Capítulo 85
Apartamento de Eunha, 1:50h
— …
Eunha permanecia imóvel na cama, como uma estátua, encarando um único ponto havia muito tempo.
De: Maestro
O envelope vermelho jazia solitário sobre a mesa à sua frente.
“Será que ele sabe sobre o incidente no Mercado Jagalchi?”
Jehwi ficou apreensivo, sua consciência pesada o fazendo dizer isso. Eunha suspeitou disso a princípio. Mas ele poderia tê-la convocado desde o começo, então por que só agora?
Quando Eunha voltou para seu apartamento, rasgou o envelope para verificar o conteúdo. Mas não era uma convocação nem uma carta. Era um convite comum, convidando a Princesa da Chama Negra para a festa secreta no Hotel S, em Seul, dali a dois dias. Não dizia quem era o anfitrião, nem para quem era. Apenas constavam o pedido para usar uma máscara e o horário e local do evento. Nesse caso, por que Ijun, o Maestro, havia lhe enviado um convite desses de repente?
— Alguma dúvida, caçadora Yura Lee?
Quando o encontrou após tanto tempo, ele fingiu não conhecê-la. E não foi só a atitude dele que tinha mudado. A expressão, os olhos, até o jeito de falar não tinham nada a ver com o Ijun que Eunha conhecia. Por que ele tinha se tornado assim? Por que fingia não conhecê-la? Será que ele realmente se esqueceu dela? O que teria acontecido nesse meio-tempo? Seria mentira dizer que essas perguntas não lhe passavam pela cabeça. Mas Eunha não lhe perguntou nada, pois sabia que havia se passado tanto tempo que essas perguntas já não faziam mais sentido.
Mesmo assim, Eunha voltou a desconfiar diante do convite repentino. Como ele sabia seu endereço para enviá-lo? Ou melhor…
“…Qual é a intenção dele?”
Pode haver contato entre Eunha Cha e Ijun Baek, mas nenhum entre a Princesa da Chama Negra e o Maestro. Eunha ficou imersa em pensamentos por um longo tempo, até estender a mão para pegar o convite.
— …
Eunha o encarou em silêncio, os olhos carregados de contemplação, e então ergueu lentamente a cabeça para olhar pela janela. A lua brilhava. Como naquele dia em suas memórias.
1999. O vento nevado parecia morder a pele durante o inverno.
Uma tenda precária próxima ao portão. Com certeza seriam enviados em missão no dia seguinte. A maioria dos caçadores já havia adormecido após o jantar. Mas Eunha não. Ela suportava o frio há horas, até a ponta dos dedos ficar dormente, agachada sob uma árvore perto da tenda.
— Eunha.
Alguém se aproximou com cautela. Eunha ergueu lentamente a cabeça dos joelhos. Ijun segurava uma lanterna e a observava com preocupação.
— …Por que você ainda não dormiu? Se não recuperar as forças agora, isso vai te afetar nas batalhas de amanhã.
— Você também não está dormindo.
— Eu…
— É, eu sei. Você é a líder da equipe. E eu sou seu melhor amigo. — Ijun sentou-se ao lado de Eunha com naturalidade, como sempre fazia.
Click click.
Ijun mexia na lanterna e abriu a boca com cuidado. — …Você está bem?
— …
Como esperado, Eunha não respondeu. Ijun fechou a boca com uma expressão nublada. Era claro que ela não estava bem. Tinham visto um companheiro, com quem compartilharam alegrias e dores por mais de um ano, morrer diante dos olhos deles. Até mesmo a Eunha indiferente não estaria bem.
Não era a primeira vez que um companheiro morria, naquela época, era mais estranho um caçador não morrer dentro de um portão. No entanto, vê-los morrer bem diante de si não era comum. Ainda mais alguém que havia rido e conversado com eles no dia anterior.
— Eunha, não foi culpa sua.
Ijun ofereceu o consolo óbvio e lançou um olhar para Eunha.
— …
Eunha continuava em silêncio. Apenas encarava o vazio com o rosto apagado. Indiferente, sem chorar nem fazer careta. Mas Ijun sentia que Eunha estava definitivamente triste. Do contrário, não teria saído da tenda para ficar agachada no meio do inverno por tantas horas.
O que ele deveria dizer? Ijun pensou por muito tempo, pois sabia que nada do que dissesse seria capaz de consolá-la.
— …Minha mãe também. — De repente, Eunha falou com a voz baixa. — Minha mãe também morreu num incidente de portão.
— …
— Naquela manhã, ela fritou cavalinha pra mim, mas eu não comi porque achei o cheiro muito forte. Eu só como peixe branco. Ela disse que era o café da manhã, tirou as espinhas e colocou no meu arroz, pediu que eu comesse ao menos um pouco, mas eu nem toquei. Estava sem apetite e fui pra escola. Eu era imatura. — Eunha sorriu baixinho, como se zombasse de si mesma. Ao lado dela, Ijun a ouvia em silêncio.
— E… A última vez que a vi foi embaixo de um telhado. Não vi o rosto dela. Só o braço esquerdo estava inteiro. Ainda me lembro com clareza. Já se passaram alguns anos, mas parece que foi ontem… só que, sabe — Eunha continuou num tom baixo — é curioso. O que mais me vem à mente é reclamar da comida naquela manhã, ficar irritada com ela na noite anterior, dizendo que eu mesma ia fazer quando ela pediu que eu dormisse cedo… É disso que eu me lembro.
— …
— Acho que é assim que são as memórias. Em vez das boas, só me vem à cabeça o quanto fui uma filha ruim, o quanto me arrependo.
Sua voz tremia levemente. Eunha fechou o punho com suavidade.
— Acho que o que aconteceu hoje vai ser assim também.
“O companheiro que morreu diante dos meus olhos hoje. Se eu soubesse que isso ia acontecer, teria ido no lugar dele. Se eu soubesse, não teria brigado com ele por ter dormido até mais tarde. Se eu soubesse…”
— Me desculpa — Eunha pediu desculpas brevemente. — É patético, né? Como você disse, eu sei que não foi culpa minha.
Ijun levantou a cabeça e olhou para Eunha. Ela mantinha os olhos fixos à frente e continuou com indiferença:
— Também sei que, enquanto eu continuar nesse trabalho, não é estranho que alguém morra de repente.
— …
— Eu não queria te mostrar isso. Por favor, não conte pros outros. Eles vão perder o ânimo se a líder da equipe estiver assim.
— Eunha. — Ijun vinha ouvindo tudo em silêncio, até que começou a falar de repente. — Eu não acho que você seja patética.
— …
— Na verdade, eu pensava que queria ser como você. Desde sempre.
Eunha virou-se devagar para Ijun. Ele continuava olhando para o céu enquanto falava com a voz baixa.
— O general disse que, entre todos nós, você era a mais adequada pra ser caçadora. Eu concordo. Porque você é forte, Eunha, e parece que não se abala, aconteça o que acontecer, e só olha pra frente.
— Ainda acha isso? — Eunha perguntou de repente. A boca de Ijun se curvou num sorriso tênue enquanto ele encarava o céu.
— …Não.
Ijun manteve os olhos no céu e falou devagar:
— Agora, hum… acho que talvez você não sirva pra ser caçadora.
— …
— Se você continuar nesse trabalho, nunca vai escapar da morte. Vai ter que ver seus companheiros morrendo diante dos seus olhos, como hoje. E cada vez, acho que você, Eunha, vai se abalar, ficar triste e se arrepender como agora. Tô certo?
— Não posso dizer que não.
Ijun soltou uma risada baixa diante da sinceridade de Eunha. Então, desviou os olhos do céu e olhou para ela.
— Mesmo assim, ainda quero ser como você.
No momento em que seus olhares se cruzaram, a lua, antes escondida pelas nuvens, surgiu e iluminou seus rostos.
— Estou dizendo que espero que você continue assim no futuro também. Porque isso não é nada patético. Na verdade…
…Na verdade? Eunha piscou.
— D-De qualquer forma. — Ijun pigarreou de maneira desajeitada e se levantou de um salto. — Eu gosto de você assim. Q-Quer dizer, gosto no sentido de… então…
Eunha achou engraçado o jeito como ele falava e ficava nervoso por conta própria, e soltou uma risada involuntária.
— Então, o que você quer dizer com isso, afinal?
— …Só que… — Ijun hesitou um pouco, depois parou e encarou Eunha. — Só porque você é caçadora e líder da equipe, não quero que carregue um peso tão grande. Fique triste quando quiser, e t-também sorria como acabou de fazer. Quero que continue assim no futuro — acrescentou ele num sussurro.
Talvez fosse só uma impressão, mas o vento de inverno sob o luar brilhante não parecia mais tão frio.
— …
Bem quando Eunha abriu os lábios, houve um clarão, e uma lâmpada alaranjada se acendeu na tenda próxima.
— O que vocês dois estão cochichando aí?
— Ijun Baek, de novo?!
— A Myungjin Son vai sair do túmulo pra te dar uma surra!
Seus companheiros, que pareciam estar dormindo, enfiaram a cabeça para fora e lançaram olhares acusadores para os dois.
— N-Não! Não é nada disso! — Ijun se apressou em dizer, o rosto corado. Eunha sorriu de leve ao observá-lo. — É-É só que a Eunha estava sozinha aqui fora…!
— Ijun Baek.
Eunha segurou de leve a manga de Ijun quando ele estava prestes a voltar para a tenda.
— Obrigada.
— …Ah.
Ijun congelou no lugar ao sentir Eunha puxar sua manga.
Fiiuuu…
O som de assovios os cercou. Ijun recuou num pulo, como se nada tivesse acontecido, e correu até sua tenda. Os outros companheiros começavam a despertar por causa da confusão. A escuridão ao redor agora se tingia com uma luz alaranjada e acolhedora. Pouco antes de voltar para a tenda, Eunha olhou para o céu. As estrelas estavam espalhadas pelo céu negro como sal. Pensando bem, era um céu igual ao de ontem. Eunha achou que amanhã seria o mesmo.
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