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    Através da Selva de Concreto, Kalira conduzia sua nova montaria em direção às profundezas daquele lugar sombrio e misterioso. Com nada além do som dos cascos se chocando com o solo e o barulho dos corpos sendo arrastados atrás de si, a bruxa não sentia nada além de tédio em relação a monotonia que residia no ambiente.

    — Druida de merda, eu juro que quando eu tiver seu coração em minhas mãos, eu vou caçar todos que restaram. Mas estou curiosa: isso seria considerado extermínio étnico ou social?

    Imersa em seus devaneios antiéticos, sua atenção voltou para sua realidade quando o solo começou a mudar. Não mais o chão sulfúrico predominante, mas sim pedras calcadas sobre os pés do rinoceronte-empalador. As árvores davam lugares a construções antigas, devastadas pelas eras. As casas outrora construídas com pedras polidas de alta qualidade, agora não passavam de ruínas desgastadas e repletas de plantas ramificadas cobrindo-as. Era um dos poucos pontos onde era possível observar o céu de forma plena.

    — Como Heferus não achou esse lugar está além da minha compreensão.

    Diante dela, as ruínas de um templo antigo, um marco na história das eras antigas que tinha sido engolido completamente pela vegetação selvagem e pelo esquecimento. Colunas gigantescas, cobertas de musgos e trepadeiras, que ainda sustentavam partes de um teto parcialmente desmoronado. As estátuas de mármore erodidas representando criaturas ancestrais que um dia habitaram aquela selva a encaravam, observando-a silenciosamente em seu resplendor sutil.

    Kalira parou para admirar aquele lugar em sua profunda melancolia. Os padrões nas paredes, as pedras esculpidas, tudo ali remetia a uma era de profunda devoção e adoração. Uma era onde os humanos ainda eram tementes aos deuses, antes de aprender como desafiá-los. Tudo isso, preso em um passado distante.

    A mulher desceu do rinoceronte, encostando sua palma no chão. Canalizando a sua magia, ela enviou um pulso de energia obscura no solo, como se tentasse checar a presença de algo. De repente, uma sensação de perigo surgiu em um estalo, fazendo-a saltar para trás. Um feixe de luz quente surgiu onde ela estava, disparando em direção ao céu e pulverizando parte do teto que ainda cobria aquela área.

    — É impressionante como o Obscuro e o Sagrado se detestam! Me pergunto o quanto isso vai dar certo…

    Seguindo seu caminho enquanto o rinoceronte a seguia de forma tímida, ela avançou em direção a entrada principal, guardada por dois enormes portões pesados de mármore, que residiam entreabertos. Com um certo cuidado, ela puxou cada porta lentamente para evitar que as dobradiças se partissem e que cento e cinquenta quilos caíssem sobre seu corpinho de garota que mal chegou aos vinte. Seu interior era escuro e misterioso. O ar era pesado, carregado do cheiro de terra úmida e madeira apodrecida. Os passos ecoavam nas paredes vazias, gerando sons que ecoavam como sussurros perdidos na memória de uma decadência fria.

    — Ok, aqui é tranquilo o bastante. Vou começar os meus trabalhos.

    Arrastando uma mesa velha que por algum milagre ainda se sustentava, ela posicionou o corpo do sulfurizado em cima do móvel. Suas mãos percorreram o cadáver, sentindo toda sua textura e extensão. O corpo, mesmo não possuindo tempo o bastante para ficar frio, ainda emitia calor constantemente. Era como se algo estivesse o preservando da decomposição. Não era certo o quanto tempo aquilo duraria, mas era o bastante para trazê-lo de volta com os conhecimentos necessários.

    — Odeio admitir, mas Heferus fez um bom trabalho com essas coisas! Por isso eu tenho que matá-lo.

    Sua pele, apesar de flexível, tinha uma rigidez bastante formidável, capaz de aguentar sem romper golpes de armas cortantes com metal de baixa qualidade. Kalira estendeu seu dedo direito, fazendo a unha do seu dedo indicador se alongar como se fosse um canivete. Aquela pele poderia ser resistente, mas um leve movimento de mão da bruxa foi capaz de abri-la como se fosse manteiga.

    — Minhas unhas não são facas de baixa qualidade.

    Sua mão adentrou o abdômen do sulfurizado e a primeira coisa que percebeu foi como estava quente ali dentro. O sangue, os músculos, todos pareciam ter acabado de sair da fogueira. Ao puxar seu braço, viu sua mão suja de sangue negro. Ela cheirou e provou seu sabor. Haviam dois mistérios no mundo: qual o sentido da vida e como diabos as bruxas conseguem ingerir literalmente qualquer coisa e não morrer por isso.

    — Seiva do Pinheiro Sangrento, alta concentração de enxofre e cinzas vegetais. Acho que eu tive uma ideia…

    Removendo um pouco mais de sangue do cadáver, ela fez um pequeno círculo no chão e desenhou uma estrela de oito pontos nela. Na sua parte interna, ela colocou algumas gotas do sangue removido do sulfurizado. Mas sabia que tinha algo faltando.

    — Preciso de um teste prático. Uma cobaia, pra ser mais exato.

    Seus sentidos detectaram um calango vivendo tranquilamente nas paredes decadentes do templo. Rapidamente, a bruxa saltou e agarrou a criatura, levando-a em direção ao círculo que havia preparado. A mulher olhou para a criatura: seus olhos grandes e singelos, sua pele verde-terra, boquinha fechada e listra negra da cabeça até a cauda, uma bela criaturinha. Algo raro de se encontrar na Selva de Concreto.

    — Me desculpe, amiguinho. É pelo bem da minha pesquisa — disse Kalira.

    A bruxa abriu a boca e arrancou a metade inferior da criatura com apenas uma mordida. O calango se debateu usando as patinhas que sobraram, mas não demorou muito até perder sua vida. Ela mastigou e engoliu o que estava na sua boca, sentindo uma pequena pitada de remorso.

    — Vamos descobrir se isso aqui vai dar certo.

    Seus dedos tocaram o solo próximo ao círculo, seguido de um pulso de magia obscura penetrando a terra. Como esperado, o templo reagiu, contra-atacando com um pulso de energia sagrada. Porém, quando atingiu o círculo feito pela bruxa, a luz branca foi substituída por uma luz dourada e quente. Kalira olhou aquilo boquiaberta, se dando conta da descoberta que fez.

    Quando percebeu que a energia estava se dissipando rapidamente, jogou o que sobrou do calango dentro da luz. De repente, um flash surgiu no meio do templo, forçando seus olhos a se fecharem rapidamente. Após alguns segundos, quando o ambiente voltou novamente a ser escuro, ela olhou mais uma vez para o círculo. A energia já tinha se dissipado, mas algo peculiar aconteceu.

    O calango estava inteiro mais uma vez, porém a metade perdida estava completamente esbranquiçada, com várias linhas douradas em sua extensão. E não apenas isso! As raízes estavam penetrando lentamente a área que estava intacta antes e seus olhos outrora negros, agora estavam brancos como o mármore. Kalira estendeu a mão para pegar na criatura mais uma vez, porém antes que percebesse, o réptil tinha cruzado a sala de um ponto a outro, deixando várias marcas de queimadura onde suas patas pisavam.

    — Ela não só reviveu, mas está muito mais rápida do que antes! Deuses, isso foi do caralho!

    Devido a volatilidade da energia, era necessário que esses processos ocorressem com a criatura enterrada, pois a perda de potência seria menor e o rendimento aumentaria. Mesmo que não pudesse controlar o poder dos deuses, com as runas e os círculos certos, ela poderia canalizá-los apropriadamente, parecido com o que os humanos faziam com a eletricidade.

    Kalira não só acabara de roubar uma técnica de necromancia poderosa, como tinha todas as ferramentas necessárias para arruinar a vida do druida de uma vez por todas. Aquela era uma chance que não poderia ser perdida. Não apenas isso, mas se ela unisse esse ritual com seu vasto arsenal de bruxarias, maldições e feitiços, a bruxa poderia finalmente conquistar seu sonho de criar um domínio superior.

    — Não posso mais perder tempo! Vamos colocar tudo isso para funcionar!

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