Capítulo 70
Não. Os olhos azul-escuro de Norra estavam claros demais para alguém drogado. Seu olhar, na verdade, era afiado.
“Se as pessoas estão dizendo isso, então alguém deve estar espalhando boatos de propósito,” disse Norra.
“Não sei quem está por trás dessa difamação, mas vou arrancar as pernas deles e matá-los.”
“Isso é bem o que eu esperaria de você, mas está mudando de assunto.”
“O que você está falando?”
“Foi besteira? O que seu irmão disse ontem?”
Jeremy congelou. Não era do seu feitio travar assim, mas isso era uma emboscada. Sua mandíbula caiu de choque.
“O que você—”
“Eu queria perguntar diretamente para você,” disse Norra. “Pelo menos uma vez.”
Se fosse qualquer outra pessoa, Jeremy já teria jogado no rio para virar comida de peixe.
Mas ele não se mexeu. Ele não conseguia nem falar. Era como se alguém tivesse atacado seu ponto fraco no momento certo… como se alguém tivesse visto através dele…
“Seja honesto. Você realmente a vê como nossa mãe?! Não vê! Eu sei disso! Você não namora ninguém. Você não pensa em se noivar com ninguém. Eu vi o jeito que você olha para ela! T-todos falam sobre isso!”
O rosto iluminado de Jeremy escureceu pela primeira vez ao recordar as palavras de Elias. Uma vaga suspeita floresceu em um medo avassalador.
“Você… tem pensado o mesmo que ele? Acreditou naquela besteira—”
“O que eu penso não importa. O que você pensa importa. Não tenho problemas com a forma como Shuri te vê, mas quero saber como você se sente.”
“Droga. Você ficou maluco?! O que você quer de mim? Por que está perguntando isso?!”
Norra se virou completamente para Jeremy. Sua voz estava calma, e seus braços cruzados. “Porque você é meu amigo.”
A mão de Jeremy disparou como se quisesse agarrar o pescoço do amigo, mas ele parou. “O que…”
“E minhas intenções daqui para frente dependem do estado do seu coração.”
Seguiu-se um breve silêncio. Jeremy piscou. Enquanto tentava entender o que Norra queria dizer, Norra ficou lá, calmamente.
Após um silêncio gelado, Jeremy perguntou, “De que diabos você está falando?”
Norra respondeu a esta pergunta sem sentido com um olhar desdenhoso que faria qualquer um se sentir envergonhado.
Isso só piorou o humor de Jeremy. “Custa dizer o que você realmente quer dizer?!”
“Você precisa deixar claro onde você se posiciona, seu bastardo preguiçoso! Você e Elias são iguais. Claro, vocês são irmãos.”
“Isso foi golpe baixo.”
“Eu vou continuar fazendo coisas pela Shuri, como sempre fiz,” disse Norra. “No entanto, se você pretende se tornar um obstáculo em algum momento, não olharei para isso com bons olhos.”
Outro silêncio se seguiu. Este silêncio foi mais chocante que o anterior.
Mesmo que Norra não usasse frases claras como “Estou apaixonado por ela,” ou “Eu adoro ela,” Jeremy entendeu que era o que ele queria dizer.
“Então, você está dizendo… que se eu…”
“Shuri pode ser como família para você, mas não é para mim. Eu não vou assistir você arrastá-la para a lama, então você precisa deixar as coisas claras agora.”
Jeremy percebeu na hora que Norra tinha visto através dele.
Ele suspirou e mordeu o lábio. Tudo isso era culpa do seu irmão idiota mais novo. Se ele não tivesse trazido aquele assunto, ele não estaria exitando assim.
Jeremy tinha decidido aceitá-la como família. Ele tinha decidido aceitá-la como mãe. Apesar disso, ele nunca tinha pretendido que Shuri, de todas as pessoas, fosse sua madrasta.
Ele nunca tinha pedido por isso, ainda assim o destino havia erguido um muro eterno entre eles. Se algum dia ele desmoronasse, ambos seriam esmagados. E ainda assim… e ainda assim…
Por que ele não conseguia dizer nada? Por que ele não conseguia gritar para Norra parar de falar essas coisas?
Após tentar e falhar várias vezes em falar, as palavras finalmente subiram pela sua garganta. Jeremy respirou fundo para aliviar a dor. Se… se…
“Se… vamos dizer que tanto ela quanto eu queremos a mesma coisa, o que você faria?”
Sua voz soou estranhamente desesperada.
Norra levantou uma sobrancelha escura e respondeu friamente. “A cova do leão precisa de um cão de guarda? Eu ficarei feliz em ser esse guarda se isso for realmente o que Shuri quer.”
Jeremy não respondeu.
“Mas se não for, eu me tornarei o oposto.”
O silêncio se estendeu por um bom tempo.
Os dois meninos se encararam por muito tempo, parados na ponte sobre o Rio Danúbio, sem dizer nada. Era a primeira noite da competição de esgrima. O céu estava de um rosa glorioso.
Eles pareciam dois meninos perdidos nas ruas após sair de casa.
O cavaleiro de cabelos negros quebrou o silêncio frágil. Seus olhos azuis giravam como ondas violentas. Ele os fechou apertado. Quando os abriu, encontraram os olhos verdes e brilhantes de Jeremy.
“Certo, então. Vejo você nas finais.”
Jeremy não disse uma palavra. Tudo o que ele podia fazer era observar seu amigo se despedir como se nada tivesse acontecido, depois se virar e ir embora.
“Seria tão diferente se alguém como você tivesse sido meu pai ou irmão.”
Eu tinha catorze anos e estava recém-casada. Naquela época, eu ainda era relativamente falante.
“Eu realmente quero dizer isso, embora suponha que, se isso acontecesse, eu nunca teria te conhecido.”
Eu não era particularmente mais falante comparada às outras garotas da minha idade. Eu deitava de lado e tagarelava enquanto meu marido ouvia ao meu lado. Ele puxava o cobertor até meu queixo.
“Se fosse o caso, o que você acha que estaria fazendo agora?” ele perguntou.
“Hmm, não tenho certeza. Acho que tenho muitos talentos, mas não sei o que estaria fazendo. Talvez me preparando para debutar na sociedade como todas as outras filhas de nobres.”
“Se você tivesse debutado na sociedade, teria sido uma visão encantadora. Todo mundo teria se envergonhado de estar ao seu lado.”
“Não me provoque. Pode me contar sobre seu primeiro amor? Você disse que eu te lembrava dela.”
Normalmente, uma nobre não pressionaria o marido a contar sobre seu primeiro amor, mas meu marido e eu éramos diferentes dos casais casados normais. Quando meu marido falava sobre seu primeiro amor, limitava-se sempre à infância. Ele se recusava a me contar o que aconteceu com ela.
Ele nem sequer me dizia o nome dela.
“Te conto depois. Estou cansado hoje.”
Ele sempre evitava o assunto assim, e como sempre, eu assentia. Então, eu enterrava o rosto no travesseiro e sussurrava: “Você quer dormir comigo?”
Naquela época, às vezes eu dizia essas palavras como um hábito. Mesmo que eu não o quisesse, e ele nunca me tocaria desde que eu não… eu tinha medo de ser abandonada a qualquer momento. Eu temia que ele pudesse me mandar de volta para minha horrível família. Então, eu perguntava coisas assim de vez em quando.
E cada vez, ele sorria como se para me confortar e dava um tapinha no meu ombro.
“Obrigado, mas está tudo bem.”
Ele era tão semelhante a um Neuschwanstein, mas, ao mesmo tempo, tão diferente. Os Neuschwansteins eram conhecidos por terem temperamentos quentes, mas eu só o tinha visto zangado duas vezes.
Uma vez quando Elias deixou uma cicatriz na parte de trás do meu pescoço. A outra…
Meus olhos se abriram. Eu tinha sonhado com o passado novamente. Desta vez, era sobre o passado imutável, intocável, mesmo depois de eu voltar no tempo.
Fazia tanto tempo desde que eu tinha sonhado com Johan.
A chuva batia na janela. Estava escuro, então ainda deveria ser noite.
Era raro eu acordar no meio de um sonho hoje em dia. Eu me perguntava o que tinha me acordado…
Me sentei para fechar as cortinas da janela para abafar o som da chuva e ofeguei.
Quase tive um ataque cardíaco quando vi uma figura grande sentada em uma cadeira ao lado da minha cama.
Seu malandro!
“Jeremy? O que você está fazendo aqui?”
Jeremy parecia ter cochilado há um tempo. “Ah… desculpe. Eu te acordei?”
Eu não fazia ideia de por que ele estava guardando o pé da minha cama. Era quase como se ele estivesse me supervisionando.
“Você teve um pesadelo? O que você está fazendo aqui?”
“Ah, bem, sim. Tive um pesadelo.”
“Sobre o que era?”
“Você fugiu.”
Que pesadelo incrível. Eu sorri.
Os olhos verdes de Jeremy brilhavam vagamente na escuridão, me observando. Seus olhos me lembravam dos olhos que eu tinha acabado de ver no meu sonho.
“Você está bem?” ele perguntou.
“Eu é que deveria perguntar isso,” eu disse. “Amanhã são as finais. Você deveria estar aqui assim?”
“Dizem que um verdadeiro cavaleiro não corteja o sono.”
“Você vai perder para Norra desse jeito,” eu brinquei.
Jeremy não riu. Em vez disso, ele olhou para mim com olhos estranhamente solenes. Ele levantou uma mão.
“Shuri, preciso te perguntar. Onde você conseguiu isso?”
Quando vi o colar de diamante branco brilhante cintilando no escuro, fiquei imersa em pensamentos profundos.
Devo fingir o papel de mãe, zangada com seu filho mais velho por bisbilhotar no meu escritório? Não posso acreditar que ele vasculhou meu escritório no meio da noite… ele não é do tipo que faz essas coisas, mas como mais ele teria encontrado isso?
De repente, senti a parte de trás do meu pescoço esfriar. Todo esse tempo, pensei que os dois não tinham nada em comum, mas agora, eu podia ver. Tal pai, tal filho.
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