lance do pó de fada classe Relíquia disparou. A tal ponto que os números no painel eletrônico não conseguiam acompanhar.
— D-Duzentas mil moedas!
A casa de leilões começou a se agitar. Todos olharam para o dono das duzentas mil moedas. Apesar da máscara esconder seu rosto…
— Parece que vieram de novo este ano.
Lobo.
Ayeon sussurrou em voz baixa ao lado dela. Eunha também se virou e lançou um olhar para a estrela das duzentas mil moedas.
— Aff, esse bastardo egoísta. Mesmo sendo item classe Relíquia, duzentas mil moedas é um exagero. Vai tentar monopolizar agora ou o quê?! — reclamou Ayeon, irritada.
Murmúrios…
O homem mascarado que lançou as duzentas mil moedas cruzou os braços com indiferença, alheio ao clima. Considerando que o valor final do pó de fada no leilão de dois anos atrás fora cento e cinquenta e sete mil moedas, ninguém esperava que saltasse para mais de duzentas mil. Nem mesmo o apresentador. Ele engoliu seco e gaguejou ao erguer o microfone.
— M-Mais alguém? Então…
Foi nesse momento.
Swish.
Alguém levantou a placa de lance.
Beep…
Os números no painel eletrônico acima do palco começaram a girar loucamente. E então…
Ta da!
<400.000 ⓒ>
O número brilhou em dourado. A casa de leilões caiu num silêncio absoluto, como se tivessem jogado água gelada sobre todos.
— Q-Q-Quatrocentas… mil…
Nem o leiloeiro conseguiu continuar. Só de olhar, já era de tirar o fôlego. Os inúmeros olhos que estavam voltados ao dono das duzentas mil moedas agora miravam outro ponto. Ayeon também ficou de boca aberta, olhando ao redor.
“Quer dizer, é um item classe Relíquia, mas quem é que joga centenas de milhares de moedas num pacotinho de pó…”
Pausa.
Ayeon parou de se mover ao olhar em volta.
— U-U-Uuunniieee…?
A máscara de gato preto. A dona das quatrocentas mil moedas estava sentada bem ao seu lado.
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