Capítulo 62

De qualquer forma, isso era ruim. Elias e todos esses garotos de casas de alta patente estavam harmoniosamente manchando os nomes de suas famílias. Será que eles também estavam compartilhando drogas?

“Eles estão apenas jogando? O que quero dizer é…”

“Eles estão jogando jogos de tabuleiro competitivos com dinheiro. Fora isso, estão apenas bebendo e festejando, o que pode ser mais preocupante. Mas alguém me preocupa mais do que os Neuschwansteins colaterais…”

“Quem?”

Norra não respondeu. Em vez disso, ele abaixou o olhar e mudou de assunto com cautela. “Enfim, sugiro que você não conte a ninguém sobre isso e finja que não sabe de nada por enquanto. Cabe a você o que fazer com o moleque, mas como o príncipe e sua família estão envolvidos, isso vai ser complicado.”

Ele tinha razão. Quais eram as chances de meu irmão administrar um antro de jogos que o príncipe acabasse visitando? Pode ser coincidência, mas eu tinha a sensação de que alguém havia armado uma armadilha maliciosa.

Quem estava por trás desse esquema, e por quê? Eu precisava perguntar ao meu irmão? Ele sequer me diria?

Não. Alguém como ele apenas aproveitaria a chance para me chantagear. Sem saber quem estava por trás disso, agir precipitadamente poderia levar a mais problemas.

Meu Deus. Eu poderia nunca ter sabido disso se Norra não tivesse seguido Elias!

Se Norra não tivesse se oferecido para segui-lo…

Olhei para Norra pelo canto do olho. Ele se virou para mim ao mesmo tempo. Quando nossos olhos se encontraram, ele sorriu calmamente.

“Não se preocupe muito,” ele disse. “Não podemos descartar que isso não seja coincidência. Precisamos investigar mais.”

“Não, não posso pedir que faça mais do que já fez…”

“Isso envolve o príncipe,” argumentou Norra. “Este problema não está mais isolado a esta casa. Ainda sou parente da família imperial.”

Ele estava certo. Eu não podia nem protestar. Funguei, depois sorri fracamente e murmurei minha gratidão. “Você é um verdadeiro cavaleiro.”

“É o que sempre sonhei,” ele disse. “Me tornar o cavaleiro de alguém.”

Depois que Norra foi embora, guardei o caderno de esboços que ele deixou e fui enfrentar Elias.

Em contraste com meu tumulto interior, Elias piscou seus olhos esmeralda e deu um longo bocejo. Ele tinha acabado de acordar.

“Ahhhhh. Hã? O que foi? Bom dia, Shuri. Qual é o problema?”

Fechei a porta do quarto atrás de mim. Andei até a cama e cruzei os braços. O que eu queria fazer era gritar com ele, mas contive meu impulso.

Elias pareceu perceber que algo estava errado quando viu minha expressão fria. Ele juntou sua cabeleira ruiva em um rabo de cavalo e começou a balbuciar.

“Você veio me dar sermão sobre minha vida amorosa de novo? Eu disse que vou cuidar disso. Eu sei o que você pensa, mas eu—”

“Quanto você deve?”

“O quê?”

“Quanto você deve? Na casa de jogos.”

Seguiu-se um breve silêncio. Fiquei ali com os braços cruzados e o encarei. Elias olhou em volta como se estivesse procurando alguém mais na sala. Eventualmente, ele coçou a cabeça e murmurou baixinho.

“Eu não sei do que você está falando—”

“Elias von Neuschwanstein!” Eu gritei. “Não se faça de bobo! Eu sei de tudo, então me diga a verdade!” Eu tinha chegado ao limite da minha paciência.

Elias recuou assustado em direção à cama. Da mesma forma explosiva, ele começou a gritar de volta comigo. “E daí?! Você fez outro idiota me seguir?! Ugh, eu disse para parar! Eu tenho minha própria vida! Eu tenho direito à privacidade!”

“Quem se importa? Você nem atingiu a maioridade, então que tipo de vida pode ter?! Se quisesse privacidade, faça isso sem envergonhar todos os outros!”

“O que tem de vergonhoso nisso?! Todo mundo está fazendo! E—”

“‘Todo mundo’? Só porque filhos de outras casas e até Sua Alteza estão fazendo isso também, você acha que pode fazer também?”

Seus olhos verde-escuros se arregalaram com o choque do quanto eu sabia.

Suspirei. “Vocês e os outros segundos filhos de repente decidiram formar um clube? É isso?”

“Por que não?! Os filhos mais velhos ficam com tudo! Qual é o problema de fortalecer uma conexão entre nós?”

“Eu não disse que era ruim! Só tenho um problema em fortalecer essa conexão com jogos de azar!”

“Todo mundo faz isso! O que tem de errado se eu fizer também? É bom para nós gastar dinheiro com esse tipo de coisa. Como é mesmo? Noblesse oblige¹?”

“Elias!”

Oh… meus nervos. Johan, acho que não vou sobreviver até a velhice desse jeito. De quem seu segundo filho puxou, sendo assim?

“Você conhece o dono da casa de jogos?”

“Po-por que isso importa?”

Tive que parar e respirar fundo no meio de lidar com esse garoto sem remorso.

Hoo haa. Hoo haa. Calma. Eu preciso me acalmar.

“É meu irmão mais velho,” eu disse.

“… o quê?”

Tentei recuperar a compostura e falar o mais calmamente possível. “… você não sabia. Claro que não sabia, já que eu nunca deixei vocês se conhecerem. Meu ponto é que ele é alguém que nunca vai fazer bem a nenhum de vocês. Não sei como ele acabou na capital imperial, mas nada de bom virá de se envolver com ele. Especialmente para você.”

Elias piscou com um olhar atordoado no rosto. Isso claramente era uma novidade para ele, mas então ele disse, “O quê? Você tem medo que seu irmão vá nos sequestrar?”

“Não é isso que eu—”

“Eu não sei quais são as conexões dele, mas o que um caipira com uma casa de jogos pode fazer conosco?”

“Elias!”

“Ugh, sério, não é grande coisa! Não é como se eu fosse o melhor amigo dele. Do que você está tão preocupada? Você deixa Jeremy sair com quem ele quiser. Por que é só comigo que você age assim?”

“O que isso tem a ver com Jeremy?” retruquei. “Jeremy está jogando? Está brincando com as filhas de outras famílias?”

“Ah, claro. Jeremy não tem tempo para fazer algo errado porque ele é tão incrível. Mas o que você vai fazer sobre isso? É assim que eu sou!” Elias explodiu. Ele me encarou com seus olhos verdes enquanto ofegava.

Eu estava pasma. Esse garoto é realmente Elias?

“Por que você—”

“O quê? Por que eu o quê? Eu disse algo errado?! Jeremy consegue tudo sem mover um dedo, então quem se importa se eu correr por aí e fazer o que eu quiser?!”

“Eu…”

“Não é como se você fosse desistir desta família por minha causa, então nem tente dizer isso! Eu sei que você só está aqui pelo Jeremy!”

Esse ataque injusto me pegou de surpresa. Claro, eu conversava mais com Jeremy do que com Elias, mas era porque ele era mais velho e o herdeiro da casa. Eu podia discutir problemas com ele, mas Jeremy não era com quem eu passava mais tempo. Era Rachel.

Elias passava a maior parte do tempo fora de casa. Mesmo que eu tentasse falar com ele, ele escapava. No entanto, Elias parecia mais consciente da maneira como as pessoas o machucavam do que da maneira como ele machucava os outros. Era como um hábito dele: se ele estava em desvantagem, gritava e dizia o que sabia que machucaria mais.

“Não diga isso. Vocês todos são igualmente importantes para mim,” eu disse. “Não sei por que você pensa assim, mas eu—”

“Ah, claro! Você até tentou anular seu casamento com nosso pai para que Jeremy não tivesse a mão cortada! Eu sei que você gosta mais do Jeremy! Apenas me deixe em paz! Deixe-me fazer o que eu quiser e me envolver no que me agradar!”

A água clara brilhava sob a luz dourada do sol. O Lago dos Alpes ficava no centro da floresta, amplo, com gôndolas decoradas com belas rosas estacionadas em suas margens. Elas contrastavam fortemente com os cavaleiros, cavalos e cães de caça que vagavam por ali.

“Ei. Você está atrasado pela primeira vez, vira-lata.” Jeremy havia acabado de terminar de inspecionar os barcos que a imperatriz e outras mulheres nobres usariam depois. Ele acenou.

Em vez de retrucar dizendo que Jeremy estava mais cedo do que ele pela primeira vez na vida, Norra reconheceu sua derrota. “Encontrei uma dama em perigo no caminho.”

“Aha. Ela deve ter sido bastante bonita para te atrasar assim.”

“Você provavelmente sabe melhor do que ninguém, mas também me envolvi com alguns fedelhos ranhetas em massa.”

“Ah. As crianças se uniram?”

“Nem me fale. Um deles ainda tinha penugem no rosto.”

Os dois garotos tiveram essa conversa estranha com expressões sérias no rosto. Os cavaleiros presentes começaram a olhar para eles de maneira estranha, se perguntando se eles tinham começado a beber logo cedo naquela manhã, mas ninguém questionou. Um leão e um lobo embriagados formariam uma dupla perigosa. Qualquer um poderia ser seu alvo.

Os cavaleiros, totalmente convencidos de que os herdeiros realmente tinham tomado drogas, começaram a dar espaço para eles. Enquanto isso, Jeremy olhava para o rosto de seu bom amigo à luz do sol da manhã com uma gravidade incomum.

“Certo. Então, o que está realmente acontecendo? Presumo que minha casa não esteja sob ataque.”

1. significa, à letra, “nobreza obriga”. Esta expressão é utilizada quando se pretende dizer que o fato de pertencer a uma família de prestígio ou ter uma certa posição social, ou ter um nome honrado, ou famoso obriga a proceder de uma forma adequada, à altura do nome que se tem.[↩]