Capítulo 03
Abri os olhos no horário de sempre e percebi que tinha adormecido encostada na janela. O sol estava nascendo. O céu estava cinza-azulado. Estava nevando.
Levei um susto quando meu reflexo na janela embaçada parecia, por um segundo, o de uma velha.
Não que isso fosse um exagero.
Já fazia algum tempo que eu me sentia mais velha do que era. Eu tinha apenas vinte e três anos, mas me sentia com sessenta.
Dizem que a gente fica mais sábio com a idade, mas eu me sentia apenas envelhecida e não mais sábia.
Bom, está nevando. Leon e Rachel provavelmente ficarão felizes… Oh, talvez eles já sejam velhos demais para isso.
Quando as crianças eram pequenas, os quatro corriam e brincavam. Enquanto os gêmeos faziam um boneco de neve e Elias jogava bolas de neve, Jeremy corria ao redor deles na neve. Eu os observava do meu lugar de sempre na janela.
Era hilário. Nada poderia ser mais hilário.
Eu sempre soube que não tinha lugar entre eles. Eu sabia disso, e ainda assim ousava me magoar com suas ações agora.
“Você está acordada, minha senhora?” chamou minha criada. “Devo trazer chá?”
“Sim, traga. E Gwen, tenho um pedido para você.”
As cortinas estavam prestes a se levantar para o casamento único na vida de que as pessoas na capital estavam fofocando há meses.
Eu me perguntava quão magnífico seria. Seria bem diferente do meu, que não foi nada mais do que alguns votos de casamento e assinaturas em um contrato.
Ninguém conseguiria tirar os olhos da noiva e do noivo ou da família do noivo. Haveria muita gente bonita para se ver.
Uma das minhas únicas forças era saber quando aceitar que algo havia acabado.
Eu tinha pena de Leon e Rachel, que perderam os dois pais tão jovens. Eu nunca poderia realmente odiar Elias, não importa o quão irritante ele fosse.
E Jeremy, que sempre me preocupava… você nunca saberia. Há muito tempo, quando você estava febril e à beira da morte, eu ficava ao seu lado noite após noite. Eu estava até disposta a dar minha vida pela sua. Eu não achava que era capaz de sentir tal coisa.
Dizem que se você espera que a bondade seja recompensada, a amargura é o que restará. Portanto, eu nunca vou me ressentir de vocês. Tenho certeza de que todos devem ter suas razões.
Eu estava preocupada de qualquer forma. Me perguntava se ele ficaria bem. Ele ainda era tão jovem. Será que conseguiria proteger sua brilhante herança como seu pai desejava?
Eu era jovem demais quando entrei no mundo dos adultos. Preocupação e ansiedade sempre me precederam. Mas isso não era mais da minha conta.
Está tudo bem. As crianças ficarão bem. Afinal, eu as criei!
“Minha senhora?”
Eu espalhei todos os itens na mesa e os convidei para entrar na sala: a criada Gwen, o mordomo Roberto e o comandante dos cavaleiros Alberon.
Eles foram todos vassalos fiéis desta casa por gerações e eram as únicas pessoas em quem eu confiava.
“Estou indo para Heidelberg,” eu disse a eles. “Ninguém deve saber. Façam os preparativos para que eu possa partir em segredo.”
“Para Heidelberg… Entendi. Quantos dias a senhora ficará lá?”
“Eu não vou voltar,” eu disse.
“Como?!”
A vila em Heidelberg, nas províncias, era o único lugar que eu poderia considerar meu. Foi o presente de casamento do meu marido. Na verdade, eu só estive lá uma vez, bem no início do nosso casamento.
Os olhos dos empregados estavam arregalados como pires quando olharam para a mesa.
Os objetos espalhados ali eram os tesouros que eu nunca larguei durante meus sete anos nesta casa – a chave mestra que podia abrir qualquer cômodo, a caixa que continha o testamento e o selo da casa.
“M-minha senhora, o que exatamente você quer dizer?”
“Mesmo se a senhora estivesse saindo apenas para se recuperar, seria um assunto chocante. Por que você iria embora?”
“Hoje é o casamento de Jeremy,” eu disse. “Ele é meu filho mais velho, pelo menos no nome. Eu devo dar a ele um presente de casamento.”
“Como?”
“Tenho certeza de que aquele garoto malvado adoraria que eu desaparecesse.” Coloquei a mão no quadril e sorri.
Os empregados tentaram protestar, mas depois de um tempo, seus rostos murcharam.
Ha ha, minha nossa.
“Não fique tão sério,” eu disse. “É verdade, não é?”
“Minha senhora.”
“Espero estar deixando este lugar em boas mãos. Você entende?”
“Mas, minha senhora…!”
“Sirva bem sua nova patroa,” continuei. “Jeremy é seu mestre agora, então ouça-o. Você conhece o temperamento dele.”
“Mas, minha senhora, isso é ridículo,” protestou Roberto. Sua voz estava tão desesperada que alguém poderia pensar que ele estava no leito de morte. “Você trabalhou tanto para criar os jovens senhores e a senhorita!”
Eu congelei por um momento, depois dei uma risada sarcástica. “Estou feliz. Vejo que, pelo menos, todos vocês me entenderam. Mas não devem falar assim na frente das crianças, para não ganhar o desprezo delas.”
“Minha senhora!”
“Agora, agora, não há tempo para isso,” eu disse, encerrando a discussão. “Todos os três devem ir fazer os preparativos para mim.”
Meu trabalho terminava aqui.
Phew, agora estou por minha conta.
Trabalhei incessantemente. Nunca namorei antes. Talvez eu comece a viver para mim agora, um passo de cada vez.
Sim, vai ficar tudo bem. Tudo vai ficar bem.
Eu não sabia que isso era apenas mais uma ilusão.
Ô céus!
Parte 1
Começar tudo de novo? De forma alguma!
Eu ofeguei.
Meus olhos se abriram com a sensação como se eu tivesse dado um passo em falso e caído em um penhasco. Tudo estava embaçado. A única coisa que lembrava vividamente eram as risadas sarcásticas dos bandidos brandindo suas facas.
Balancei a cabeça para clarear a mente. Minha visão turva começou a focar. Quando registrei meus arredores, descobri onde estava.
Eram meus aposentos na casa do marquês. Era um quarto luxuoso. A antiga marquesa morava aqui antes da doença levar sua vida, e depois passou a ser meu.
Como eu tinha acabado aqui? Eu me lembrava de estar a caminho de Heidelberg e ser emboscada por bandidos.
Fui resgatada e trazida para cá? Mas quem poderia ter me salvo? Se minha memória estava correta, os cavaleiros que me escoltavam tinham sido mortos.
Pressionei os dedos contra as têmporas para clarear minha cabeça confusa e percebi algo estranho.
Cortinas da cor de morangos flutuavam sobre a janela. Ao lado, uma penteadeira requintada.
Mas como isso é possível?
O que havia de errado com a penteadeira? Nada em particular, exceto que ela não deveria estar aqui. Era impossível.
Ela pertencia à antiga marquesa e ficava ali inocentemente até cerca de cinco anos atrás, quando Elias quebrou o espelho durante uma discussão. Ele murmurou algo sobre ser da mãe dele.
Mas como estava aqui de novo? Será que apenas parecia com a antiga? Nesse caso, o que aconteceu com a penteadeira de madeira de roseira que eu a havia substituído?
Eu estava confusa e um pouco assustada. Desci da cama e fui até a penteadeira.
O espelho redondo refletiu meu rosto. Fui tomada por uma sensação indescritível.
O reflexo no espelho da penteadeira era claramente meu rosto. O cabelo rosa-claro até a cintura e os olhos verde-claros eram meus. Mas… havia algo estranho. O que era?
Levantei a mão e toquei meu rosto com os dedos. Algo estava definitivamente fora do normal, mas eu não sabia o que era. As bordas do meu rosto pareciam mais suaves. Minhas bochechas estavam talvez mais cheias, e meus olhos, mais redondos.
De alguma forma, eu parecia mais jovem do que o normal. Muito mais jovem do que o normal.
O que estava acontecendo? Todo o drama e o assalto me rejuvenesceram? Achei que essas coisas faziam você envelhecer mais rápido, não o contrário.
Houve uma batida na porta. “Minha senhora?”
“Oh, Gwen! Pode entrar e…” Antes que eu pudesse pedir ajuda, fiquei novamente perplexa.
A pessoa que abriu a porta e entrou silenciosamente era, sem dúvida, Gwen. Não havia dúvidas, mas…
“Gwen, você perdeu peso?”
“Perdão?” Gwen parecia perplexa, como se eu tivesse dito algo estranho. Ela também não parecia como de costume.
Gwen havia ganhado peso recentemente, talvez por sua preferência por doces. De repente, ela voltou a ser como era antes e parecia muito mais jovem.
Que estranho. Será que todos nós rejuvenescemos de alguma forma?
“Eu não sei o que você quer dizer, minha senhora, mas não temos tempo para isso.”
Eu pisquei. O comportamento de Gwen – a maneira como ela me olhava e falava comigo – era ainda mais estranho do que sua aparência juvenil.
Gwen, a governanta, era uma das poucas pessoas na propriedade de Neuschwanstein que me entendia e sabia o quanto eu passava criando as crianças. No entanto, naquela manhã, seus olhos eram impessoais e seu tom, seco.
Ela estava tão chateada que eu tinha ido para Heidelberg e quase morri?
“Gwen, eu não sei o que está…
“O funeral começa em duas horas. Você precisa se preparar rapidamente.”
O quê?
“O que você está falando?” eu exclamei em pânico. “Um funeral? Do nada? Algo aconteceu com uma das crianças? Por favor, não me diga!”
Eu fui atacada por bandidos! Algum desastre aconteceu com as crianças enquanto deveriam estar se divertindo no casamento?
Deus tenha piedade!
Gwen recuou. Ela me olhou com uma expressão estranha e enigmática.
Ela adotou um tom conciliador. “Minha senhora… eu entendo que você sofreu um grande choque. No entanto, você deve aceitar a realidade agora. O marquês teria querido o mesmo.”
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