A voz do professor de matemática ecoava pela sala, mas Kaizhat mal prestava atenção. Ele encarava a janela, observando o mundo do lado de fora. O céu estava nublado, ameaçando uma chuva leve, e os alunos do andar inferior andavam apressados pelos corredores. Era engraçado como tudo parecia seguir um ritmo tão mecânico. Acordar, ir para a escola, assistir às aulas, voltar para casa…

    — Kaizhat!

    Ele despertou do devaneio ao ouvir seu nome. O professor, um homem magro de óculos, olhava para ele com uma expressão impaciente.

    — Se X é igual a 7, qual é o valor de Y na equação?

    Kaizhat olhou para o quadro e sentiu um frio na espinha. Não fazia ideia do que estava acontecendo. A turma riu baixinho.

    — Err… 12? — arriscou.

    O professor suspirou.

    — Errado. Preste atenção na aula.

    Kaizhat afundou no assento, tentando ignorar os cochichos ao redor. “Ótimo. Mais uma humilhação para a lista”, pensou.

    Quando o sinal bateu, ele saiu rápido da sala. O recreio era seu momento de descanso, longe das equações infernais. Sentou-se com seus amigos em um canto da cantina e começou a falar sobre o que realmente lhe interessava.

    — Então, vocês viram o último episódio daquele anime? O protagonista finalmente conseguiu a espada lendária! — disse, animado.

    — Sim! Mas eu achei forçado. O cara mal treinou e já está no nível máximo — respondeu um dos amigos.

    — É a lógica do “protagonismo”, né? Se fosse um personagem secundário, ia morrer no primeiro episódio.

    Eles riram e continuaram o debate nerd sobre animes, jogos e teorias absurdas sobre séries que assistiam. Era o único momento do dia em que Kaizhat realmente se sentia à vontade.

    Mas então, Alice passou.

    Ela caminhava pelo pátio com as amigas, o cabelo preso em um rabo de cavalo e um sorriso de quem nem percebia que todos a admiravam. Para Kaizhat, ela era perfeita. Sempre foi apaixonado por ela, mas nunca teve coragem de falar nada.

    Ele ficou encarando por alguns segundos, hipnotizado, até que um dos amigos estalou os dedos na frente do seu rosto.

    — Ei, volta pra Terra, cara.

    — Ah, foi mal…

    Ele desviou o olhar, mas percebeu que Alice nem notou sua existência. Como sempre.

    Kaizhat voltou para a sala de aula, mas sua mente estava longe. Ele olhou para o relógio. Ainda faltava muito para o fim do dia.

    Apoiou o rosto na mão e começou a pensar no jantar. Será que sua mãe faria o prato que ele gostava? Ou será que ele teria que dividir comida com os irmãos de novo? Ter quatro irmãos significava que a comida sempre sumia rápido. Se ele não fosse esperto, ficaria sem.

    Suspirou.

    Era só mais um dia comum.

    Mal sabia ele que seria o último.

    Kaizhat saiu da escola como sempre, com a mochila nas costas e os fones de ouvido tocando sua playlist favorita. O céu já começava a escurecer, e o vento frio do final da tarde fazia as folhas secas dançarem pelo asfalto. Ele caminhava sem pressa, desviando de algumas bicicletas e carros que passavam pela rua estreita.

    Chegando em casa, abriu a porta e foi recebido pelo cheiro familiar de comida no ar. Sua mãe estava na cozinha, mexendo em uma panela, enquanto seus irmãos mais novos corriam pela sala, brigando por alguma bobagem.

    — Kaizhat, lave as mãos e me ajude com o jantar! — a voz firme da mãe ecoou.

    Ele suspirou e largou a mochila em um canto antes de ir até a pia. Como o mais velho entre os irmãos que estavam em casa naquele momento, era sua responsabilidade ajudar na cozinha. Pegou uma faca e começou a cortar alguns legumes enquanto sua mãe cuidava do restante.

    Seus irmãos mais novos logo se juntaram, ajudando do jeito deles — o que, na verdade, mais atrapalhava do que ajudava. Mas no final, conseguiram preparar uma refeição decente. Sentaram-se à mesa e jantaram juntos, entre conversas animadas e discussões sobre quem pegaria o último pedaço de carne.

    Depois de comer, Kaizhat ajudou a lavar a louça e, finalmente, subiu para o seu quarto.

    No quarto escuro, a única luz vinha do monitor do computador. Ele colocou o headset e abriu seu jogo favorito, um MMORPG que jogava há anos com seus amigos online. Assim que entrou no servidor, as mensagens começaram a aparecer.

    [Amigo 1]: Finalmente! Achei que você não ia logar hoje.
    [Amigo 2]: Bora fazer aquela dungeon? O evento de XP tá rolando!

    Kaizhat sorriu e pegou o mouse.

    — Beleza, vamos nessa.

    E assim, ele passou as próximas horas explorando masmorras, derrotando monstros e pegando itens raros. Ria das piadas dos amigos, discutia estratégias e se distraía completamente da vida real. No jogo, ele se sentia forte, capaz, diferente de como era na escola.

    Mas o sono começou a pesar.

    — Vou sair, tô morto.

    [Amigo 1]: Tá cedo ainda!
    [Amigo 2]: Nem ferrando, a gente só tem até amanhã pra terminar essa missão!

    — Terminem sem mim, amanhã eu vejo isso.

    Desligou o jogo, tirou o headset e se jogou na cama.

    O cansaço tomou conta.

    O despertador tocou às 6h30 da manhã, e Kaizhat abriu os olhos com preguiça. O quarto ainda estava escuro, e o frio da manhã tornava sair da cama uma tarefa difícil. Mas ele não podia enrolar. Levantou-se, espreguiçou e foi até a cozinha, onde sua mãe já estava preparando o café da manhã.

    — Bom dia. — Ele disse, ainda com a voz sonolenta.

    — Bom dia, querido. Me ajuda a preparar as torradas?

    Ele pegou o pão e começou a preparar o que fosse necessário, enquanto sua mãe fritava ovos e preparava o arroz. A rotina era sempre a mesma, mas de alguma forma, esse momento matinal tinha um certo aconchego.

    Depois de alguns minutos, Kaizhat subiu para acordar os irmãos.

    — Ei, acorda! — Sacudiu o primeiro, que apenas se virou para o lado, resmungando.

    — Mais cinco minutos…

    — Se eu tiver que voltar aqui de novo, você vai se arrepender.

    Aos poucos, um a um, eles foram saindo da cama e indo para o banheiro. Enquanto isso, Kaizhat foi para o seu próprio banho. A água quente ajudou a espantar o sono, e em poucos minutos, ele já estava pronto, vestindo o uniforme escolar.

    Ao sair de casa, encontrou Fukuji no portão, esperando com as mãos nos bolsos da calça. Ele era um pouco mais alto que Kaizhat, com cabelos bagunçados e uma expressão sempre relaxada.

    — Demorou, hein? — disse Fukuji.

    — Culpa dos meus irmãos. Você sabe como é.

    Os dois começaram a caminhar juntos, conversando sobre coisas aleatórias.

    — Então, já decidiu o que vai fazer depois do ensino médio? — perguntou Fukuji.

    Kaizhat suspirou.

    — Ainda não. Sei lá… às vezes penso em tentar alguma coisa com tecnologia, já que eu gosto de jogos, mas… não faço ideia do que realmente quero.

    Fukuji riu.

    — Bem-vindo ao clube. Mas você tem tempo pra pensar. Eu, por outro lado, tenho um pai que quer que eu entre na empresa da família.

    — E você quer isso?

    — Nem um pouco. Mas você sabe como são os pais.

    Os dois riram, compartilhando aquela incerteza sobre o futuro que todo adolescente sente.

    Chegando na escola, cada um seguiu para sua sala. Kaizhat chegou um pouco mais cedo do que o normal e, ao entrar na classe, percebeu que só havia mais uma pessoa ali.

    Alice.

    Ela estava sentada perto da janela, mexendo no celular. O coração de Kaizhat acelerou um pouco. Era raro ficarem sozinhos.

    Ele foi até sua carteira, tentando agir naturalmente, mas antes que pudesse decidir se deveria puxar assunto ou não, Alice quebrou o silêncio.

    — Você sempre chega cedo assim?

    Kaizhat hesitou um segundo, mas respondeu.

    — Na verdade, não. Hoje foi só coincidência.

    Alice sorriu levemente e voltou a mexer no celular. O silêncio voltou, mas logo ela falou novamente.

    — Engraçado, né? A gente estuda junto desde o fundamental, mas quase não conversamos.

    Kaizhat piscou algumas vezes, surpreso.

    — É verdade… — respondeu, sem saber o que mais dizer.

    — Acho que nunca tivemos muito assunto. Mas você sempre pareceu legal.

    Antes que ele pudesse responder, o barulho da porta se abrindo chamou sua atenção. Mais alunos começaram a entrar na sala. E então, ele percebeu a mudança.

    Alice pegou o celular e simplesmente voltou ao que estava fazendo, sem dar mais atenção a ele. Era sutil, mas parecia que ela estava mais à vontade quando estavam sozinhos.

    Kaizhat ficou pensando nisso por alguns segundos, mas então a aula começou, e ele voltou à sua rotina.

    Ainda era só mais um dia comum.

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