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    Ela abriu os olhos. Quando tateou o travesseiro meio adormecida, sentiu o celular duro sob a mão.

    11:30h.

    Tinha dormido até tarde. Ao conferir a hora no celular, Eunha se sentou devagar. O vestido que usara na festa na noite anterior estava jogado no chão. Jehwi reclamaria de novo se visse aquilo. Eunha se levantou da cama e começou a recolher as roupas que havia deixado espalhadas.

    Depois de dar uma arrumada por cima no quarto, saiu para a sala. A luz do sol brilhava intensamente no ambiente. Eunha encheu um copo com água gelada e se jogou no sofá com ele na mão.

    — Diferente de antes, o mundo moderno está saturado de caçadores. Então por que você insiste em continuar caçando?

    — Sabe… eu odeio o fato de pessoas como você serem caçadoras.

    — …

    Eunha encarava em silêncio o copo nas mãos, sem expressão. Seus olhos estavam tão apagados que era impossível saber no que pensava. O apartamento, com apenas Eunha dentro, estava silencioso como uma sala de leitura vazia. Ela ficou imóvel por muito tempo naquele silêncio, como se estivesse congelada.

    Rrrr…

    O celular que repousava sobre o joelho começou a tocar. Era uma ligação de Jehwi. Eunha colocou o copo na mesa em frente ao sofá e atendeu.

    — Alô?

    — Ah, senhorita. Tudo bem ligar agora?

    — Pode falar.

    — Não é nada demais. Só fiquei preocupado se alguém apareceu aí na sua casa.

    — Ninguém veio. Eu também saí um pouco ontem.

    — Que alívio… Perdão? Você saiu ontem?

    — Sim.

    — Sozinha?

    — Sim.

    — Por que não me ligou?

    Eunha ficou em silêncio por um tempo e piscou algumas vezes. Ele faria um escândalo se soubesse que ela foi a uma festa a convite do Maestro. Jehwi já parecia estar sobrecarregado com os repórteres, e ela não podia mencionar o Maestro.

    — Só dei uma volta perto de casa. Tá tudo bem. Não aconteceu nada.

    — Deu uma volta… Hmm… De qualquer forma, acho melhor evitar sair por enquanto. Como sempre, logo vai surgir outro escândalo. Igual da última vez, né? — Jehwi acrescentou. — Aliás, não saiu nenhuma matéria sobre você hoje. Do jeito que está, acho que tudo vai se acalmar em duas ou três semanas. Deve ser frustrante, mas aguente firme mais um pouco, senhorita.

    Eunha estendeu a mão para o copo que havia deixado sobre a mesa. A superfície fria do vidro estava coberta de gotículas. Ela tocou nelas com os dedos e abriu a boca de forma despreocupada.

    — Eu estou bem, mas sinto que devo me desculpar com você. Parece que continuo te dando trabalho mesmo com o contrato encerrado.

    — Perdão? Não diga isso, senhorita. Já falei várias vezes que eu, Park Jehwi, estou pronto pra sacrificar esta vida por você.

    Eunha deu uma risadinha diante do tom sério dele.

    — Está rindo? É sério, viu?

    — Tá bom, não vou mais rir — respondeu ela de forma despreocupada antes de levar o copo aos lábios. A água fria descendo pela garganta era reconfortante. Do outro lado da linha, ouviu Jehwi pigarrear.

    — Enfim, vamos pensar em coisas boas. É só esperar as coisas se acalmarem. Depois disso, você vai estar livre. Aí, só precisa fazer o que tiver vontade.

    — O que eu tenho vontade de fazer… — murmurou Eunha, quase para si. ‘Salvar as pessoas que ainda podia salvar, em vez de tentar salvar a mãe naquele dia’, era isso que ela queria. Nunca pensou em nada além disso. Quando o contrato com Si-u acabasse, também pretendia procurar pela vida que a mãe lhe falara. Mas agora que estava num ponto de virada, não sabia o que fazer. O que mais saberia fazer além de derrotar monstros?

    — Isso mesmo. O que quiser fazer. Tem incontáveis caçadores neste mundo além de você. Não precisa sair por aí procurando problema. Como disse, seu contrato já acabou.

    — Diferente de antes, o mundo moderno está saturado de caçadores. Então por que você insiste em continuar caçando?

    — …

    Eunha fechou a boca e não respondeu.

    Jehwi não via sua expressão e continuava com a voz animada: — O que você quer fazer primeiro?

    — …Eu… — Seus lábios se fecharam automaticamente no meio da frase. Eunha congelou com o celular encostado à orelha. Sentiu como se tivesse trombado de frente com uma parede depois de correr sem olhar para os lados ou para trás.

    — Qualquer coisa tá valendo.

    — …

    — Alô? Senhorita?

    — …

    Silêncio. Dava pra sentir a confusão de Jehwi do outro lado da linha.

    — Hm… Hmm… A pergunta foi difícil demais? Não tem problema. Vamos pensar em algo que você goste! Um hobby, talvez.

    “O que eu gosto…” Um vento frio entrou pela janela que estava entreaberta. Com o celular ainda na orelha, Eunha olhou para fora, como se atraída. Um prédio alto com uma placa azul. E as colinas silenciosas atrás dele.

    — Dá pra ver onde sua mãe está, daqui. Ali, tá vendo a colina atrás daquela placa azul?

    Um livro entrou subitamente no canto do seu campo de visão.

    Estilo Pet para Iniciantes – Estilização Básica

    Eunha pegou o livro que estava jogado num canto do sofá. Tocou a capa rígida e murmurou baixinho, quase sem perceber.

    — Cachorros.

    — Perdão?

    Flap…

    Eunha abriu o livro e murmurou:

    — Eu gosto de cachorros.


    Associação de Caçadores da Coreia.

    Era quase meia-noite quando o presidente da Associação, Daeyun, observava a vista adormecida de Seul através da janela.

    Tap, tap…

    Os dedos que tamborilavam no vidro gelado pararam. Ele pensava no pássaro branco que o visitara no dia anterior. Um pombo-correio. Era uma ave especial, domada por um Desperto específico.

    — Haverá um portão enorme em um mês, em algum ponto da costa sul.

    Foi o que o pombo-correio disse, batendo as asas. Daeyun prestou mais atenção no pingente em seu pescoço do que no conteúdo da mensagem. Um pingente redondo com uma asa gravada. Ele trabalhava no setor dos caçadores. Como não reconheceria? O pássaro branco falante e o pingente reluzente em branco eram símbolos da AGI. Soubera que haviam visitado a Coreia, mas seria verdade? Aqueles boatos de que participaram da festa organizada pela Associação alguns dias atrás, também…

    — …

    Daeyun se aproximou da mesa e olhou para a lista de convidados da festa. Cento e vinte e uma pessoas ao todo. Todos portavam convites autênticos. Nem era preciso dizer que os convites eram feitos de forma que não pudessem ser facilmente falsificados.

    “Por que fizemos uma festa à fantasia desta vez?”

    Se não estivessem usando máscaras, poderia vasculhar a memória e lembrar de cada rosto. Seria coincidência que a AGI visitasse a Coreia justamente na época da festa?

    — …Ugh.

    Daeyun largou a lista de convidados e suspirou ao se jogar na cadeira.

    — O que vai fazer?

    Alguém no canto da sala de reuniões falou de repente. Era o líder de equipe Gwanghyeon Kim, que aguardava em silêncio as ordens de Daeyun.

    Daeyun apoiou as costas das mãos sobre os olhos e se calou. Pensava mais uma vez no aviso da noite passada.

    — Vemos uma grande árvore. Uma árvore branca e inocente. Não poderá ser derrubada por um machado pesado, nem queimada por uma chama ardente. Os atributos seriam sagrado e árvore.

    Como toda profecia, suas palavras vinham em forma de enigma. Apenas uma dica fora dada ao final.

    — Atributos de trevas e fogo seriam eficazes.

    — Lembre-se. Trevas e fogo. — Com isso, o pombo-correio bateu as asas, se desfez como peças de pixel e se espalhou no ar. Sem deixar rastro, como se dependesse dele acreditar ou não.

    — …Existem mais de duas mil ilhas na costa sul. A gente não sabe quando nem onde vai surgir. Como diabos vamos nos preparar?

    Gwanghyeon suspirou fundo. Já estavam sem agentes suficientes para enviar aos Portões de Ruptura, e a lesão do Trapaceiro havia abalado as autoridades do setor de caçadores da Coreia.

    Daeyun permaneceu em silêncio enquanto pegava um cigarro grosso do maço ao lado. Gwanghyeon correu para acendê-lo e falou:

    — Solicitei à guilda Martelo a produção em massa de equipamentos com os atributos trevas e fogo… Mas se a profecia estiver errada, tudo vai acabar entulhado em depósitos.

    Gwanghyeon parecia preocupado com o orçamento colossal do pedido. Enfiou o isqueiro no bolso e comentou, desconfiado:

    — Será que essa tal AGI existe mesmo?

    Havia milhões de fãs pelo mundo gritando que a AGI era como heróis sem rosto, tipo os Vingadores da vida real, mas quantos os viram de verdade? Só existiam os rumores de que surgiam como cometas e desapareciam como o vento em locais de desastre, mas ninguém jamais disse conhecer seus apelidos reais.

    — Vai ver foi só uma brincadeira de mau gosto?

    Diante do tom cético de Gwanghyeon, Daeyun tirou o cigarro da boca e falou devagar:

    — …Você lembra da imensa fenda que se abriu em Santorini, na Grécia, há onze anos?

    — Não foi o primeiro portão de rank SSS do mundo? Claro que lembro.

    O desastre foi tão grande que Santorini permanecia fechada ao público até hoje, onze anos depois.

    — Se a AGI não tivesse enviado uma profecia, Santorini… não, a Grécia teria desaparecido do mapa.

    — Perdão? — Gwanghyeon piscou. — Quer dizer que a AGI esteve em Santorini naquela época?

    — Não sei se estiveram ou não. Mas disseram que um pássaro branco com um pingente de prata visitou a Associação deles exatamente três semanas antes da fenda se abrir.

    — …

    — Ouvi isso pessoalmente quando fui a Santorini por conta de um acordo há dois anos.

    — Desde então, os caçadores da Europa chamam as profecias do pássaro branco da AGI de Agrapha.1

    — Parece que um dos membros da AGI tem o dom da premonição.

    — Apesar de não sabermos quão específicas ou fragmentadas são as visões que essa habilidade fornece. — Daeyun bateu algumas vezes a cinza no cinzeiro e falou com pesar. — Senhor Kim.

    — Sim, senhor.

    — Recebi um aviso parecido há pouco tempo. Você sabe, né?

    — …

    Gwanghyeon ficou em silêncio. Daeyun recolocou o cigarro na boca e voltou a olhar pela janela, os olhos apagados.

    — Presidente, haverá um Portão Desconhecido em Pohang.

    Doutora Planta. Esse foi o aviso que ela deu. Daeyun sabia o quanto ela era competente e quanto tempo dedicara ao estudo dos Portões Desconhecidos. Mas, para ele, a alegação de Rose parecia mais um palpite do que uma profecia, já que Portões Desconhecidos não eram algo mensurável em pesquisas. Na verdade, os palpites de Rose já tinham errado inúmeras vezes.

    A bondosa monarca Rose. O Rouxinol da indústria dos caçadores. E…

    “A pobre mulher que até hoje repete uma pesquisa inútil por causa da dor de ter perdido a filha.”

    Era assim que muitos no meio viam Rose. E, para ser sincero, Daeyun era um deles.

    — Eu entendo, mas… Hmm.

    — Não, presidente. Dessa vez é sério.

    — …

    Daeyun estava no topo da Associação e não podia simplesmente investir milhares de agentes de alto nível com base em um palpite incerto. Os recursos eram escassos, e havia fendas de todos os tipos espalhadas pelo país.

    “Mas.”

    Daeyun soprava fumaça pela janela quando esmagou o cigarro no cinzeiro. O cigarro carbonizou a superfície branca e apagou-se.

    — Como resultado de ignorar o aviso da Doutora Planta, o Trapaceiro ficou ferido. Um Rank S, dos apenas seis que temos na Coreia…

    Daeyun encarou o cigarro apagado e murmurou em voz baixa:

    — E no fim das contas, ele ainda é só um garoto do ensino fundamental.

    — Senhor… — Gwanghyeon murmurou. Nuvens cobriram lentamente a lua. O silêncio tomou a sala de reuniões com apenas os dois no escuro. Em meio ao silêncio, Daeyun falou:

    — Sinto-me muito responsável. Sou o presidente da Associação. Como posso repetir a mesma tolice duas vezes? O senhor também pensa assim, não é, Sr. Kim?

    — …Sim.

    Gwanghyeon fez uma breve reverência. Um sorriso se formou nos olhos enrugados de Daeyun.

    — Ótimo. Maestro… não, chame a Doutora Planta. Sei que ela está cuidando do Trapaceiro, mas diga que precisamos dos dados da pesquisa dela. E de uma lista de caçadores com atributos de trevas e fogo. — A lua voltou a brilhar com força ao surgir entre as nuvens. Daeyun ordenou com uma voz firme — Prepare tudo o quanto antes.

    1. Agrapha, vem do grego e significa ‘não escrito’; são dizeres de Jesus que não são registrados nos Evangelhos canônicos. No contexto, é como dizer que as profecias são tratadas como ‘palavras sagradas’[]
    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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