Capítulo 10 — Teatro das Máscaras [2]
Desde o começo do último ato, eu havia percebido algo. Nada era real. As pessoas ao meu lado, que mais pareciam manequins sem vida. O local, a forma do teatro, não passava de um tipo de ilusão e… nada mais.
A verdade se mostrava fria. Queria retirar a máscara, mas não o fiz. Uma realização sombria emergia pelos meus lábios. Quando escutei a voz estranha projetar em meu ouvido e uma janela estranha aparecer na minha frente.
『Relíquia esquecida assimilada. 』
“Relíquia?” Olhei de um lado para o outro buscando respostas, o mundo ainda estava parado, como se o tempo estivesse congelado.
‘Bom… isso parece como um jogo?’
Ponderando por alguns instantes, arqueei meu corpo para frente e me levantei, caminhando até o palco. Lá de cima, tive uma ideia melhor da situação como um todo. Afinal, a vista de todos os manequins brancos, de cima do palco, só lembrava uma coisa.
Um mar tingido de branco.
“Bom… como eu deveria fazer isso?”
Experimentei algumas opções, chamei por status, informações, tela e coisas do gênero. Mas em todas, sempre estava errado. Nada acontecia.
“Como se faz? Telinha! Apareça logo!”, gritei, mas nada adiantou. Minha voz apenas ecoou pelo teatro. Sem nenhum resultado.
‘Será?’
Me lembrei do chamado dentro da tela, por algum motivo, as coisas começaram a se encaixar, como se uma chave tivesse sido virado na minha cabeça. Em um ‘click’ suave. Uma opção se abriu.
“Inanis Essentia?”
Uma tela finalmente se materializou na minha frente, ainda borrada, tentei tocar com a minha mão, mas passou direto. Se afastando, foquei em tentar decifrar o que estava escrito e pouco a pouco foi se tornando mais nítido.
『Informações do Adormecido』
[Nome Verdadeiro]
➣ ■■■■■■■■
[Arquétipo]
➣ Anomalia
[Atributos]
➣ Transmigrador, Filho do Desconhecido, ■■■■■■■■
[Estágio do Devaneio]
➣ ■■■■■■■■
[Aspectos do Nome Verdadeiro]
➣ ■■■■■■■■
[Relíquias]
➣ Máscara dos Erros
『Informações do Adormecido』
Eu não entendia tal idioma, o alfabeto era diferente de tudo que eu já havia visto, entretanto, eu o compreendia, conseguia ler e decifrar cada nuance estranha. Era como se as informações fossem implantadas diretamente na minha mente.
As letras, compostas por espirais e ângulos impossíveis, formavam palavras que ressoavam um significado latente. A tela se estabilizou, flutuando a um metro de distância do meu rosto, emitindo um brilho pálido e etéreo sem sombra.
『Informações do Adormecido』
[Nome Verdadeiro]
➣ ■■■■■■■■
[Arquétipo]
➣ Anomalia
[Atributos]
➣ Transmigrador, Filho do Desconhecido, ■■■■■■■■
[Estágio do Devaneio]
➣ ■■■■■■■■
[Aspectos do Nome Verdadeiro]
➣ ■■■■■■■■
[Relíquias]
➣ Máscara dos Erros
『Informações do Adormecido』
Cada palavra, parecia um enigma envolto de um mistério. O que significava essa censura? Estágio do Devaneio? Meu nome verdadeiro parecia obscurecido como se estivesse bloqueado.
‘Certo… Eu posso me concentrar nos outros…’
Transmigrador. Como eu já sabia, este não era o meu mundo, eu estava em um local que não conhecia. Filho do Desconhecido, nada me vinha à mente, parece ser apenas um amontoado de informações jogadas ao vento.
‘O que significa arquétipo anomalia? Bom, anomalia normalmente se refere a algo estranho, mas e a ideia de arquétipo? Preciso pensar mais sobre isso depois…’
Finalmente, aquilo que mais me chamou a atenção.
‘Máscara dos Erros… Naquela hora eu quis a tirar, mas não o fiz, por que mesmo?’
Levei minhas mãos até o meu rosto, esperando sentir a textura da máscara, mas não havia nada. Apenas a sensação da minha própria pele, fria. No entanto, ainda sim, consegui sentir algo estranho. Pois, a sentia comigo.
‘O que eu faço?’
“Talvez isso funcione… Máscara dos Erros!”, recitei, testando uma opção e logo percebi uma outra tela surgindo.
『Máscara dos Erros』
[Classificação]
➣ Desconhecida (1/8)
[Descrição]
➣ Quando o erro se torna fundamento e o impossível se concretiza, nasce o colapso da verdade. “Ele” sabia disso, ele tornou assim. E pela vontade “Dele”, onde há certeza, há os lapsos da mentira, onde há espaço e tempo, também há falhas.
[Habilidade]
➣ Espectador da Verdade: ■■■■■■■■
➣ ■■■■■■■■
A descrição era completamente insana. Li e reli as palavras inúmeras dela, mas em nenhuma delas, consegui aprofundar o que estava escrito.
‘Quando o erro se torna fundamento… O que isso significa? “Ele”, quem é “ele?” Uma entidade estranha? Deus?’
“Hum…”
Desviei o olhar para o ambiente, ignorando a tela à minha frente. Até que formulei algo e engoli em seco a saliva que se juntava na boca.
A verdade atravessou a minha pele, como um alfinete fino. As palavras ‘ele sabia disso, ele tornou assim’, uma hipótese se ergueu nos confins da minha consciência. Este local, assim como eu suspeitei, talvez não fosse real.
Era uma falha, uma falha onde a mentira era fundamental tanto quanto o tempo e espaço.
‘Isso explica os manequins e a ilusão do teatro… Mas por que logo eu fui arrastado até essa grande mentira? E por que logo quando eu apareci, a peça se tratava sobre mim?’
Meu foco retornou para a tela, observei a primeira habilidade da máscara em silêncio, ‘Espectador da Verdade’. Era um nome simples, mas também me lembrava algo como uma promessa. Uma ferramenta em potencial para navegar no mar da incerteza.
‘O que significa ser um espectador da verdade?’
Bom…
‘De certa forma eu sei o que é ser um espectador, afinal, assim como essa situação, eu não participei dela, não fui um ator da minha própria história. Eu era apenas um espectador. Desvendando a própria história.’
“Espectador da Verdade”, murmurei, testando as palavras na língua. A tela não mudou. Nenhuma nova informação surgiu. Talvez não fosse um comando de voz. Talvez fosse algo mais conceitual.
‘Se eu sou um espectador, o que eu deveria observar?’
Desci do palco, meus passos ecoavam com uma clareza desconfortável. Caminhei lentamente pelos corredores, entre as fileiras de assentos ocupados pelos manequins. Seus rostos eram idênticos, lisos, sem expressão, virados ao palco vazio.
‘Um tipo de plateia perfeita para uma peça eterna.’
Parei ao lado de um deles, um homem com um terno pintado de branco. Sua postura era rígida, a cabeça levemente inclinada. O que aconteceria se eu tentasse interagir? Estendi a mão, mas hesitei centímetros antes de seu ombro.
‘O que eu estou esperando disso? Gesso frio? Algo novo?’
Pensei no Espectador da Verdade. Não se tratava de tocar, mas de ver. Fechei os olhos por um momento, me concentrando na intenção por trás do nome. Eu queria ver. Ver o que era real, por baixo da casca. Ver a sua falha.
‘Me deixe ver…’, pensei com toda minha vontade direcionada ao manequim à minha frente. ‘Me mostre a verdade.’
Abri os olhos. Mas nada mudou. O manequim continuava ali, parado, apenas um pedaço de gesso pintado. A frustração era uma onda amarga, um gosto metálico na boca. Minha tentativa, tão carregada de intenção, se dissipou no ar estagnado do teatro.
‘Falhou… Por quê?’
Recuei um passo, analisando não o manequim, mas a mim mesmo. Meu método. Eu estava agindo como um interrogador, tentando arrancar uma confissão da realidade. Talvez o nome da habilidade fosse mais literal e menos estranha do que eu pensava.
Espectador.
‘Um espectador não força a cena, ele apenas a observa. Assiste e anota os detalhes que os atores, imersos em seus papéis, deixam passar.’
Então…
‘Eu não devo forçar a vista, eu apenas preciso… ver.’
Era uma distinção sutil, mas que parecia ressoar com a lógica distorcida do lugar. A máscara não havia me dado um martelo para quebrar a realidade e ver seus cacos, ela me deu um assento na primeira fila para observar suas costuras.
‘Isso é definitivamente algo estranho para se pensar…’
Com essa nova perspectiva, relaxei minha postura. Deixei meu olhar vagar, sem foco, sem intenção pelos manequins. Em vez de procurar uma resposta em um único ponto, permiti que a totalidade da cena fluísse para dentro de mim.
Desde o palco de madeira, os assentos de veludo vermelho empoeirado, as cortinas pesadas e, claro, o mar de máscaras brancas e lisas. Eu não estava caçando a verdade, apenas esperando que ela se revelasse. E logo percebi.
‘Ali está…’
Não foi uma mudança drástica. Apenas um simples piscar de olhos, uma mudança dentro da monotonia. Na terceira fileira, um dos manequins parecia diferente. Sua cabeça estava inclinada num ângulo um pouco diferente dos outros.
‘Uma imperfeição trivial, algo que eu e qualquer outra pessoa ignoraria… Mas, para o olhar do espectador, essa mínima discrepância parece gritar.’
Fixei minha atenção naquele ponto, não com a força de antes, mas com uma curiosidade passiva. Eu apenas observei. E enquanto observava, a habilidade parecia responder.
A realidade ao redor do manequim tremeu, como o ar sobre o asfalto quente. Finas, quase invisíveis, fissuras douradas começaram a aparecer no ar aos seus lados. Elas não eram físicas, mas sim conceituais.
‘Falhas, falhas na tapeçaria desse erro.’
Através daquelas rachaduras, não consegui distinguir o que estava por trás, mas sim a própria natureza do manequim. Ele não era feito de gesso ou qualquer outro tipo de matéria física. Parecia ser feito de… conceito.
Semelhante a uma ideia de ‘espectador’ solidificada, uma linha ilusória que parecia dizer ‘deve haver uma audiência’. Era oco, não apenas fisicamente, mas existencialmente.
‘Uma casca vazia preenchendo um papel…’
A visão durou apenas um único segundo antes das fissuras se fecharem e a realidade se estabilizar. Mas a compreensão permaneceu. A tal habilidade, Espectador da Verdade, não me mostrava um mundo oculto, mas sim, a estrutura do engano.
Com uma nova óptica, comecei a testar a habilidade. Olhei para o assento de veludo e vi as linhas de conceito que o definiam como ‘assento de teatro’. Observei as paredes e vi a intenção por trás da ‘parede’, um limite imposto para conter o cenário.
Tudo parecia fazer parte de um argumento, proposição e eu conseguia a ver. Um sentimento de excitação percorreu o meu corpo. Meu olhar se voltou ao palco. Aquele espaço sagrado onde a peça sobre a minha vida tinha se desenrolado.
‘O palco… posso encontrar respostas no palco.’
Se tudo aqui era uma construção, o palco deveria ser o ponto de foco, o lugar onde a ilusão era mais forte e, talvez por isso, mais suscetível a falhas. Caminhei de volta, subindo os degraus com um propósito renovado.
Desta vez, não procurei por nada em específico. Apenas parei no centro e ‘abri’ a minha percepção. Logo, o mundo se dissolveu em um emaranhado de linhas douradas. Os conceitos ‘madeira’, ‘cortina’, ‘luz’ piscava como um ‘código-fonte’.
‘Não… não!’
Uma forte dor que parecia se intensificar por toda minha mente surgiu, era avassaladora, eu estava me sobrecarregando com as informações, tanto que ameaçavam fragmentar a minha mente.
Fechei os olhos com força e inspirei fundo.
‘Foco. Não em tudo. Apenas no que está fora do lugar.’
Soltei o ar e quando os abri novamente, filtrei o ruído. Procurei pela mesma sensação que o manequim tinha. A sensação de algo… errado. E lá estava. Perto da lateral do palco, onde o autor ficaria, havia uma pequena caixa de madeira no chão.
‘Uma caixa de ponto?’
Esse era o lugar onde os atores recebem suas falas esquecidas. Em meio a todo o teatro, um lugar definido pela performance e pela ilusão, a caixa do ponto era um elemento de suporte, um lembrete de que a peça não era autônoma.
‘Um sistema de correção… Uma falha planejada.’
As fissuras ao redor da caixa eram mais densas e brilhantes. Pulsar com uma luz suave, enquanto guardavam algo ali, uma verdade concentrada. Me aproximando, agachei rapidamente e usando o Espectador da Verdade, olhei para a caixa.
Eu podia notar o conceito de ‘madeira’, e de ‘caixa’, mas havia algo mais. Um conceito alienígena sobreposto entre eles. Uma intenção que não pertencia à lógica do teatro.
“Aí está…” Um sorriso se formou nos meus lábios.
Estendi a mão, desta vez não para tocar a madeira, mas para interagir com a falha que eu via. Minha mão atravessou a superfície ilusória e tocou algo. Quando retirei a mão de dentro da caixa, tive uma ideia do que era.
Entrelaçado aos meus dedos repousava uma única peça, escura e estranha de xadrez.
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