Capítulo 125

Eu abri os olhos ao som de uma porta se fechando.

Demorou um pouco para que as sensações voltassem ao meu corpo, mesmo depois de abrir os olhos.

Sentia como se meu corpo estivesse preso por uma pedra pesada. O teto desconhecido entrava e saía da minha visão.

Onde eu estava? Por que estava dormindo?

Minha cabeça estava confusa, mas o som de uma certa voz me fez despertar.

“… isso a protegerá da mulher maligna e evitará que você seja seduzido pelas palavras da estrangeira. Não deixe seu coração cobiçar aquela bela cor. Não deixe aqueles olhos te enganar. Quando há uma mulher lasciva por perto, alguém pode se encontrar com nada além de um pedaço de pão. Uma mulher devassa é a caçadora de vidas preciosas…”

A voz era ao mesmo tempo familiar e desconhecida. Me senti subitamente consciente, como se tivessem jogado água fria em mim. Eu me sentei.

“Você…!”

Um cardeal estava ao lado da janela com uma bíblia aberta em suas mãos, murmurando em voz alta. Ele se virou para me encarar em meio ao meu choque.

Seus olhos sombrios brilhavam com a luz do fogão.

“Você está acordada, pelo visto. Finalmente.”

Eu não respondi.

“Você deve estar bem satisfeita.”

Rapidamente examinei meus arredores.

O quarto era exageradamente luxuoso para a situação.

Todos os móveis eram da melhor qualidade, incluindo a cama em que eu estava sentada. O teto era decorado com folha de ouro vívida e uma tapeçaria espessa pendia da parede. Era tão luxuoso quanto qualquer quarto de nobre.

O Cardeal Richelieu não se encaixava naquela imagem.

“Onde…”

“A residência oficial dos cardeais. Aviso que gritar não adianta nada. Ninguém aqui pode ser perturbado.”

Claro… balancei minha cabeça dolorida rapidamente. Preciso lembrar. Eu definitivamente estava na loja de roupas da Madame Melissa…

“Onde estão meus filhos?”

Até para mim, minha voz soou assustadoramente fria. Senti o sangue me abandonar.

Richelieu franziu ligeiramente a testa e fechou a bíblia com um estalo. Ele se virou completamente para mim.

“Eu presumiria que estão na propriedade do marquês. Como eu deveria saber?”

O quê…? Apertei os olhos e respirei fundo. Espere… isso mesmo… Leon e Rachel estavam com os cavaleiros.

Se eu realmente tivesse sido retirada da loja de roupas da Madame Melissa depois de perder a consciência lá, Deus deve ter desempenhado um papel em enviar os gêmeos antes de mim.

“Ha… eu não achava que a Madame Melissa fosse tão tola.”

“Ela é simplesmente uma verdadeira crente.”

“E o que essa verdadeira crente recebeu em troca de sua cooperação?”

Richelieu não deu uma resposta. Em vez disso, ele trouxe a cadeira ao lado do fogão para perto da cama e sentou lá. Ele começou a me encarar fixamente.

Seu olhar estava cheio de ira e vergonha, vício e desejo. Me deu arrepios.

“Você conseguiu um feito que seria impossível para uma mulher realizar sozinha. Unir aquele bando de vira-latas nobres e instigar os hereges… você é o verdadeiro diabo encarnado?”

“Eu não sei se sou o verdadeiro diabo encarnado, mas considerando o papel que você desempenhou nos eventos atuais, você também deve ser um servo do diabo.”

“O papel que eu desempenhei…?”

“Você teve a audácia de dar cantarella ao filho do Duque de Nürnberger. Devo reconhecer sua habilidade. Embora eu não possa chamá-lo de sábio.”

Ao lembrar do incidente, a raiva substituiu meu medo. Eu quase perdi Norra para sempre por causa dessa pessoa sentada à minha frente.

O cinismo pairava sobre meus lábios.

“Se não fosse por aquele caso, teria sido muito mais difícil convencer os outros. Devo lhe agradecer.”

Ele não respondeu.

“E quase perder o filho do duque também despertou sentimentos dentro de mim que eu não tinha plena consciência. Sério, você estava tentando me ajudar de propósito?”

“Os truques do demônio sempre visam impedir as intenções de Deus.”

“A santa mãe e o santo pai te deram uma missão para assassinar o filho do Duque de Nürnberger? E eu pensei que era simplesmente o resultado do seu ciúme vergonhoso. Assassinato e inveja. Esses são vícios que violam perfeitamente os mandamentos, não é?”

“Eu estava simplesmente tentando salvar sua alma. Para evitar que ele cometesse os mesmos pecados que você, uma bruxa…”

“Você acha que sou uma bruxa? Eu nem tenho uma vassoura mágica,” retruquei com sarcasmo mordaz.

As sobrancelhas castanhas do jovem cardeal se contraíram ameaçadoramente. A maneira como ele se inclinava para frente e abria e fechava a mão direita o fazia parecer pronto para atacar a qualquer momento.

Baixei os olhos e olhei para a janela com os olhos semicerrados. Ele abriu a boca e falou com uma voz que lembrava metal áspero raspando.

“Eu trouxe você aqui para sua salvação. Para lavar seus pecados corporais e espirituais e renascer você como uma nova crente.”

“Meus pecados serão anulados quando você me abraçar?”

Fiz essa pergunta porque estava em total descrença. No entanto, parecia ter acertado em cheio, pois ele estremeceu. Eu não pude evitar gemer.

“Os homens da igreja devem ter uma vida tão fácil. Eles conseguem chamar o estupro de salvação.”

“Eu nunca disse que iria estuprar você.”

“Cardeal Richelieu. Por que eu estou aqui?”

Ele não respondeu.

“Você disse que, por minha causa, sua carne pode ser pura, mas sua alma está manchada há muito tempo. Você se sente à vontade colocando toda a culpa em mim?”

“Eu nunca… me senti à vontade desde que te conheci. Teria sido melhor… teria sido melhor se eu tivesse te destruído desde o início. Eu poderia ter impedido que este país fosse dominado pelos servos do diabo e hereges…”

Sua voz saiu dolorida e tremia levemente. Parecia que ele estava desesperadamente suprimindo algo.

Mantenha a calma… eu devo agir com cuidado.

Observei os olhos escuros tremendo à minha frente e falei sombriamente.

“Há apenas duas possibilidades se você fez isso, mesmo sabendo que a família real Safávida está colaborando com a Casa Neuschwanstein. Ou você está agindo de forma independente ou acredita que, aconteça ou não uma guerra, isso não terá nada a ver com a igreja.”

“Você acredita que aquele país selvagem de hereges realmente atravessará o canal só por você? Bem, talvez para o diabo encarnado, isso possa parecer possível. Mas, mesmo que eles venham aqui, a igreja ainda tem o apoio de nações aliadas que têm uma fé profunda. E você acha que o povo deste país ainda te apoiará quando você for a causa de militares estrangeiros pisarem nesta terra?”

Quem pode dizer?

De qualquer forma, a promessa do Príncipe Ali para mim foi uma carta útil para convencer os nobres temerosos e pressionar a igreja desde cedo, mas isso era tudo que eu esperava que fosse. Eu não queria que os janízaros aparecessem nas costas do império também.

A guerra não era meu desejo, mas essa era uma razão secundária. Eu sabia que haveria mudanças de opinião se eu trouxesse militares estrangeiros para o meio.

“Quem pode dizer? No entanto, eu acho que a igreja tem outros inimigos para se preocupar que não são estrangeiros agora.”

Ele não respondeu.

“De qualquer forma, o fato de você ter usado aquela criança para me trazer aqui deve significar que você não tem intenção de me deixar sair daqui. Então, vamos ouvir qual é o seu plano. Você está planejando me levar secretamente para algum mosteiro paroquial e me trancar lá para sempre? Ou vai me subjugar aqui e agora?”

O cardeal me encarou com aquele ódio habitual e se levantou lentamente da cadeira. Meu coração acelerou. Minhas palmas ficaram suadas. No entanto, tentei não demonstrar e permaneci sentada, imóvel.

“Sua Santidade deseja te queimar viva.”

Eu fiquei quieta.

“Ele quer transformar você em um exemplo e devolver os crentes em seus julgamentos profundos aos seus lugares. Claro, antes de fazer isso, tenho certeza de que ele tem negócios a resolver com você. Tenho certeza de que há muitos aqui que têm negócios a resolver com você.”

Eu ainda não respondi.

“Mas eu posso te salvar.”

Ele havia chegado até a cabeceira da cama. Ele se agachou e sussurrou friamente em meu ouvido enquanto eu me esforçava para esconder meu desgosto.

“Se você apenas me prometer uma coisa.”

“Que tipo de promessa?”

“Prometa cortar sua conexão com o mundo e se subordinar a mim.”

Eu fiquei sem palavras.

“Você não enfrentará mais dificuldades humanas. Você não será mais usada pelo diabo.”

Meus olhos ainda estavam voltados para baixo, olhando para a janela. Eu lentamente me afastei. Então, lentamente—muito lentamente—joguei a cabeça para trás e deixei a risada que eu estava reprimindo explodir.

“Puahahaha…”

Me ver rir com os ombros trêmulos obviamente fez seu rosto endurecer em uma expressão difícil de descrever.

Eu não me importei. Continuei rindo, depois falei de uma maneira que, até para mim, soava bastante como Elias.

“Desculpe, mas, como você disse, sou uma pessoa tão materialista que você, que é mais inútil do que uma meia velha de um cavaleiro, não pode me satisfazer como homem. Nunca encontrei um homem tão patético. Isso é adorável. Pensar que você poderia me salvar tão facilmente! Prefiro queimar até a morte do que ficar ao seu lado pelo resto da minha vida!”

Seus olhos negros pareciam arder como os fogos do inferno. No momento seguinte, Richelieu me atacou como um gato feroz.

Lutamos nessa situação de um lado para o outro. Lembrando das habilidades de autodefesa que Jeremy me ensinou, levantei o joelho e o chutei com toda a força.

Felizmente, parecia que eu tinha acertado os pontos vitais dele corretamente. O cardeal que, momentos atrás, estava fazendo de tudo para me esmagar, de repente ficou pálido. Sua força o deixou.

Aproveitei a oportunidade para me afastar.

“Não consegue me machucar, seu principiante retorcido?”

Corri rapidamente em direção à janela. Olhei para baixo e vi que o chão estava completamente coberto por ramos de sicômoro.

Respirei fundo e arranquei a tapeçaria grossa da parede. Richelieu estava ofegante, curvado. Ele cambaleou e, então, investiu contra mim no mesmo momento em que me joguei pela janela.

Foi bom estar envolta na tapeçaria. Caso contrário, eu teria me machucado seriamente com os inúmeros galhos de sicômoro que encontrei antes de chegar ao chão.

Senti um grande e estrondoso impacto, e meu corpo sentiu uma dor paralisante.

O chão estava congelado pelo ar invernal. Os arbustos amarelados e a tapeçaria podem ter amortecido minha queda, mas não foram suficientes para me proteger da dor de cair do quarto andar. Ainda assim, suponho que foi 100 vezes melhor do que nada.

Me levantei, mancando. Um momento depois, ouvi as reverberações altas de algo caindo perto de mim.

Será que alguém que tinha sido sequestrado como eu, também havia pulado? No entanto, eu não tinha tempo para hesitar.

Levantei a barra rasgada da minha saia e corri.