Capítulo 14 — Jardins Oníricos
A brisa era suave, alcançava cada parte do meu corpo em uma sinfonia revigorante. O céu, escuro, cintilava com inúmeras estrelas reluzentes. Simplesmente olhar para cima, acalmava todos os meus pensamentos.
‘Onde eu estou?’
Certo, eu tinha algum tipo de ideia. A provação havia acabado, então… Eu estava de certa forma livre. Não que mudasse muito a situação estranha que me envolvi.
“Inanis Essentia.”
E logo, aquela mesma tela estranha anterior apareceu na minha frente, só que, dessa vez, novas informações surgiram, parecia finalmente completa
『Informações do Adormecido』
[Nome Verdadeiro]
➣ Fragmento Esquecido
[Arquétipo]
➣ Anomalia
[Atributos]
➣ Transmigrador, Filho do Desconhecido, Sem Rosto
[Estágio do Devaneio]
➣ Adormecido
[Aspectos do Nome Verdadeiro]
➣ Ego Estilhaçado
[Relíquias]
➣ Máscara dos Erros, Espelho Defeituoso
『Informações do Adormecido』
‘Agora apareceu tudo o que estava censurado… Talvez eu devesse aproveitar esse momento para buscar entender mais a minha situação…’
Sem muitas ideias de como desenvolver as peças desse quebra-cabeças, me sentei no chão, a grama, em contato com a minha pele, detinha um aspecto úmido. Finalmente sentia uma verdadeira sensação de ‘pertencer a algo’.
Bom, pelo menos, não havia nenhum daqueles malditos espelhos… Retornando meu olhar para a tela à frente, comecei a cogitar algumas coisas, meras hipóteses sem sentido.
‘Que tipo de história é essa? E, por que eu não consigo me lembrar do que aconteceu nela?’
Essas, no momento, eram as minhas principais indagações, mas não apenas elas. Qual era o significado do tal ‘Nome Verdadeiro’ e as outras coisas que apareceram? Nada ali, eu havia me aventurado anteriormente, apenas fiz suposições sobre o que os dois primeiros atributos simbolizavam.
‘Mas por que quebrar a cabeça pensando no que simboliza?’
Decidido, então, dei um último gole em seco, limpando a garganta e projetei baixo a minha voz:
“Fragmento Esquecido.”
Uma nova tela se formou, dessa vez, menor do que a anterior e extremamente semelhante àquela da máscara. Mas, diferente dela, o mundo parecia ter caído em um silêncio perpétuo. As estrelas lá de cima, sumiram com seus brilhos, enquanto meus olhos cada vez mais incrédulos liam o texto repetidas vezes.
『Fragmento Esquecido』
➣ Quando a morte se consolidou, ■ agiu. Aquele que até então permaneceu no silêncio em meio ao cataclismo, interviu. As ■ ruíram e os ■ caíram no esquecimento. ■ permaneceu, registrou e, com a própria essência, se fragmentou. Seu legado, eternizado, suas memórias abandonadas, a verdade que tanto procurou foi esquecida. E, no fim de seus atos, ■ foi o último a ruir.
‘O que isso deveria significar? Tem tantas lacunas… Nome Verdadeiro, o que exatamente seria?’
Como um leitor de webnovels, cheguei a uma conclusão. Comumente vista em histórias. O nome verdadeiro não significa realmente o nome daquilo e sim ‘o que aquilo representa’, semelhante ao que a máscara dos erros faz.
‘Mas diferente da máscara, eu não estou espiando dos outros e sim de mim mesmo.’
‘Certo, acho que depois posso prestar mais atenção nisso, vou verificar os outros resultados primeiro.’
Voltei minha atenção à tela maior, ainda havia algumas coisas que eu nunca havia lido, primeiro, os arquétipos, o que isso significaria? Na cultura popular, pelo que me lembre — se é que ainda são todas as minhas memórias. São assentamentos de personalidades fixas em comum.
‘Mas o que significa ser uma anomalia?’ Novamente, caindo num paradigma sem respostas.
Como todas as opções anteriores, recitei em voz baixa:
“Anomalia.”
Dessa vez, nada aconteceu, nenhuma tela nova, nem mesmo uma explicação apareceu. Esperei alguns instantes mas, ao contrário do que esperei, nenhuma resposta ou mais uma peça para esse quebra cabeça se formou.
‘Por quê? Por que isso é diferente do que as outras coisas?’
Qual era o sentido de os arquétipos serem diferentes?
“Arquétipo”, disse, esperando que dessa vez aparecesse, novamente, sem nenhuma resposta.
‘Pelo visto nada que eu fizer, chegará a uma resposta sobre isso, bem, tanto faz, tem outras coisas ainda que eu posso averiguar…’
“Transmigrador.”
Aos poucos fui perdendo as possibilidades quando nada mais acontecia, como se as respostas existissem, só não para minha influência.
“Filho do Desconhecido.”
*
“Sem Rosto?”
Nenhuma resposta.
De repente, uma dor atravessou a minha cabeça, como se uma agulha estivesse atravessando o meu cérebro, cambaleei, de um lado para o outro, até que, tudo escurecesse e eu escutasse o baque surdo do meu corpo na grama.
Era uma sensação estranha, minha consciência parecia divergir em duas linhas, dividida meio a meio. No começo, era uma sensação de extrema dor, mas, logo se tornou algo. Como um eco de pensamento que chegava uma fração de segundo atrasado.
Mas o eco do pensamento ganhou força, se tornando tão semelhante a um grito interior. A linha divisória que sentia, começou a dissolver, dando espaço a uma sensação de fissura e que se tornou um abismo.
‘O que está acontecendo?’
‘O que está acontecendo?’
À primeira vista, parecia tudo comum, mas no limite daquilo que eu conseguia escutar, coexistia uma segunda voz, quase que imperceptível em consonância com a primária, mas estava lá.
Tentei abrir meus olhos e uma explosão de luzes se seguiu. Meu corpo se tornou um boneco de porcelana quebrado por todas as partes. Junto disso, o maldito som que eu detestava tocou meus ouvidos.
Beep… Beep… Beep… Beep…
‘Um hospital?’
Dessa vez, a segunda voz foi mais rápida processando o som. A visão, aos poucos se acostumando com a luz ofuscante. Entretanto, tudo era duplo. Não via o quarto com dois olhos, mas com duas mentes.
Uma focava na poeira dançando no feixe de luz da janela, fascinada por sua aleatoriedade. A outra analisava o teto do quarto, sujo. O som da minha própria respiração se tornou uma sinfonia dissonante.
‘Escutar minha própria respiração duas vezes consecutivas… Isso é estranho… O que está acontecendo comigo?’
Beep… Beep…
Logo, uma pontada aguda de dor explodiu atrás dos meus olhos, não como uma dor de cabeça comum, mas a dor de dois objetos tentando ocupar o mesmo espaço. O pânico floresceu no meu peito, quente e desesperado.
Beep! Beep! Beep! Beep!
Em resposta direta ao meu pânico, o som do monitor cardíaco ao meu lado se tornou um lamento frenético. Os beeps curtos e agudos se sobrepondo em uma corrida caótica.
‘O que… está… acontecendo…?’
A porta do quarto se abriu com um clique rápido, e a luz do corredor se derramou sob uma figura de branco. Uma enfermeira. Seus olhos, cansados, mas também alerta, se fixaram no monitor e depois em mim.
“Ei, você consegue me ouvir?” A voz dela era calma, mas suas ações rápidas se aproximando, deixou-a com uma impressão firme, enquanto analisava o monitor.
Uma parte de mim queria gritar por ajuda, dizer a ela que meu cérebro parecia uma bagunça na sinfonia de dor que rompia cada pedaço da minha pele. Mas, não disse nada. Não, melhor, eu não conseguia falar.
Os impulsos que cada uma das consciências emitiam ao mesmo tempo, não conseguia formar sequer uma única palavra. Tudo parecia fora de lugar, e, realmente, estava.
‘Vamos lá, só me deixe tomar o controle.’
Tik.
Minha mente logo recebeu uma iluminação, como se os dois lados estivessem finalmente juntos novamente. Uma clareza limpa, que durante todo o tempo desde que acordei, não se realizava.
Ainda desacostumado, reuni forças e consegui finalmente dizer:
“Sim…”
Pisquei várias vezes, embora meu corpo ainda não acostumado com as novas sensações, percebi algo. A dor, era devido à todas as manchas de sangue e partes machucadas. Minhas costelas, embora não compreendesse exatamente onde estavam, pareciam diversas fraturas.
“Certo… Vou aplicar um sedativo para que você se sinta um pouco melhor, é melhor que não se mexa…”
No momento que me deparei com algo furando a minha pele, tudo escureceu novamente, tranquilizando automaticamente a respiração e tudo o que eu pensava…
A escuridão não era vazia. Era um breu denso, um espaço sem forma, onde o tempo parecia ter deixado de fluir. O som dos monitores cardíacos se foi, a imagem do quarto de hospital se desfez. Apenas eu permaneci.
Bom, nós. A dualidade, que antes era uma cacofonia dolorosa, agora se apresentava como duas presenças distintas flutuando no nada que permeava cada um de nós.
‘Quem é você?’, perguntei, não com a boca, mas com um pensamento. A pergunta ecoou no vazio, direcionada à outra consciência que compartilhava meu ser.
A resposta veio com uma voz semelhante à minha, mas, também diferente. Não era um eco, mas uma voz um pouco mais triste, com um timbre diferente da minha própria corrente de pensamentos. Era mais triste, mais solitária.
‘Eu sou uma parte de você. Mas também não sou.’
‘É e também não é? Isso é estranho…’
Ambos chegamos no mesmo resultado. Percebi que ele estava na minha frente, uma figura idêntica àquela que vi nos espelhos sendo referenciada como ‘Damian’.
‘O que você sabe sobre mim?’
‘Não muito, seria correto dizer que acabei de nascer.’
‘Entendo. Então… vou te dar um nome.’
A figura pareceu hesitar, se sentando no chão com uma expressão ainda melancólica. Mas, no fundo de seus olhos, havia algo a mais… Não conseguia decifrar, então apenas me sentei frente a ele, enquanto pensava em um nome.
‘É estranho…’
Me tirando do transe pensativo, sua voz me alcançou, levantando o olhar, encarei ele, antes de finalmente responder, com mais uma dúvida.
‘O que é estranho?’, disse, escutando mais uma vez sua voz.
‘Há uma parte da gente que eu não consigo decifrar… como se estivesse tão profundo em nossa consciência. Em um lugar onde ninguém consegue acessar…’
Isso era uma informação nova, embora eu já tivesse desconfiado sobre isso anteriormente, não havia em nenhum momento uma confirmação válida. Mas saber disso, não me ajudaria muito agora…
‘Como se fosse apagado forçadamente? Ou escondido por uma espécie de véu?’
‘Sim…’
‘Eu também sinto isso…’
Os olhos da minha figura, tristonha, pareciam sofrer com a escuridão que nos rodeava, olhando de um lado ao outro, seus braços tremiam suavemente e sua posição parecia enrijecida.
Mas eu já sabia disso… afinal, ‘Damian’ era claustrofóbico, embora não parecesse, essa escuridão parecia apertada, já ‘Eu’, não era o mesmo, eu sentia o seu medo primitivo, mas também não o sentia totalmente.
‘Decidi, seu nome será Aigle. Dessa forma, conseguiremos conversar sem nos confundirmos.’
‘Aigle…’, ele repetiu, parecendo um pouco mais feliz, embora não esbanjar totalmente. ‘Tudo bem, Damian, me chame por Aigle.’
‘Acho que estamos aos poucos nos conhecendo melhor.’
Assim, se seguiu as próximas horas no silêncio absoluto entre eu e Aigle. A monotonia silenciosa que se formou foi apenas substituída entre as habituais mudanças no modo como ele agia. Parecia que sua personalidade estava se formando, pouco a pouco, criando assim, uma nova identidade.
Até que a monotonia na escuridão se quebrou com meu corpo, pouco a pouco retornando ao seu estágio acordado e a penumbra se dissipasse.
*Nota: acredito que ainda hoje eu publique um segundo capítulo!
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