Capítulo 16 — Mete bala no druida!
Rodrich estava com suas mãos trêmulas, mas em nenhum momento hesitou em abaixar seu rifle para o homem que tinha acabado de invadir o acampamento. Em um instante, o barulho de criaturas se aproximando o fez imaginar que seriam invadidos por alguma espécie de monstruosidade que habitava a Selva de Concreto, mas quando as toras que compunham o muro que cercava o acampamento simplesmente começou a criar raízes e a se flexibilizar como uma borracha para abrir caminho, sua convicção do que era real e místico começaram a se misturar.
Adentrando forçadamente o acampamento, um enorme urso de pelagem preta, com veias douradas passando por toda a extensão do seu corpo, rosto esquelético e olhos amarelos brilhantes emergiu de forma aterrorizante. Seus grunhidos eram completamente distorcidos, como se o som estivesse sendo raspado em um quadro negro. Suas presas eram enormes e pareciam afiadas artificialmente, como se tivessem passado uma lixa neles.
— Deuses, que pecado cometi para estar nessa situação? — murmurou Lavignia, completamente aterrorizada.
A pobre garota não conseguiu nem acordar apropriadamente, quando Melissa chegou acordando as duas para fugir daquele lugar. Eram tantas perguntas que rondavam sua mente naquele momento. Como a proteção dali caiu? Por que estavam sendo atacadas? Onde estava Huan Shen? Havia algum cenário em que conseguiriam sair vivas dali? Apesar de estar paralisada de medo, ainda tinha forças para manter Lilian em seus braços e pressionada contra seu abdômen, para não observar aquela monstruosidade se aproximando.
Mesmo que tivesse passado pouco tempo, Lavignia via muito da sua irmã mais nova na Lilian, o que a fez se apegar rapidamente a ela. Mesmo que fosse fraca, faria de tudo para levá-la em segurança para casa.
— Lavignia, se prepare para pegar a Lilian e correr o mais longe que puder! Você tem que sobreviver e encontrar Huan Shen para te tirar daqui — disse Melissa, enquanto encarava a criatura.
Embora parecesse determinada, Melissa estava se agarrando totalmente a sua força de vontade para não fugir desesperada ou simplesmente cair no chão, completamente indefesa e incapaz. Ela e Rodrich eram os mais velhos, tinham que garantir que aqueles dois jovens conseguissem sobreviver. Ela segurava na pistola que tinha ganhado do detetive, mas pensava seriamente se teria coragem de puxar o gatilho quando fosse necessário.
Acompanhado do urso, duas pessoas entraram. Ou foi o que eles imaginaram. Seus corpos eram tão pálidos quanto a poeira do chão, seus membros estavam repletos de veias douradas espalhadas pelos seus olhos, estes que não possuíam íris. Sua pele parecia mármore com todas aquelas ranhuras.
Enquanto uma delas não parecia chamar muita atenção além da sua aparência, a segunda era realmente peculiar. Usando um casaco vermelho surrado e portando duas lâminas nas mãos, a criatura tinha uma aparência feminina bastante familiar. Seu pescoço tinha uma enorme mancha negra, tão escura quanto obsidiana.
Em cima do urso monstruoso, uma figura masculina magra residia montada de forma imponente. Ele um enorme manto de couro com um crânio de algum animal em um dos ombros, enquanto portava o que parecia um singelo bordão de carvalho. Seus olhos tinham um verde misterioso, que pareciam bruxulear como uma vela.
— Fique onde está! Você e sua monstruosidade não ousem dar mais um passo! — bradou Rodrich, rangendo os dentes.
O senhor ergueu as mãos, fazendo com que tanto o urso quanto as criaturas pálidas parassem de se mover. Era peculiar como aquele homem segurando um objeto estranho em sua direção tinha tanta convicção em suas palavras.
— Sempre achei estranho o fato de que, apesar de saber sobre todas as coisas que ocorrem na Selva de Concreto, algumas pessoas simplesmente desapareciam no meio dela sem deixar rastros. E depois apareciam novamente como se nada tivesse acontecido. Essa capacidade de camuflagem é algo que jamais pensaria que a civilização seria capaz de fazer.
Rodrich era um homem vivido, ele sabia da existência de pessoas com a capacidade de controlar os aspectos sobrenaturais e desconhecidos do mundo, capazes de desafiar a lei da física, a ordem natural e o próprio espaço-tempo. Em seus cinquenta anos, conheceu apenas duas dessas pessoas por um breve período de tempo e desejou nunca mais se encontrar com elas novamente. E o homem na sua frente confirmava isso.
— Eu tô avisando! O que estou segurando agora é capaz de abrir um rombo na sua cabeça antes que você consiga fazer qualquer um dos seus truques de mágica. Saia do acampamento e nos deixe em paz! — disse Rodrich, segurando o rifle com intensidade.
Aquilo atiçou a curiosidade do velho. Era uma ferramenta completamente desconhecida para ele, mas não sabia se aquele homem estava apenas blefando. Era necessário um teste prático para descobrir.
Com um movimento dos seus dedos, um dos sulfurizados se moveu na direção de Rodrich. Aquilo o fez suar frio, pois não sabia se o homem estava confiante na sua vitória ou era simplesmente ignorante ao que ele estava segurando. Com isso, a responsabilidade ficou no ombro do detetive, que não hesitou em puxar o gatilho.
O som alto da rajada dos tiros ecoou pela selva, seguido do clarão das balas em alta velocidade percorrendo o acampamento. Foram cerca de dez balas atiradas com precisão no sulfurizado, que cessou seu movimento imediatamente. Do abdômen até a testa. Embora seu corpo fosse reforçado pela magia da terra, não foi capaz de impedir que cada bala atravessasse seu corpo tranquilamente, deixando-o completamente perfurado. O sangue negro começou a escorrer dos buracos.
O velho olhava aquilo com uma mistura de horror com admiração. Aquilo seria plenamente capaz de destruir qualquer criatura que estivesse sob seu controle em condições normais, o que era aterrorizante. Será que a civilização estava completamente armada com isso? Isso tornaria seus planos completamente incapazes de serem realizados.
— Entendeu o recado, velhote? — perguntou Rodrich, em um tom de desdém. — Cai fora enquanto ainda estou sendo gentil!
A garota sulfurizada girou as lâminas em suas mãos, mas o velho a manteve sob controle.
— Compreendo o poder que você possui em suas mãos, mas receio que isso seja tudo que você tem.
De repente, o sulfurizado começou a se mover mais uma vez. Os buracos de bala começaram a se fechar gradativamente, como uma cicatrização exageradamente acelerada. Aquilo instalou o terror entre todos que estavam observando aquilo. Rodrich sabia que não tinha a menor chance de lidar com aquilo, tudo que poderia fazer era ganhar tempo.
— Melissa! Pega todo mundo e corre para o mais longe que puder. Agora! — gritou o detetive.
Sem pensar duas vezes, ela agarrou na mão de Lavignia e correu na direção oposta. Seu coração estava pesado por ter que abandonar alguém para trás, mas sabia que elas só o atrapalhariam. Rodrich, relativamente aliviado, abriu fogo sem pensar duas vezes. Porém, diferente de antes, o sulfurizado não ficou parado para receber os tiros.
Seu corpo se movia com uma flexibilidade bizarra. Seus disparos subsônicos eram claramente mais rápidos que seus movimentos, mas a capacidade de previsão daquela criatura era muito superior. Vendo que não conseguiria acertá-lo, imediatamente virou a arma na direção do velho.
No instante que apertou o gatilho, sua mão foi desviada pelo sulfurizado que se aproximou pelo seu ponto cego. O druida tentou desviar, mas a bala ainda passou de raspão pelo seu rosto, abrindo um enorme talho em sua bochecha. A dor era imensa, mas seu rosto não fez nada além de uma leve expressão de desconforto.
Rodrich tentou puxar a arma para si, mas a força do seu oponente era massivamente maior. Porém, não deixou o desespero tomar conta. Ao ver que não conseguiria contestar, soltou uma das mãos, cerrou o punho e acertou um soco no rosto do sulfurizado. A pele era dura como madeira, deixando as costas dos seus dedos ralados.
Ali, Rodrich viu que não tinha mais jeito. A criatura acertou uma cabeçada no seu rosto, esmagando seu nariz e deixando-o inconsciente. Enquanto sua visão escurecia, o sentimento de impotência e fracasso tomava conta dos seus pensamentos. Tudo que poderia fazer era torcer por um milagre acontecesse antes que o pior acontecesse.
Com o detetive completamente desacordado em seus braços, o sulfurizado ergueu a mão direita em direção ao seu pescoço, prestes a quebrá-lo sem ter a menor resistência. Seus dedos se envolveram no pescoço de Rodrich, mas quando estava prestes a matá-lo, o druida ergueu a mão, parando-o.
— Tem muita coisa que ainda preciso aprender sobre os efeitos desta terra, como por exemplo, conduzir o ritual em pessoas ainda vivas. Isso poderia trazer uma nova geração de irmãos para nós.
Do outro lado, a nova Hinoka trazia Melissa e Lavignia arrastadas pelas pernas, completamente inconscientes. Lilian residia em seu ombro, carregada como um saco de batatas.
— Não posso negar, eu esperava um desafio maior aqui, devido a sua capacidade de camuflagem. Mas posso ver que ratos que só sabem se entocar, sempre serão apenas ratos. Vamos voltar, o sol está a caminho do seu ápice e eu não sou um amante assíduo disso.
Quando o urso deu meia-volta em direção à saída, algo o chamou atenção. Um sentimento familiar e ruim, algo como se tudo que acabou de acontecer ali tivesse um terceiro elemento envolvido. Como se algo maligno e sombrio estivesse observando-o, se preparando para espreitar. Mesmo que não conseguisse detectar, a sensação da presença da magia Obscura por ali era desconfortável.
Seja o que fosse, não era do seu feitio recuar. A Selva de Concreto era o seu reinado e nada iria interromper isso! Ele iria submeter e eliminar qualquer um que fosse contra seus objetivos.
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