Índice de Capítulo

    — Yura, um momento.

    Alguém chamou Eunha quando ela estava prestes a sair da sala depois da aula. Era uma mulher de meia-idade com cabelo curto, uma das outras alunas que faziam o mesmo curso que ela.

    — Pegue isso.

    Ela estendeu uma pequena sacola de papel para Eunha. Havia potes de plástico empilhados dentro. Dava para ver acompanhamentos apetitosos como kimchi e vegetais em conserva pelas tampas translúcidas. Desde que soube que Eunha morava sozinha, ela continuava lhe dando acompanhamentos assim a cada dois ou três dias. Mas Eunha não conseguiu aceitar prontamente a sacola de papel que lhe foi oferecida.

    — Você já me deu comida da outra vez.

    — Qual é. Só estou te dando o que sobrou depois que mando pros meus filhos, então não precisa se sentir pressionada — disse ela, colocando os potes nas mãos de Eunha. — Ah, e as anchovas fritas que te dei da última vez, como estavam? Minha filha reclamou dizendo que tinha muita pimenta e estava apimentado.

    — Não, estavam deliciosas pra mim.

    Meh! Você é melhor que minha filha. — Ela riu e deu um tapinha leve nas costas de Eunha. Foi um contato físico repentino, mas não pareceu desagradável.

    — …Obrigada pelas comidas. — Eunha sorriu de leve e a encarou.


    Um boné enfiado até as sobrancelhas e tênis brancos. O reflexo de Eunha no espelho parecia apenas o de uma estudante universitária comum.

    Alguém disse uma vez que o ser humano é um animal de adaptação. Achava aquilo muito estranho no começo, mas agora estava bem acostumada. Parecia até que vivia assim havia muito tempo. Eunha encarou em silêncio a sacola de papel em suas mãos. O cheiro delicioso se espalhava pelo elevador.

    Décimo sétimo andar.

    Eunha desceu do elevador e parou diante da porta. Um bipe soou, e a porta se abriu. Como os sapatos de Jehwi não estavam no armário, ele devia ter voltado antes dela.

    — Cheguei.

    Lenço ergueu a cabeça com a voz de Eunha e logo correu até ela. Sem nem tirar os sapatos, Eunha se agachou para acariciá-lo com delicadeza. Ele abanou o rabo lentamente.

    — Está me dando boas-vindas? — Eunha sorriu de leve.

    Mesmo que Lenço não dissesse ‘Você voltou?’, aquilo bastava. A sensação de alguém a recebendo em casa. Ela tinha esquecido esse sentimento quente e confortável por muito tempo. Eunha encarou os olhos de Lenço e inclinou a cabeça da mesma forma, depois levantou levemente os cantos dos lábios. Dobrou os olhos suavemente em forma de meia-lua e falou em voz baixa:

    — Com você aqui, parece que a casa está cheia.

    No momento em que a mão de Eunha, que acariciava as costas de Lenço, tocou seu traseiro…

    — …!

    O rabo que abanava congelou. Lenço subitamente levantou o bumbum que estava encostado no chão e disparou para a sala de estar. Ao mesmo tempo, uma janela de mensagem surgiu assustadoramente rápido.

    【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas diz — Ora, ora, olha só esse cachorro convencido! Ele ousou recusar suas mãos? — e coloca as mãos na cintura, sem palavras.】

    【— Você não precisa cuidar desse cachorro ingrato. Vamos mandá-lo logo para o abrigo — ela sugere.】

    Eunha perdeu o alvo de seu carinho e retirou a mão parada no ar enquanto se levantava.

    “Tenho pena dele.”

    Ela vinha colando cartazes para procurar o dono original de Lenço, mas ninguém havia entrado em contato. Jehwi estava procurando um abrigo adequado, então de qualquer forma, ela não poderia passar muito tempo com Lenço no futuro. Queria ser boa com ele enquanto estivesse por perto, e achava que até tinha ficado bastante próxima dele.

    — Lenço, vamos tomar banho.

    — …!

    …Embora ele às vezes a olhasse com um certo ar de desconfiança.

    E naquela noite…

    — Lenço, vem aqui.

    Eunha se sentou no tapete do quarto e bateu no espaço ao lado. Mas os olhos azuis do cachorro a observavam com desconfiança. Pelo visto, ele tinha percebido a escova que Eunha escondia atrás das costas.

    — Tudo bem. Vou ser cuidadosa, não vai doer nada.

    — …

    — Vem. Bom garoto.

    — …

    Só então Lenço se aproximou cautelosamente. Ainda parecia desconfiado, mas o modo como baixava o rabo ao se aproximar de Eunha transmitia gentileza. Como ele se recusava com o corpo todo sempre que ela preparava a água do banho, o jeito era escová-lo, ao menos.

    — Bom garoto — murmurou Eunha em voz baixa enquanto acariciava sua cabeça antes de começar a escová-lo. O modo como ele abanava o rabo devagar, apesar da expressão indiferente, era tão fofo que ela não conseguia parar de sorrir. — Não dói, né? — perguntou Eunha devagar, enquanto penteava o pelo com cuidado. — Na academia me elogiaram dizendo que sou boa com escova. Disseram que tenho talento. Você acha que é verdade? — acrescentou num tom suave, sem parar de escovar. Claro, Lenço não respondeu. Mas Eunha voltou a abrir a boca com uma expressão relaxada. — Espero que sim.

    Os olhos azuis dele olharam de relance para Eunha. Era muito estranho, pois seus pensamentos escondidos escapavam dos lábios sem que percebesse sempre que encontrava aquele olhar. Achava que Lenço a ouviria, fosse o que fosse. Sem desprezo ou pena; simplesmente como era. Talvez fosse por isso.

    —Yura, se você estiver disposta, que tal ir com a gente até a Associação? Eu me sentiria muito mais tranquilo se você fosse com a gente.

    De repente, ela se lembrou da proposta de Junhwan. Pensando bem, também tinha esquecido completamente de retornar o contato.

    Depois, as palavras do instrutor durante a aula daquele dia também vieram à mente.

    — Coincidentemente, estamos no período de inscrição para a prova teórica. Que tal tentar? A prova teórica é bem mais fácil do que a prática, então tente sem pressão.

    — Tenha confiança. Você vai ser uma boa esteticista de cães, Yura.

    A mão de Eunha escovando o pelo de Lenço foi desacelerando aos poucos. Ela se lembrou dos rostos das pessoas da academia com quem agora se dava bem. Tentou imaginar a si mesma entre elas, agora mais habilidosa na escovação. Logo, Eunha parou de escovar de repente e murmurou baixinho, como se repetisse para si mesma:

    — …Achei que não haveria nada que eu pudesse fazer além de matar monstros.

    A luz laranja do abajur que iluminava o quarto formava sombras nas paredes. De repente, os olhos azuis de Lenço se voltaram para Eunha. Ela sentiu como se seus olhares tivessem se encontrado. O vento da noite passou pela janela entreaberta. Eunha ergueu o rosto na direção das cortinas que balançavam. O vestido negro profundo pendurado sozinho no puxador do armário… ela já começava a esquecer a última vez que o usou.

    — Eu…

    Talvez por isso, Eunha pensou pela primeira vez…

    — Talvez eu possa continuar vivendo como Yura Lee assim.


    No meio da noite, quando até a lua se escondera no céu, o cachorro branco se levantou com o som do carpete sendo arrastado. Seus olhos azuis como gemas se voltaram para a cama.

    Apenas o som suave da respiração preenchia o ambiente, junto aos ruídos ocasionais do cobertor se mexendo. Uma sombra tênue foi projetada sobre o rosto adormecido de Eunha.

    A sombra, que era fina a princípio, foi crescendo até se tornar gigantesca, sem emitir um som sequer. Logo, a figura humana da sombra se inclinou silenciosamente ao lado da cama de Eunha.

    — …

    A lua, que estava escondida atrás das nuvens, surgiu no céu, e o quarto escuro foi se iluminando pouco a pouco. Já não era mais o cachorro branco que aparecia à vista, mas Si-u, com seus cabelos negros. Si-u curvou levemente o tronco e observou em silêncio o rosto adormecido de Eunha.

    “Lenço foi demais.”

    Si-u apenas torceu levemente os lábios, como se não tivesse gostado. Não falou em voz alta, com receio de acordá-la.

    O rosto que estava envolto em sombras voltou a ser iluminado pela luz da lua. Si-u olhou para o rosto adormecido de Eunha e sorriu discretamente. Era a primeira vez que via Eunha dormindo desde que ela fora hospitalizada. Na época, não teve tempo de observá-la de perto, mas agora que via com atenção, o rosto adormecido dela era completamente diferente da Eunha que Si-u conhecia até então.

    Não… Não. Pensando bem, o que Si-u não conseguia imaginar não era só o fato de o rosto adormecido de Eunha parecer gentil. Enquanto ficou na casa de Eunha como ‘Lenço’ ele viveu situações que nunca tinha imaginado. Como Eunha não fazia ideia de que o cachorro era Si-u, ela fazia coisas inacreditáveis, como lhe dar ração ou jogar petiscos e mandar ele buscar. Mas o mais chocante de tudo foi quando ela tentou colocá-lo na banheira e lavá-lo pessoalmente.

    “Aquela foi por pouco.”

    No momento em que a mão dela tocou sua barriga, ele quase ativou sua forma de criatura mítica. Nunca tinha se sentido tão encurralado desde que se tornou uma encarnação. Mesmo agora, só de lembrar, o momento era tão vertiginoso que o fazia despertar. Si-u cobriu os olhos com as mãos grandes e passou-as secamente pelo rosto várias vezes no quarto escuro.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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