Capítulo 90
— Hã? Estética canina?
Slurp.
Ayeon arregalou os olhos enquanto sugava o canudo da bebida.
Numa cafeteria perto da academia de Eunha, as duas almoçavam juntas pela primeira vez em muito tempo.
— Faz só uma semana. — Eunha enrolava o espaguete no garfo e respondeu de forma indiferente.
“Estética canina… Não combina nada com ela.” Ayeon piscou rapidamente os olhos grandes e redondos. Essa mulher realmente a surpreendia toda vez que a via.
— E você?
— Eu? O que tem eu?
— Queria saber se aqueles caras ficaram quietos desde então.
— Ohh. — Ayeon sorriu. — O que podem fazer? Se forem espertos, vão fingir que foi só um evento qualquer. Bom, se vierem atrás de mim, melhor pra mim. Tenho provas de que fui agredida. — Ayeon exibiu o celular com orgulho. Era uma selfie sua com os dedos em ‘V’ e o rosto coberto de hematomas. — Também gravei tudo. Ou seja, esse papo de que eu sou ladra tá tudo aqui.
Tap, tap.
Ao tocar algumas vezes na tela, a voz gravada de Verde saiu do alto-falante do celular.
— Foi você, não foi? Roubando meus itens.
— Como assim? Você tem prova de que fui eu?
— Não consigo pensar em mais ninguém além de você.
— Ei, moço. Isso é só o que você acha, não é prova.
Um diálogo entre inglês e coreano. Na época, eles se comunicaram sem problemas graças aos crachás, mas a gravação estava em inglês puro.
Ainda assim, era o suficiente como prova.
“…Ela é meticulosa”, pensou Eunha, observando Ayeon com um sorriso de canto. Era impressionante como ela conseguiu gravar aquilo mesmo sendo espancada.
— Ah, e aquele pó de fada que você venceu no leilão? Conseguiu entregar pro seu amigo direitinho? — Ayeon bateu palmas, como se acabasse de se lembrar, e guardou o celular.
Eunha tinha passado por um sufoco para conseguir aquelas fichas e venceu o leilão do pó de fada por um preço absurdo. Ayeon ficou chocada ao saber que ela daria o item de presente a um amigo.
— Sim. Acho que ele está melhorando. Mas não sei se é por causa do pó de fada.
— Oho. É mesmo? — Ayeon cruzou os braços, pensativa, e de repente abriu um sorriso e aproximou o rosto de Eunha. — Se colocarem pó de fada no leilão de novo no ano que vem, acho que vou participar. Se funcionar mesmo, dá pra vender caríssimo! Né?
— Talvez.
Ayeon iluminou o olhar diante da resposta seca de Eunha.
— Já que estamos nesse assunto, vamos juntas ao leilão de caçadores no ano que vem!
— Bom. Agora, eu…
Agora? Ayeon pareceu confusa com a frase inacabada de Eunha. Ela abaixou o garfo e ergueu a cabeça.
— No mês que vem, vou entrar em um curso profissionalizante e tirar licença de estética canina.
— Hã…?
“Curso profissionalizante…? Licença…? O que ela está falando?”
— Significa que não sei bem o que vai acontecer no ano que vem. — Eunha girava o canudo no copo de refrigerante enquanto falava. Ayeon abriu e fechou a boca sem saber o que dizer, até que saltou da cadeira ao cair em si.
— Não, espera. Tá dizendo que vai parar de caçar assim, do nada?
Eunha sugou o canudo em silêncio e olhou o celular.
12:43h
Estava na hora de ir.
— Vou indo. Tenho aula à uma.
— Quê?
— Até mais. — Eunha saiu apressada do café. Caminhar até a academia levava cerca de dez minutos. Ela conferiu no reflexo da vitrine de uma loja se o chapéu e a máscara cobriam bem o rosto, e seguiu para a academia.
— Espera!
Alguém correu em sua direção justo quando ela ia subir no elevador. Ao parar a mão que ia apertar o botão de fechar, um rapaz enfiou a cabeça pela porta que quase se fechava.
— Eh, Yura?
Yunho Han. Estudava na mesma academia que Eunha.
— Que alívio. Se você ainda está aqui, quer dizer que a aula não começou. Ufa. Corri tanto que nem vi as horas.
Camisa xadrez cinza estilosa e jeans. O rapaz com a ecobag preta sorriu com simpatia e se postou ao lado de Eunha. Estava no ano sabático de uma universidade renomada, fazia bicos dando aulas particulares e começara a estudar estética canina. O motivo de Eunha saber tanto sobre ele era simples: Yunho era o aluno mais popular da academia. Gentil e simpático com todos, era bem visto pelo diretor, professores e alunos.
— Voltando do almoço?
— Sim.
— Ah. Eu também. Onde você comeu? Tem algum lugar bom por aqui?
— Uma cafeteria no centro. Não sei o nome.
— Comeu o quê?
— Massa.
— Com quem?
— Uma amig… — Eunha ia responder ‘uma amiga’, mas parou e ficou em silêncio, encarando Yunho. Ele piscou, meio sem graça, depois coçou o pescoço e sorriu tímido.
— Ah, desculpa. Me meti demais.
— …
— É-É que… eu queria te conhecer melhor, Yura. Já que estamos na mesma turma…
Seus olhos fugiam, e as orelhas estavam vermelhas. Yunho pigarreou alto e lançou um olhar para Eunha.
— Uhm, Yura. Você tem namorado…?
Ding dong…
O elevador chegou.
— Ah, Yunho chegou! Guardamos seu lugar.
— Oh, ohhh… Oi — Yunho saiu correndo do elevador e olhou para trás. Depois, murmurou quase sem som para Eunha, que saía logo depois. — A gente se vê.
Yunho sorriu tímido e se afastou.
A aula começou a todo vapor, e Eunha, nervosa, tirou os instrumentos de tosa da bolsa. A instrutora observava cada aluno com atenção, dando conselhos e fazendo demonstrações.
— Oh, Yura. Você tem mãos rápidas. Já fez isso antes?
— Não, é a primeira vez.
— Nossa, parece que tem talento. Yura, acho que já pode parar de escovar e começar a treinar com tesoura amanhã mesmo. Se continuar nesse ritmo, vai tirar sua licença rapidinho! — elogiou a instrutora. Eunha piscou, um tanto atônita.
— Não exagero ao dizer que é a aluna mais talentosa que já ensinei. Dá pra ver pelo jeito que escova. E olha que faço isso há uma década.
Eunha abaixou os olhos e encarou a escova na mão, depois murmurou baixinho:
— …Obrigada.
Aperta.
Ela segurou a escova com mais força.
Ela saiu da sala com passos mais leves do que o normal depois da aula. A bolsa cheia não parecia nada pesada.
O caminho para casa era exatamente o mesmo de ontem. Nada havia mudado, então por que tudo parecia diferente hoje?
【Sr. Park】 【18:58】
Senhorita! Fiz arroz na panela elétrica, então não peça pé de galinha hoje, e coma direito!!
Também deixei uns acompanhamentos na sua geladeira, então coma :))
Era uma mensagem de Jehwi. Eunha encarou as mensagens na tela e depois digitou lentamente no teclado.
【Eu】 【18:59】
Ok
Obrigada
Logo depois, o celular vibrou com uma nova mensagem.
【Sr. Park】 【18:59】
ദ്ദി₍𝄐⩌𝄐₎
Um sapo corado dando joinha apareceu na tela. Era um emoticon que Jehwi usava com frequência.
— …Combina com ele.
Eunha sorriu de leve e guardou o celular.
Swaa…
Uma brisa fresca tocou suas bochechas. As folhas coloridas dançavam em seu campo de visão. Eunha passou a mão suavemente pelos cabelos negros esvoaçantes. O cheiro do outono pairava na ponta do nariz.
“…Está bom”, pensou, de repente. Sob o sol poente, Eunha apreciava a brisa quando voltou a andar devagar. No entanto…
— …?
Alguém a observava. Vinha de sua esquerda. Eunha virou-se naquela direção.
— …
— …
Um cachorro estava sentado sozinho perto de um poste de luz, encarando-a fixamente.
“Um husky? Não… Um malamute?”
Eunha se aproximou do cachorro como se estivesse hipnotizada. Apesar de uma estranha se aproximar, o cachorro não deu um pio, nem sequer piscou, e continuou sentado calmamente.
Olhando de perto, não parecia nem husky nem malamute. Tinha olhos azuis, mas o corpo branco lembrava um samoieda. Só que o pelo era curto, e o corpo esguio, semelhante ao de um cão de caça, era estranho. Seria um vira-lata?
— Que bonitinho — murmurou Eunha em voz baixa, ao se agachar. O cachorro piscou devagar, como se a entendesse. — Por que está sozinho? Onde está seu dono?
Swish, swish…
O rabo se mexia lentamente. Eunha olhou para o pescoço dele. Não havia nada que se parecesse com uma placa de identificação. Também não estava preso por coleira no poste ao lado. Pelo pelo limpo e por não correr ou latir para uma pessoa, provavelmente tinha dono…
Eunha, agachada no chão, fitava os olhos azuis do animal.
— …
Ao observar aqueles olhos azuis, de repente se lembrou de Si-u. Pensando bem, como ele estava? Talvez pressionado por seu olhar, o cão branco não se moveu, como se estivesse congelado. Até o rabo parou de balançar. Eunha sorriu em silêncio ao encará-lo.
— Desculpa por encarar. — Eunha inclinou levemente a cabeça. Seus longos cabelos negros escorreram como ébano. — É que seus olhos são lindos demais.
Seria só impressão sua? O cachorro pareceu se assustar, mesmo sem que ela o tocasse. Talvez estivesse estressado. Podia ser pelo tempo que passou com uma estranha.
— Tchauzinho, cachorrinho.
Justo quando estava prestes a se levantar…
Grp!
O cachorro branco, dócil até então, mordeu a barra da calça de Eunha.
【A criatura mítica Viajante Felino das Trevas grita — Larga ela, seu cachorro idiota! Ela já tem a mim!】
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