Capítulo 94
— Eu… Senhor, quando é que vai parar com isso?
Jehwi tinha percebido logo de cara que Lenço era Si-u e se preocupava com ele. Devia ter momentos em que se preocupava com o que Eunha faria, sem saber que Lenço era Si-u, mas também era porque conhecia bem a relutância de Si-u em usar sua habilidade de encarnação. A encarnação era uma das habilidades especiais, que incluía poderes únicos, concedidas à encarnação exclusiva. Normalmente, envolvia mudar a aparência para se assemelhar ao ser com quem haviam feito contrato.
— Só vou observá-la e depois vou embora.
— Mas ela realmente acha que você é um cachorro.
— Claro. Enfim, mantenha a boca fechada.
— Mas…
Si-u já sabia que não tinha tempo para ficar ali brincando de cachorro. Mesmo assim…
— …
Si-u ergueu um pouco o tronco enquanto observava em silêncio o rosto adormecido de Eunha. Precisava mesmo voltar agora. Ficou imóvel sob a luz destacada da lua e então saiu do lugar sem fazer um som.
— …?
Quando Eunha abriu os olhos de manhã bem cedo, esfregou os olhos enquanto encarava o carpete vazio debaixo da cama. Lenço havia desaparecido durante a noite.
“Onde ele foi parar?”
Ela foi até a sala de estar e olhou debaixo da mesa, no banheiro, no closet e até na varanda, mas não havia sinal de Lenço em lugar nenhum. A porta da frente estava bem trancada. Mesmo sem chave, era possível abri-la por dentro, mas não dava para imaginar facilmente um cachorro girando a maçaneta e saindo sozinho.
Eunha pegou o celular e ligou para Jehwi.
— Senhor Park. O Lenço sumiu.
— Sumiu?
O rosto de Eunha se endureceu com a reação indiferente. Abriu a boca de novo, como se o estivesse repreendendo:
— O cachorro desapareceu. Sozinho, sem coleira nem placa de identificação.
— Ah. — Só então Jehwi continuou, agora com um tom aflito: — E-Eu entendo. É natural você estar preocupada. Mas não se preocupe com o Lenço. Eu encontrei ele na rua hoje de manhã e pedi para um conhecido cuidar dele.
— …O quê? — Eunha franziu levemente a testa. — Então está dizendo que ele abriu a porta sozinho e saiu?
— Parece que sim. E eu acabei encontrando ele do lado de fora por acaso.
— …
Eunha fechou a boca. Lenço saiu sozinho de casa, encontrou Jehwi por acaso fora do prédio e foi confiado a alguém que ele conhecia? Parecia extremamente improvável.
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas relaxa ao saber que ele foi embora de qualquer forma.】
【Agora, ela diz que basta ventilar a área do fedor de cachorro e te manda abrir logo as janelas.】
Eunha ignorou a janela de mensagem amarela diante dos olhos e voltou a falar ao viva-voz do celular:
— Você disse que um conhecido está cuidando dele, certo? Posso ver com meus próprios olhos?
Se Jehwi estivesse dizendo a verdade, ela poderia se tranquilizar, mas primeiro precisava confirmar que Lenço estava seguro.
— Vou pedir para ele tirar uma foto agora — respondeu Jehwi antes de encerrar a ligação. Cinco minutos depois, ele realmente enviou uma foto pelo aplicativo de mensagens.
【Sr. Park】 【09:03】
<Pic.jpg>
Aqui.
Parece bem à vontade, né? Não precisa se preocupar.
Posso te mandar fotos sempre que quiser ₍𝄐 ̫𝄐₎
Eunha tocou a foto enviada por Jehwi e a ampliou. Um cachorro branco estava encolhido em algum lugar que parecia um escritório. Julgando pelos olhos azuis, parecia ser o mesmo Lenço que Eunha conhecia. Ao confirmar com os próprios olhos que Lenço estava seguro, finalmente pôde ficar mais tranquila, embora o mistério de como ele saiu sozinho do apartamento ainda permanecesse.
Último andar da sede da Administradora Lua Prateada.
— Pronto. — Jehwi terminou de tirar a foto e largou o celular. O cachorro branco, sentado docilmente à janela, finalmente voltou à forma humana, à forma de Si-u, com um brilho azul ofuscante.
— Eu tenho mesmo que fazer isso? — Si-u resmungou baixinho enquanto ajeitava a gravata frouxa. Ele usou sua encarnação na casa de Eunha por vontade própria, mas agora parecia não gostar da situação.
— Não temos escolha. A senhorita Yura está perguntando sobre o Lenço… cof, digo, sobre a sua segurança. Preciso tirar essas fotos pra tranquilizá-la. — Jehwi coçou a bochecha e sorriu sem graça. — Ela disse que quer fotos regulares pra saber se você está bem, então por favor coopere, senhor.
— …
Si-u parecia não entender aquilo nem um pouco, mas também não explodiu. Apenas fechou a boca com um semblante contrariado e cruzou os braços.
— Por que ela se preocupa tanto com um cachorro que encontrou na rua?
— O Lenço… digo, ela sorria muito quando via você. Nunca tinha visto ela sorrir daquele jeito antes. Não durou muito, mas ela deve ter te considerado parte da família.
Jehwi salvou a foto de ‘Lenço’ no celular e sorriu.
— Vá vê-la com frequência.
— …Eu vou por conta própria. — Si-u virou o rosto bruscamente na direção da janela. A resposta foi espinhosa, mas Jehwi não apagou o sorriso dos lábios.
“É tão desonesto.”
Desde que provou sua força diante de Gwihun, estava sob menos pressão, mas Gwihun ainda mantinha olhos e ouvidos ao redor de Si-u. E claro que Si-u sabia disso. Mesmo assim, ele escolheu ficar ao lado de Eunha depois de conseguir despistá-los, chegando ao ponto de encarnar para isso. A princípio, só pretendia vê-la e voltar. Porém…
— Disseram que tenho talento.
Eunha sorriu de leve enquanto falava sobre o que aconteceu na academia. Foi um sorriso que Si-u Shin nunca tinha visto.
— Espero que seja verdade.
Ele tentava se lembrar com nitidez do tom da voz dela ao murmurar e de sua expressão. Como se dedicava às aulas na academia. Como sorria sem jeito quando recebia elogios da instrutora. Como voltava pra casa e passava a noite acordada escovando o pelo dele. E…
— Por favor, cuide do Lenço.
Até de como correu sem hesitar em direção ao portão que surgiu em frente à academia. Aquela era a Eunha que Si-u viu. Alguém que sabia estender a mão de bom grado se houvesse alguém precisando de ajuda à sua frente. E agora, essa pessoa estava sonhando com uma vida diferente.
— Vou indo. Se ela pedir outra foto, volto depois.
— Espere. — Si-u interrompeu Jehwi de repente. — Aquela convocação de rank S. Era depois de amanhã?
— Como é? Ah, era sim… O senhor Choi provavelmente recusou com educação.
— Diga que eu vou.
— …Como disse?
Jehwi piscou, como se não tivesse escutado direito. Si-u manteve os olhos fixos na janela e repetiu:
— Eu vou. Para a Associação.
— V-Você está falando sério?
— Mas diga que tenho uma condição.
Os olhos azuis de Si-u se voltaram para Jehwi.
— Diga que o Lobo Branco quer um encontro cara a cara com o presidente da Associação. Sem os outros ranks S. E certifique-se de que a Lobo não fique sabendo — acrescentou friamente.
Jehwi parecia não acreditar de verdade no que estava ouvindo. Com razão, pois Si-u havia visitado a Associação como o Lobo Branco apenas algumas vezes.
— Posso perguntar o motivo dessa mudança repentina? — Jehwi perguntou com cautela, lançando um olhar a Si-u. Si-u encostou no vidro e observou com indiferença a paisagem de Seul.
— Talvez eu possa continuar vivendo como Yura Lee assim.
Si-u olhou para fora por um tempo e, lentamente, remexeu os bolsos. Um pequeno pote de pomada, todo amassado.
— Só… porque sim.
Segurando o tubo na palma com discrição, Si-u lançou um olhar a Jehwi.
— Um capricho.
Um hospital universitário perto da sede da Legião. Uma sombra enorme entrou na enfermaria no segundo andar. Era Yuhwan, com seu manto. A parte de cima, que ele não exatamente vestia, mas apenas jogava por cima do corpo, deixava seu abdômen à mostra, e o que se destacava mais do que os músculos definidos eram as cicatrizes que cruzavam diagonalmente por ali. Ele vasculhou a enfermaria bagunçada com os olhos e encontrou o olhar cansado de Rose em meio às montanhas de materiais sobre a mesa.
— Chegou? Tá meio bagunçado. Senta em algum lugar aí.
— E o garoto?
— Tá melhorando aos poucos.
Rose prendeu o cabelo bagunçado e se levantou da cadeira. Tirou o jaleco que estava sobre a poltrona e fez um gesto para Yuhwan, como se dissesse para ele se sentar ali.
— Se não houver nenhum imprevisto, ele provavelmente vai abrir os olhos em alguns dias.
— Que bom — respondeu Yuhwan, seco, sentando-se na cadeira e lançando um olhar para Rose. Ela tinha prendido o cabelo crespo para cima e estava pálida, como se fosse desmaiar a qualquer momento. Devia estar virada há dias no trabalho. — O garoto estabilizou, então por que você não descansa também? Não tem que ir pra Associação amanhã?
Rose balançou a cabeça diante das palavras de Yuhwan.
— Ainda tenho coisa pra fazer.
— E se você desmaiar, ou…
— Você ouviu o boato de que a AGI visitou a Coreia recentemente, né?
Clack.
Rose cortou Yuhwan e abriu um armário próximo para pegar um frasco. Depois, despejou as cápsulas na palma da mão. Yuhwan não sabia o que eram, mas presumiu que fossem vários tipos de vitaminas e nutrientes.
— E também deve saber que não é só boato.
Rose ergueu os olhos e olhou para Yuhwan depois de jogar tudo na boca com um copo d’água.
— …Parece que entregaram uma profecia para o presidente da Associação.
— Uma profecia? — Yuhwan respondeu, desviando o olhar do frasco de Rose. Sua expressão escureceu.
— É. O que chamam de Agrapha. Segundo eles, um portão enorme vai se abrir em breve no litoral sul.
De fato. Esse devia ser o motivo da convocação de emergência dos ranks S. Yuhwan ficou em silêncio por um momento, perdido em pensamentos, e então ergueu a cabeça lentamente.
— Rose, o que você acha?
Isso era o mais importante para ele.
— Concordo com metade do que disseram.
— Ou seja, você discorda da outra metade — murmurou Yuhwan. Ela se sentou em uma cadeira próxima e cruzou as pernas, depois os braços.
— Pode não ser só no litoral sul. Eu chutaria que…
Rose abriu lentamente a palma da mão.
— No máximo, cinco.
— …!
Os olhos de Yuhwan tremeram.
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