Capítulo 11 - Avisos de um soldado
O grupo permaneceu reunido por mais algum tempo, absorvendo as informações que haviam coletado durante o dia. A vela sobre a mesa tremulava suavemente, projetando sombras nas paredes de pedra da casa. O ambiente tinha um ar acolhedor, mas uma tensão silenciosa pairava entre eles.
Kaizhat recostou-se na cadeira, sentindo o peso de tudo que haviam discutido. Ele não conseguia ignorar as palavras de Frida. “Os fracos com os fracos, os fortes com os fortes.” Isso significava que, aos olhos de quem organizou os grupos, eles eram considerados descartáveis?
Ele apertou os punhos sob a mesa.
— Bom, acho que já falamos bastante por hoje. — disse Choi Miu, ajeitando os óculos. — O treinamento vai começar em breve, então é melhor descansarmos.
— Concordo. — disse Frida, já se levantando.
Fred esticou os braços e bocejou.
— Vocês falam de descanso, mas nem parece que amanhã pode ser o início do nosso inferno particular.
— E por isso mesmo precisamos dormir. — disse Choi Miu. — Não sabemos o que Xavier tem preparado, mas tenho certeza de que vai ser intenso.
Kaizhat suspirou e se levantou também. Ele sentia um nó no estômago. Seu corpo estava cansado, mas sua mente não parava.
O grupo começou a se dispersar. Cada um foi para seu respectivo quarto. A casa voltou a um silêncio profundo, quebrado apenas pelo crepitar da lareira.
Kaizhat e o Peso do Silêncio
Deitado em sua cama, Kaizhat encarava o teto de madeira do seu quarto. A penumbra tomava conta do ambiente, apenas um fio de luz da lua entrando pela janela. O colchão era simples, mas confortável, e os lençóis tinham um cheiro amadeirado, um aroma diferente do que estava acostumado.
Ele respirou fundo, sentindo o peso da nova realidade sobre seus ombros.
O que aconteceria agora? Ele sobreviveria a esse treinamento? Ele sequer teria um lugar nesse mundo?
Sua mente começou a vagar. Lembrou-se da última vez que viu sua família. O café da manhã na pequena cozinha de casa, os risos dos seus irmãos, a voz da mãe lhe dizendo para não se atrasar. Seu pai lendo jornal no canto da sala.
Tudo isso parecia tão distante agora.
Ele sentiu um aperto no peito.
E se nunca mais os visse?
Fechou os olhos, tentando afastar esse pensamento. Não podia se dar ao luxo de se desesperar agora. Se Davidson era o “Herói”, se Frida era naturalmente habilidosa e se Choi Miu já tinha tudo planejado, então o que sobrava para ele?
O que o diferenciava dos outros?
Ele suspirou e virou de lado, tentando ignorar a ansiedade.
Amanhã era um novo dia.
E ele precisava estar pronto.
…
O sol mal havia surgido no horizonte quando Kaizhat abriu os olhos. O teto de madeira ainda lhe era estranho, mas aos poucos, ele começava a se acostumar com a ideia de que aquela era sua nova casa.
Ele se espreguiçou, sentindo o corpo ainda um pouco pesado do dia anterior. O treinamento se aproximava, e a preocupação com seu futuro não havia desaparecido, mas naquele momento, tudo o que ele queria era algo para comer.
Levantando-se com um leve suspiro, ele saiu do quarto e caminhou até a cozinha. O aroma quente de algo sendo preparado no fogo preencheu o ambiente, despertando seu estômago com um ronco discreto.
Ele parou na porta e piscou algumas vezes.
Frida estava ali, de costas para ele, mexendo algo em uma panela. Seus cabelos loiros estavam amarrados em um rabo de cavalo baixo, e a grande surpresa: ela usava um avental simples, de tom bege.
Era uma cena que ele jamais imaginaria ver.
— …Da onde tirou esse avental? — perguntou, quebrando o silêncio.
Frida não se virou, mas sua voz veio calma e carregada de tédio.
— A Star me obrigou a usar isso, então é o jeito.
Kaizhat reprimiu um sorriso.
— Não sabia que você cozinhava.
— Eu não cozinho. Estou apenas seguindo instruções básicas que qualquer um conseguiria fazer.
Kaizhat se encostou no batente da porta, observando-a misturar o conteúdo da panela com movimentos meticulosos.
— Então… o que estamos comendo hoje?
Frida suspirou, como se estivesse impaciente com a conversa, mas respondeu mesmo assim:
— Mingau de aveia com mel. Achei mel em um pote estranho na despensa. Parece bom.
Kaizhat sorriu levemente.
— Soa melhor do que qualquer coisa que o Fred poderia fazer.
Frida bufou de leve, um quase riso que logo se dissipou.
Os dois ficaram ali por mais alguns instantes, o som suave do mingau borbulhando enchendo o ambiente. Era raro ter um momento tranquilo assim.
Mas logo o silêncio foi quebrado pelo som de passos pesados.
— Que cheiro bom! — a voz animada de Fred ecoou pela casa. — Isso é café da manhã?
Ele apareceu na cozinha com o cabelo todo bagunçado, ainda se espreguiçando. Atrás dele, Choi Miu e Star surgiram também, ambos parecendo mais despertos.
— Bom dia, gente. — disse Star, com um sorriso. Mas logo seus olhos pousaram em Frida. — Ahhh, você usou o avental!
Frida revirou os olhos.
— É só porque eu fui obrigada.
— Mas ficou tão fofo!
— …Cala a boca.
Fred riu e pegou uma tigela para si, servindo-se do mingau antes mesmo de Frida oferecer.
— Isso tá muito bom! — exclamou depois da primeira colherada.
Kaizhat olhou para Frida e viu que, mesmo sem querer admitir, ela parecia um pouco satisfeita com o elogio.
Star pegou sua tigela e se sentou ao lado de Kaizhat.
— Hoje é um grande dia, hein? Finalmente vamos descobrir o que Xavier preparou pra gente.
O clima na mesa mudou levemente. Todos sabiam que aquele café da manhã seria o último momento de tranquilidade antes de algo muito mais intenso.
— Que tipo de treinamento vocês acham que será? — perguntou Kaizhat.
Choi Miu ajustou os óculos.
— Xavier tem fama de ser um comandante rigoroso. Mas considerando que estamos lidando com magia e combate, eu apostaria em algo bem físico para começar.
Fred bateu a colher na tigela.
— Só espero que não envolva correr quilômetros logo de cara.
— Vai envolver. — disse Frida, sem hesitar.
O silêncio caiu sobre a mesa por um momento, antes de Star dar um suspiro exagerado.
— Bom, pelo menos estamos bem alimentados antes do massacre.
Kaizhat olhou para sua tigela e respirou fundo. Ele não podia mudar o que estava por vir, mas pelo menos, por enquanto, ainda podia aproveitar aquele momento com seu grupo.
E assim, com um misto de ansiedade e determinação, eles terminaram seu café da manhã.
O clima na cozinha estava tranquilo, apesar da leve tensão no ar. Todos ainda terminavam suas tigelas quando um som forte ecoou pela casa.
TOC, TOC, TOC!
Alguém batia na porta com força e urgência. O grupo se entreolhou por um instante, antes que Fred se levantasse e fosse atender. Ao abrir, um soldado do exército de Estier, vestindo uma armadura leve, estava parado ali, com uma expressão séria.
— O comandante Xavier ordenou que vocês comparecessem ao centro de treinamento imediatamente.
Fred piscou algumas vezes, tentando processar a informação enquanto coçava a cabeça.
— Ué… já tão chamando a gente pra sofrer?
O soldado sequer esboçou um sorriso.
— Todos os Despertados devem comparecer. Não se atrasem.
E sem mais explicações, ele virou as costas e se afastou, deixando Fred parado na porta, ainda meio confuso.
Ele fechou a porta e virou-se para os outros.
— É isso. O inferno começou.
Kaizhat engoliu em seco.
— Tipo… agora? Sem aviso?
— Isso foi o aviso. — disse Frida, já se levantando da mesa.
— Eles podiam pelo menos deixar a gente terminar de comer. — resmungou Star, tomando o resto de sua tigela rapidamente.
Choi Miu, que já esperava por algo assim, apenas ajeitou os óculos e se levantou com calma.
— Melhor não reclamar. Se nos chamaram assim, é porque o treinamento realmente será pesado.
Fred cruzou os braços.
— Espero que seja algo mais emocionante do que só levantar peso e correr.
— Não subestime. — disse Frida, olhando para ele. — Um treinamento básico pode te matar se você não estiver preparado.
Fred riu.
— Se for pra morrer, que seja depois de um bom café da manhã, né?
Kaizhat soltou um suspiro profundo e se levantou. Seu coração batia mais rápido.
Era isso. O momento que eles estavam esperando – ou temendo – finalmente havia chegado.
Eles estavam prestes a descobrir até onde conseguiriam ir.
E se realmente tinham o que era necessário para sobreviver em Estier
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