Capítulo 17 - Um inútil
O sol já estava alto no céu quando Keal reuniu os recrutas para mais uma sessão de treinamento. O calor tornava o ar seco e pesado, mas ninguém ousava reclamar. A tensão estava no rosto de cada um, pois a aula de hoje era diferente.
Kaizhat estava sozinho para treinar, mas, Fred, Frida, Choi Miu e Star se sentaram no chão de terra batida, em um círculo. Seus corpos ainda estavam doloridos pelo treino físico dos dias anteriores, mas agora o foco era outro.
E tudo isso para acompanhar o treino solo do Kaizhat para despertar sua magia.
Keal, o tenente de Xavier, se posicionou diante deles. Com sua armadura resistente e cicatrizes visíveis, ele exalava experiência de batalha.
— Nem todos despertam magia. — começou ele, sua voz grave carregada de autoridade. — E aqueles que não despertam podem se tornar guerreiros excepcionais no combate corpo a corpo. Mas, se vocês têm magia adormecida, precisarão abrir caminho para ela.
Kaizhat prendeu a respiração. Ele sabia que a magia era algo essencial neste mundo. Desde que chegou, percebeu que aqueles que a dominavam eram respeitados, enquanto os fracos…
E se ele fosse fraco?
— Como funciona a magia, explica pra ele — perguntou Choi Miu, sempre analítico.
Keal assentiu.
— A magia vem da mana, uma energia que existe em tudo ao nosso redor e dentro de nós. Mas nem todos conseguem usá-la naturalmente. Algumas pessoas nascem com seus dutos de mana fechados, o que significa que não conseguem acessar seu próprio poder.
Kaizhat sentiu um frio no estômago.
— Isso pode ser aberto? — perguntou Star, curiosa
— Sim. — Keal cruzou os braços. — Através da meditação profunda, tentando sentir a mana dentro de si e conectá-la ao mundo ao redor.
Ele olhou para os recrutas, observando suas expressões.
— Vamos tentar. Fechem os olhos. Respirem fundo.
Kaizhat fez o que foi instruído. Ele ouvia sua própria respiração, o som distante do vento e o barulho fraco das espadas sendo afiadas em outra área do campo de treinamento.
— Sintam o ar ao seu redor. A terra abaixo de vocês. A energia fluindo no ambiente.
O silêncio tomou conta.
— Agora, tentem visualizar sua própria energia. Pensem nela como um rio, fluindo por dentro de seus corpos.
Kaizhat se concentrou. Ele tentou imaginar um fluxo de energia, um rio correndo dentro dele. Mas… não via nada.
Um vazio.
Uma escuridão.
Ele respirou fundo, insistindo.
Nada.
Ao seu lado, Fred franziu a testa, seus punhos cerrados, mas de repente…
— Ei… eu senti algo! — ele exclamou, os olhos se abrindo levemente. Uma leve aura azulada tremeluzia ao redor de seus dedos.
— Eu também… — murmurou Star, maravilhada, suas mãos rodeadas por um brilho dourado fraco.
Choi Miu abriu os olhos, ajustou os óculos e olhou para suas próprias mãos.
— É… estranho, mas senti uma conexão.
Frida ficou em silêncio, mas o chão sob seus pés vibrou levemente, mostrando que ela também havia conseguido.
Kaizhat ficou tenso.
Ele fechou os olhos com mais força, tentando, desesperadamente, sentir algo.
Mas tudo ao seu redor parecia inerte.
Ele não sentia mana.
Ele não sentia nada.
— Muito bem. — disse Keal, satisfeito. — Todos conseguiram, mesmo que minimamente.
Kaizhat abriu os olhos e viu os olhares de seus amigos, alguns orgulhosos, outros surpresos.
Mas dentro dele… havia um buraco.
— Todos… menos eu. — ele sussurrou para si mesmo.
Keal percebeu seu olhar abatido e se aproximou.
— Ei, garoto. Não se preocupe. Algumas pessoas demoram mais que outras.
Kaizhat abaixou a cabeça, sentindo uma frustração crescente dentro de si.
— Mas… e se eu for o único sem magia?
Keal suspirou.
— Se for, então terá que encontrar outro caminho para a força. Mas eu não apostaria nisso ainda.
Kaizhat queria acreditar nisso, mas ver todos seus amigos conseguindo, enquanto ele ficava para trás, o fazia sentir algo que não queria admitir.
Medo.
E se ele realmente fosse o mais fraco?
E se não houvesse um lugar para ele neste mundo?
O treinamento havia acabado. O sol começava a se pôr no horizonte, pintando o céu de tons laranjas e avermelhados. Todos estavam exaustos, mas satisfeitos.
Fred socava o ar animado, ainda empolgado por ter sentido sua magia pela primeira vez.
— Cara, isso foi incrível! Eu realmente senti algo! Tipo uma corrente elétrica dentro de mim!
— Eu também. — disse Star, girando um fio de luz dourada em seus dedos.
Frida permaneceu em silêncio, mas sua expressão mostrava que também estava satisfeita. Choi Miu apenas assentiu, ajustando os óculos.
Kaizhat, no entanto, estava calado.
Seus passos eram mais lentos que os dos outros. Sua cabeça estava baixa.
Enquanto seus amigos comemoravam, ele se sentia… deslocado.
Deixou escapar um suspiro pesado, mas ninguém pareceu notar.
Chegando em casa, Kaizhat mal falou com os outros. Simplesmente subiu para seu quarto, fechou a porta e se jogou na cama, encarando o teto.
Aquele sentimento de frustração o esmagava.
Ele tentou. Tentou com todas as forças.
Mas nada aconteceu.
Nenhuma faísca. Nenhuma sensação. Nenhum fio de mana dentro dele.
E se ele simplesmente não tivesse magia?
A ideia lhe dava náuseas. Ele sabia que podia treinar combate físico, podia aprender a lutar sem magia, mas… isso seria suficiente?
Davidson já era incrivelmente talentoso. Fred, Choi Miu, Star, até Frida—todos estavam progredindo.
Ele, por outro lado, continuava no mesmo lugar.
Suspirou novamente.
Talvez seja isso. Talvez eu apenas não tenha talento para este mundo.
Se virou de lado, encolhendo-se levemente.
O tempo passou, e Kaizhat ainda estava na mesma posição, perdido em seus pensamentos. Ele não sabia quanto tempo ficou ali, mas então, um som suave interrompeu seu silêncio.
Toc, toc
Alguém bateu na porta.
— Kaizhat?
Era Star.
Kaizhat não respondeu de imediato.
— Você está bem?
A preocupação na voz dela era evidente.
— …Estou. — ele disse, mas soou fraco, pouco convincente.
A porta abriu lentamente, e Star entrou, fechando-a atrás de si.
Ela usava um vestido simples de tecido leve, e seus cabelos loiros brilhavam sob a luz fraca do quarto.
— Você não está bem. — ela disse, cruzando os braços.
Kaizhat suspirou.
— Por que se importa?
Star piscou, surpresa com o tom dele. Mas então sorriu, caminhando até a beira da cama.
— Porque somos amigos, ué.
Ele bufou.
— Amigos? Você e os outros estão crescendo. Todos conseguiram sentir magia hoje. Menos eu.
Star se sentou na ponta da cama, inclinando-se ligeiramente para olhar para ele.
— E isso significa que acabou para você?
— Significa que sou o mais fraco.
Ela revirou os olhos.
— Ai, Kaizhat… você às vezes pensa demais.
Ele franziu a testa, olhando para ela.
— Como assim?
— Olha, eu entendo que seja frustrante. Mas você está agindo como se tivesse sido deixado para trás para sempre.
Ela sorriu de leve.
— Você só não conseguiu sentir a mana ainda. Isso não significa que nunca vai conseguir.
Kaizhat desviou o olhar.
— E se eu for diferente? E se eu realmente não tiver magia?
Star ficou pensativa por um momento, depois deu um leve tapinha no ombro dele.
— Então a gente dá um jeito. Você não precisa de magia para ser forte, Kaizhat. Mas eu aposto que você vai conseguir, só precisa de mais tempo.
Ele suspirou.
— E se não for só uma questão de tempo?
Star se levantou, cruzando os braços.
— Sabe o que eu acho? Acho que você está com medo.
Kaizhat piscou.
— Medo?
— Medo de falhar. Medo de ser o mais fraco. Mas sabe o que é engraçado? Você já está agindo como se tivesse perdido.
Ela sorriu.
— Se é para desistir, pelo menos tente de verdade primeiro.
Kaizhat ficou em silêncio.
As palavras de Star o atingiram de um jeito que ele não esperava.
Talvez ela estivesse certa.
Talvez ele estivesse se rendendo cedo demais.
Star deu um passo para trás.
— Olha, você pode ficar aqui se afundando nos seus pensamentos ou pode levantar e tentar mais uma vez amanhã. Você decide.
Ela então sorriu e foi até a porta.
Antes de sair, se virou uma última vez.
— Ah, e outra coisa. Não importa se você tem magia ou não. Você ainda é Kaizhat. Ainda é nosso amigo. Então pare de agir como se estivesse sozinho.
Com isso, ela saiu, fechando a porta atrás de si.
Kaizhat ficou ali, olhando para o teto, digerindo cada palavra.
Ele não sabia o que esperar do amanhã.
Mas talvez, só talvez… ele ainda não estivesse acabado.
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