Capítulo 3 - Davidson, mulherengo e gênio
Kaizhat ainda tentava processar tudo quando um soldado se aproximou dele. Ele vestia uma armadura simples, mas carregava uma espada na cintura e tinha uma expressão séria.
— Venha comigo. O comandante ordenou que você passasse pela avaliação.
— Avaliação…?
— Precisamos descobrir sua classe e seu nível de poder. Agora ande.
Sem ter escolha, Kaizhat seguiu o soldado.
Enquanto caminhava, seus olhos se arregalavam diante do cenário ao redor.
O castelo era imenso, suas torres alcançando o céu azul. Bandeiras tremulavam ao vento, enquanto soldados treinavam no pátio, empunhando espadas e lançando feitiços no ar.
No horizonte, Kaizhat pôde ver uma cidade medieval, com ruas de pedra, mercados ao ar livre e pessoas vestindo roupas que pareciam saídas de uma fantasia épica.
— Isso é incrível… — murmurou, quase esquecendo seu desespero inicial.
O cheiro de pão assado e ferro derretido chegava até ele, misturado com o barulho de cavalos e vozes.
Mas logo ele voltou à realidade quando pararam diante de uma grande tenda branca, afastada da agitação.
O soldado levantou a lona de entrada.
— Entre.
Lá dentro, Kaizhat encontrou uma mulher de aparência misteriosa. Seus longos cabelos ruivos estavam presos em uma trança, e ela vestia um manto azul adornado com símbolos mágicos. Seus olhos afiados passaram por Kaizhat como se pudessem enxergar através dele.
— Leonicia. Esse é o novo recruta. — disse o soldado.
Ela assentiu e se aproximou de Kaizhat.
— Fique parado. Isso não vai doer… muito.
Ela ergueu as mãos, e círculos mágicos brilhantes apareceram ao redor dele. Kaizhat sentiu um leve arrepio percorrer seu corpo.
Após alguns segundos, um pergaminho flutuou até Leonicia. Ela o pegou e analisou os resultados.
Seu olhar se estreitou.
— Hmmm… interessante.
Kaizhat engoliu em seco.
— O que foi?
Leonicia suspirou e começou a ler os dados em voz alta:
— Classe: Arqueiro.
Kaizhat franziu a testa. Ele nunca imaginou ser um arqueiro.
— Estrelas: 1.
Ele já esperava. Não devia ser muito forte.
Mas então veio a parte surpreendente.
— Poder total: 320
Os soldados ao redor trocaram olhares surpresos.
— Isso é… muito? — Kaizhat perguntou hesitante.
— Para um recruta comum, sim. Mas não é isso que chama atenção.
Leonicia o encarou diretamente.
— Seu corpo não apresenta nenhuma magia ativa.
O coração de Kaizhat acelerou.
— O quê…?
— Todo recruta chega com um vestígio de magia em seu corpo. Seja fogo, gelo, vento, qualquer coisa. Mas você… você não tem nada.
Silêncio.
Os soldados estavam intrigados. Isso nunca havia acontecido antes.
Kaizhat, por sua vez, sentiu um arrepio.
— Isso é… ruim?
Leonicia não respondeu imediatamente.
— Apenas… incomum.
Kaizhat não sabia se isso era um alívio ou um novo motivo para se preocupar.
Mas uma coisa era certa: ele não era como os outros.
E isso poderia mudar tudo.
Xavier estava de pé na sacada do castelo, observando a cidade abaixo. Seus olhos analisavam as ruas movimentadas, os soldados treinando, as torres mágicas brilhando ao longe. Tudo aquilo existia porque ele e seus antecessores haviam mantido Estier forte.
Ele esperava que os novos convocados trouxessem ainda mais poder ao reino.
Mas a notícia que acabara de receber o desagradou profundamente.
— O primeiro despertado… não tem magia alguma? — Sua voz carregava frustração.
O guarda diante dele engoliu em seco.
— Sim, comandante. Ele tem 320 de poder, mas não apresenta qualquer vestígio de magia. Leonicia confirmou os resultados.
Xavier fechou os olhos por um momento, respirando fundo.
— Tsc… então ele não passa de um erro.
Ele virou-se para o guarda, sua expressão sombria.
— Continue monitorando os próximos despertados. Quero relatórios detalhados sobre todos eles. Não temos tempo para perder com fracos.
O guarda assentiu rapidamente e saiu, deixando Xavier sozinho com seus pensamentos.
O comandante apertou os punhos.
A torre, os rituais, os meses de preparação… Tudo isso para trazer pessoas de potencial. Mas o primeiro acordado era um arqueiro sem magia.
Aquilo não era um bom sinal.
Ele olhou para o horizonte novamente, sentindo um peso sobre os ombros.
Estier precisava de guerreiros poderosos. De campeões capazes de mudar o rumo da guerra.
E, naquele momento, Kaizhat não parecia ser um deles.
Kaizhat foi escoltado para um abrigo temporário, onde deveria permanecer até que todos os outros despertassem. O lugar era uma grande tenda improvisada, com diversas camas alinhadas, prontas para receber aqueles que ainda estavam inconscientes.
Ele se sentou em uma das camas, olhando ao redor.
Tudo aquilo ainda parecia um sonho estranho. Ou melhor, um pesadelo.
Seu peito apertou ao lembrar de sua mãe e seus irmãos. Será que eles estavam preocupados com ele? Será que estavam bem?
Mas antes que pudesse se afundar nesses pensamentos, ouviu um barulho vindo do lado de fora.
Em outro canto do acampamento, um grupo de soldados estava reunido ao redor de uma garota que acabara de despertar.
Seus olhos estavam arregalados, sua respiração acelerada.
— O quê… O que está acontecendo?! — Ela olhava ao redor, assustada.
Xavier se aproximou dela, dessa vez com um olhar muito mais interessado do que quando viu Kaizhat.
— Você despertou. Seja bem-vinda a Estier.
A garota olhou para ele, ainda confusa, mas sua expressão foi ficando mais séria.
— Meu nome é Xiao Mijin. Onde estou?
— Tudo será explicado em breve. Mas primeiro, precisamos avaliar suas capacidades. Venha comigo.
Mijin hesitou, mas algo no olhar do comandante fez com que ela seguisse sem questionar.
Poucos minutos depois, ela já estava diante de Leonicia, a mesma maga que havia avaliado Kaizhat.
Leonicia a analisou com o mesmo feitiço de antes.
Dessa vez, sua expressão se iluminou.
— Classe: Assassina.
Xavier sorriu.
— Estrelas?
— 1.
— Poder total?
— 460
Os soldados murmuraram entre si. Era um número acima da média.
Mas o que realmente chamou a atenção de todos foram as magias de Mijin.
Leonicia ergueu uma sobrancelha.
— Hmmm… interessante.
— O que foi? — Xavier perguntou, ansioso.
Leonicia deu um pequeno sorriso.
— Ela tem aptidão para furtividade e aprimoramento de velocidade.
Xavier cruzou os braços, satisfeito.
— Agora sim, isso é algo promissor.
Ele se virou para Mijin e colocou uma mão firme em seu ombro.
— Você pode ser muito útil para este mundo. Prepare-se. A partir de agora, você é uma peça importante para Estier.
Mijin ainda não entendia completamente sua situação, mas pela primeira vez desde que acordara, sentiu que poderia ter um propósito ali.
Enquanto isso, Kaizhat, sozinho em sua cama no abrigo, nem imaginava que já estava sendo completamente esquecido.
O tempo passava, e cada vez mais despertados abriam os olhos, sendo rapidamente levados para a avaliação.
Xavier observava tudo atentamente. Alguns mostravam potencial, mas nada que realmente chamasse sua atenção. Outros eram fracos demais, o que apenas aumentava sua frustração.
Por mais que tivesse esperança nos novos guerreiros, a maioria parecia ser um desperdício de tempo.
Foi então que um novo despertado surgiu.
Ele tinha cabelos loiros brilhantes e olhos azuis intensos. Seu olhar, apesar de confuso, transmitia certa determinação.
Xavier analisou o jovem por um momento. Não parecia nada de especial à primeira vista. Apenas mais um entre tantos outros.
O garoto se sentou lentamente, esfregando a cabeça.
— Onde… onde estou?
Xavier suspirou. Ele já havia repetido aquela explicação diversas vezes naquele dia. Mas, como de costume, manteve sua postura firme.
— Você foi trazido para Estier, um mundo diferente do seu. Aqui, existem guerras, magia e criaturas que sua mente sequer pode imaginar. Você foi convocado para lutar por este mundo.
O jovem arregalou os olhos, claramente sem entender direito.
— Isso é algum tipo de piada?
— Não. É a realidade. Agora, levante-se. Precisamos avaliar suas capacidades.
Mesmo ainda confuso, Davidson percebeu que não adiantava questionar naquele momento. Ele se levantou, tentando processar tudo, e seguiu Xavier até a tenda de avaliação.
O comandante, inicialmente, não esperava nada demais. Mas algo lhe dizia que aquele garoto poderia ser diferente.
E ele estava prestes a descobrir se sua intuição estava certa.
Davidson entrou na tenda com um sorriso descontraído no rosto. Diferente da maioria dos despertados, que estavam assustados ou ansiosos, ele parecia bem à vontade.
— Então, você é quem vai avaliar meu potencial? — perguntou, olhando para Leonicia com um brilho brincalhão nos olhos.
A maga arqueou a sobrancelha, já acostumada com diferentes personalidades, mas notando algo diferente naquele jovem.
— Isso mesmo. Agora fique quieto e vamos ver do que você é feito.
Enquanto Leonicia recitava seu feitiço de avaliação, Davidson aproveitou para puxar papo.
— Sabe… nunca fui avaliado por uma mulher tão bonita antes. Isso é normal por aqui?
Leonicia suspirou, revirando os olhos. Xavier, que estava observando tudo ao lado, soltou um pequeno riso pelo nariz.
— Mulherengo. — pensou ele.
No entanto, toda aquela leveza na conversa sumiu quando os resultados começaram a aparecer.
Leonicia arregalou os olhos, lendo e relendo a informação mágica que brilhava à sua frente.
Xavier notou sua reação e se inclinou para frente, curioso.
— O que foi?
Leonicia virou-se para ele, ainda chocada.
— Classe… Herói.
Um silêncio absoluto tomou conta da tenda.
Xavier piscou algumas vezes, tentando processar o que acabara de ouvir.
— Repita.
— Classe: Herói. Poder total: 600 Estrelas: 1,5. Magias: Aprimoramento físico, Magia do Herói e Chamas do Herói.
Xavier ficou imóvel por um segundo. Então, de repente, soltou uma gargalhada alta, chamando a atenção de todos os soldados ao redor.
— HAHAHAHA! MAS QUE SURPRESA MARAVILHOSA!
Seu sorriso estava de orelha a orelha. Pela primeira vez desde o começo do ritual, ele se sentiu verdadeiramente satisfeito.
— Nós conseguimos! — Ele bateu a mão no ombro de Davidson com força. — Um herói! Um verdadeiro herói para Estier!
Davidson piscou, confuso.
— Isso é bom, certo?
Xavier olhou para ele como se tivesse encontrado um tesouro.
— Bom? Você nem imagina o quanto.
Leonicia suspirou, fechando seu grimório.
— Parece que temos um “escolhido” entre os despertados.
Enquanto isso, do lado de fora, Kaizhat continuava sentado no abrigo, sem ter ideia da comoção que acontecia ali dentro.
E sem saber que, a partir daquele momento, Davidson havia se tornado o grande favorito de Xavier e uma peça-chave para o futuro de Estier.
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