Capítulo 18 - Contra o destino
A noite estava silenciosa. O vento frio de Estier soprava suavemente, balançando as árvores e carregando consigo o cheiro da terra e do orvalho. O castelo ao longe se erguia como uma sombra imponente contra o céu estrelado, suas tochas ainda acesas iluminando partes das muralhas.
Kaizhat sentia o frio, mas nem se importava.
Ele estava sentado no telhado da casa, os olhos perdidos na cidade abaixo. As ruas estavam quase desertas, com apenas alguns soldados patrulhando e algumas poucas lâmpadas de óleo ainda acesas.
O que ele estava fazendo ali?
Ainda sentia o peso das palavras de Star, o peso do seu próprio fracasso.
“Se é para desistir, pelo menos tente de verdade primeiro.”
Ele queria acreditar que só precisava de mais tempo, mas… e se o problema não fosse tempo?
E se o problema fosse ele?
Suspirou, passando a mão pelos cabelos.
Olhou para as próprias mãos. Mãos fracas.
Todos estavam evoluindo. Fred com sua força, Frida com sua precisão, Choi Miu com sua inteligência, Star com seu talento natural, Davidson com seu dom absurdo.
E ele?
Ele era apenas Kaizhat.
Isso não é suficiente.
Saltou do telhado para o chão de pedra, sentindo um leve impacto nos pés.
Caminhou lentamente pelas ruas de paralelepípedos, seus passos ecoando no silêncio da cidade adormecida.
Se aproximou da praça central, onde havia uma fonte esculpida em pedra, representando um antigo rei de Estier.
Olhou para o reflexo da água.
Seu rosto parecia o mesmo, mas por dentro… ele se sentia diferente.
“O destino está contra mim?”
Era isso?
Ser convocado para Estier já havia sido um golpe do acaso. Ele não pediu para estar ali. Mas, já que estava… queria ser alguém. Queria ter algo. Queria proteger alguém.
Mas como poderia proteger alguém se nem ao menos podia proteger a si mesmo?
Fechou os punhos.
Se o destino estava contra ele, então que fosse.
Não ia aceitar isso de braços cruzados.
Se a magia não vinha até ele… ele treinaria até encontrar um caminho.
Kaizhat caminhou até um pequeno campo aberto nos arredores da cidade, perto das muralhas.
Lá, pegou seu arco e começou a praticar.
O vento frio fazia sua pele arrepiar, mas ele ignorava.
— De novo. — murmurou para si mesmo, erguendo o arco e puxando a corda.
Respirou fundo, tentando controlar a tremedeira nos braços.
Soltou a flecha.
Ela cortou o ar e cravou-se na árvore, mas não onde ele queria.
Seu alvo improvisado era um pequeno círculo que ele havia desenhado no tronco.
— De novo.
Pegou outra flecha.
Mira. Respira. Atira.
A flecha passou perto, mas ainda não era onde ele queria.
Rangendo os dentes, Kaizhat pegou mais uma flecha.
— Droga…
Seus dedos já doíam, mas ele não pararia.
Depois de dezenas de flechas, decidiu variar o treino.
Colocou o arco de lado e começou a praticar golpes físicos.
Seus socos eram fracos, suas pernas tremiam, mas ele continuava.
Cada soco, cada chute… ele estava lutando contra si mesmo.
Contra sua fraqueza.
O suor já escorria pelo seu rosto, mesmo com o frio da madrugada.
Ele respirava pesadamente, seus músculos implorando por descanso.
Mas ele não pararia.
Não agora.
Kaizhat parou um momento para recuperar o fôlego, colocando as mãos nos joelhos.
Olhou para o céu, onde o brilho das estrelas começava a perder força diante do amanhecer.
Quanto tempo ele ficou ali?
Seus braços e pernas estavam doloridos. Seu corpo estava exausto.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, ele sentia que fez algo.
Mesmo que não fosse muito.
Mesmo que ninguém estivesse ali para ver.
Ele havia treinado.
Ele havia lutado.
E faria isso todos os dias, até encontrar uma resposta.
Se a magia não viesse a ele, então ele encontraria seu próprio caminho.
A primeira luz do sol começou a surgir no horizonte.
Kaizhat sorriu de leve, ofegante.
Ele não sabia o que o futuro reservava, mas agora…
Agora ele estava pronto para encará-lo.
O sol já subia no céu quando Kaizhat voltou para casa. O cansaço pesava em seus músculos, seus braços e pernas pareciam feitos de chumbo, mas ele carregava algo novo dentro de si: determinação.
Ao abrir a porta, o cheiro do café da manhã recém-preparado o envolveu. O aroma de pão quente, ovos e algo que lembrava levemente ervas frescas encheu seus pulmões.
Fred estava sentado à mesa, mastigando um pedaço generoso de pão, enquanto Frida tomava seu chá silenciosamente no canto. Choi Miu lia um livro enquanto mexia distraidamente na comida. Star estava animada como sempre, batendo levemente a colher na borda da tigela enquanto falava.
— Finalmente resolveu aparecer, Kaizhat! — Star exclamou com um sorriso. — Onde você se meteu?
Kaizhat caminhou lentamente até a mesa, sentando-se com um suspiro pesado.
— Treinando.
Fred ergueu uma sobrancelha e deu um risinho.
— O quê? Você saiu sozinho no meio da madrugada para treinar?
Kaizhat assentiu, pegando um pedaço de pão e mordendo lentamente.
Choi Miu ajustou os óculos, analisando Kaizhat com um olhar sério.
— Isso explica seu estado. Você parece um saco de batatas amassadas.
Frida olhou para ele de soslaio, sem dizer nada, mas havia um brilho discreto de reconhecimento em seu olhar.
Star apoiou o queixo nas mãos, inclinando-se para ele com curiosidade.
— E aí? Aprendeu alguma coisa incrível?
Kaizhat soltou um riso fraco.
— Aprendi que meu corpo tem um limite… e que eu não me importo com isso.
Todos o olharam por um momento.
Fred então deu um soco leve no ombro de Kaizhat, sorrindo.
— É assim que se fala! Mas não exagera, cara. Se você desmaiar no meio do treino, eu que vou ter que te carregar de volta.
— Ah, não se preocupe. — Star riu. — Se ele desmaiar, eu carrego.
Frida, que até então estava quieta, olhou diretamente para Kaizhat.
— Você está determinado a ficar forte. Isso é bom.
Todos se surpreenderam.
Fred arregalou os olhos e apontou para Frida com a boca cheia de pão.
— Opa, peraí! Você acabou de elogiar alguém?
Frida desviou o olhar, voltando a beber seu chá.
— Só estou constatando um fato.
Star soltou uma risada e cutucou o braço de Kaizhat.
— Isso é praticamente uma medalha de honra, sabia?
Kaizhat riu, sentindo-se um pouco mais leve.
Apesar de tudo, ele não estava sozinho.
Discutindo o Treinamento
Depois que todos terminaram de comer, eles começaram a conversar sobre o que os esperava no treinamento do dia.
Choi Miu foi o primeiro a falar.
— Se o padrão continuar, hoje provavelmente será um treino voltado para magia ou estratégia.
— Será? — Fred coçou a cabeça. — Depois de ontem, não duvido que seja outra sessão de tortura física.
— Mas faz sentido. — Star concordou com Choi Miu. — Já tivemos um treino de magia antes, com a Velka e o Keal. Talvez hoje seja uma mistura dos dois.
Frida cruzou os braços.
— Seja o que for, estamos preparados.
Kaizhat olhou para todos ao seu redor.
Eles realmente estavam ficando mais unidos. Quando chegaram a Estier, eram apenas cinco pessoas jogadas em um novo mundo, tentando sobreviver. Agora… pareciam um time de verdade.
Não, mais que isso.
Uma família.
Ele sorriu.
— Então vamos dar o nosso melhor hoje.
— Isso aí! — Fred ergueu o punho.
— Só não desmaie de novo, Kaizhat. — Choi Miu provocou.
— Eu não desmaiei!
Todos riram, e pela primeira vez em muito tempo, Kaizhat sentiu que, mesmo sem magia, mesmo sem talento excepcional, ele pertencia àquele grupo.
Eles eram sua força agora.
E ele faria de tudo para crescer ao lado deles.
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