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    A Selva de Concreto parecia ficar em silêncio por um instante. Ainda era meio-dia, o sol estava em seu ápice no céu e embora as copas das árvores dessem um ar mais soturno ao ambiente, tudo parecia tão límpido e vívido, como nunca antes. Talvez fosse pela intensa carga mágica que o ambiente recebeu ou talvez fosse pelos nervos à flor da pele pelo confronto que iria começar nos segundos seguintes.

    Desesperada e sem magia, Kalira aproveitou que não era mais o foco das atenções e correu em direção ao templo, esperando não ser notada. Ali, ela se deu conta que seu plano de criar um sulfurizado utilizando toda a potência concentrada daquele lugar tinha dado certo até demais, ao ponto de fazer um cento e oitenta graus e dar tudo errado. Embora sua atenção estivesse focada nos sulfurizados do druida, se Huan Shen descobrisse a verdade a envolvendo colocá-lo no caminho de Heferus, o que gerou a sua morte, as coisas poderiam sair de controle.

    Embora todos tivessem percebido a fuga da bruxa, nenhum deles estava realmente interessado em persegui-la agora, visto que não seria difícil alcançá-la. As mãos alvas de Sião começaram a projetar suas garras, enquanto o cabelo de Sofia regenerava aos poucos. Ao perceber as intenções dos irmãos, Silas bradou:

    — ELE É O MEU OPONENTE! NÃO OUSEM SE INTROMETER!

    A voz grave e reverberante ecoou por todo o ambiente, fazendo até mesmo as folhas se estremecerem. Com um pequeno aceno de cabeça, Sião recolheu Sofia e ambos recuaram até a copa de uma das árvores.

    — Irmão, esse homem é perigoso — disse Sofia, ainda debilitada.

    Sião olhou para a região abdominal da irmã e a cena não era bonita. Embora seus corpos avançados regenerarem centenas de vezes mais rápido que o corpo humano normal, haviam dezenas de estilhaços de gelo perfurados onde o joelho a acertou. Sofia estava tendo um tempo difícil.

    — Eu vou agir se as coisas ficarem difíceis. Porém, eu confio no Silas, ele é o mais forte fisicamente entre nós. Não vai ser um pouco de gelo que irá segurá-lo.

    No solo, Silas já tinha aquecido seus músculos. As veias douradas estavam brilhando em laranja e suas mãos estavam em chamas. Seus braços transparentes mostravam claramente as tubulações enegrecidas levando seu sangue escuro para todas as partes do corpo em uma velocidade inesperadamente alta.

    — Agora vai ser apenas eu e você, meu chapa! Três minutos de pura farra.

    Do outro lado, Huan Shen residia agachado no chão, segurando um pequeno punhado de terra sulfurizada em sua mão esquerda. O cheiro pungente daquele solo não o incomodava mais. Vendo que seu oponente estava pronto para dar o máximo de si, o mesmo se levantou e caminhou na direção dele.

    — Oh, então você resolveu se aproximar da minha pessoa? Em vez de correr na direção oposta, resolveu vir na minha direção? — disse Silas, com os braços bem abertos.

    Embora o emissário soubesse uma resposta à altura, preferiu continuar seu trajeto em silêncio. Seus passos acelerados diminuíam cada vez mais a distância entre ambos, o que deixou Silas levemente preocupado pela confiança exacerbada do seu oponente. O que era estranho, pois embora Huan Shen tivesse pouco mais de um metro e noventa, o sulfurizado em questão tinha pouco menos de dois metros e cinquenta. Além de cada braço parecer ser capaz de lidar com mais de quinhentos quilos sem a menor dificuldade.

    E ainda assim ele se aproximava sem nenhum resquício de medo.

    — Que seja! Vou te mostrar que nós somos as criações perfeitas do nosso mestre!

    Seu punho se fechou e as chamas ficaram maiores, a ponto de queimar o solo nas proximidades apenas por estar próximo. No instante que seu punho recuou para realizar um golpe, o emissário diminuiu a distância entre ambos em um estalar de dedos e balançou sua mão esquerda, jogando a terra nos olhos de Silas.

    — Ha! Essa foi sua melhor ideia? — disse o sulfurizado, sem nem piscar os olhos.

    Como a sua espécie não sentia dor, a irritação da terra foi basicamente inexistente. O problema era que ela não estava só. No instante em que a terra encostou em sua pele, reagiu com os líquidos que tinham em seu corpo, formando centenas de minúsculos cristais de gelo que se espalharam por todo o seu rosto e rasgaram sua pele.

    — Que merda é essa?

    Sua visão não foi apenas tapada, mas sim danificada. Por impulso, Silas colocou a mão superaquecida no rosto para tirar os fragmentos de gelo. No instante que o calor destruiu os cristais, o solo sulfúrico reagiu com o calor, gerando uma explosão em seu rosto. Antes que percebesse, toda a sua face estava completamente desfigurada.

    — SEU DESGRAÇADO! LUTE COMIGO DIREITO!

    Huan Shen se jogou em direção ao chão, agarrando a canela do seu oponente. Sua mão direita começou a solidificar as partículas de água no ar, formando uma lâmina afiada de gelo. Sem hesitação, ele golpeou os tendões de Silas, quase arrancando seu pé fora. O gigante acabou cedendo e caindo sobre seu joelho.

    — MERDAAAAAAAAAAAA! — gritou, desesperado.

    Vendo que seu inimigo estava temporariamente incapacitado, Huan Shen afastou sua cabeça levemente para a direita e ergueu sua lâmina, prestes a cravá-la em seu pescoço. Mesmo cego, Silas telegrafou a posição do oponente. Seu braço esquerdo recuou em uma poderosa cotovelada, acertando o emissário com tudo.

    A pequena fração de tempo que Huan Shen ficou desestabilizado permitiu a Silas o agarrar pelo braço e o arremessá-lo sobre sua cabeça direto no chão à sua frente, derrubando-o no chão. Com seu alvo exatamente onde precisava, seus punhos incandesceram como uma forja em pleno funcionamento, pronto para abrir uma cratera no chão.

    No instante que o punho iria descer com toda a força possível em seu rosto, Huan Shen cravou suas mãos no solo e gritou.

    — PERFURE!

    Graças aos seus sentidos avançados, Silas percebeu algo errado naquele lugar e imediatamente rolou para seu lado esquerdo, se esquivando por muito pouco dos cones longos e pontudos que emergiram do solo. Aquela abertura permitiu ao emissário se levantar e recuperar o fôlego perdido. Era estranho ter sido arremessado ao chão com tamanha força e não sentir dor.

    — Trapaceiro desgraçado! Mesmo que eu não consiga te enxergar, ainda posso sentir meus arredores. Você não terá nenhuma vantagem contra mim!

    Imediatamente, Silas bateu as superfícies das suas palmas uma contra a outra, gerando uma poderosa onda de choque aquecida pela região. O ar quente era tão intenso que os troncos das árvores receberam queimaduras superficiais. Huan Shen cerrou os punhos e socou o solo, invocando uma pequena parede de gelo na sua frente.

    O impacto fez o emissário ser empurrado levemente para trás, nada além disso. Ao perceber a abertura criada com isso, ele chutou a parede na direção de Silas. Embora não pudesse enxergar, o som do vento sendo cortado por um objeto maciço voando na sua direção era algo bem perceptível.

    — Não aja como se isso fosse o bastante para me parar!

    Seu punho superaquecido contra-atacou com um golpe poderoso, esmigalhando a parede em milhares de pedacinhos. O que ele não esperava era que Huan Shen estava contando com isso. Junto com os destroços, o emissário surgiu deslizando pelo solo, acertando uma rasteira com suas pernas laminadas.

    Silas se orgulhava de ter pernas grossas, tão grossas quanto um pilar de concreto, mas a sensação de impotência o atingiu quando sentiu a perna do emissário cortar seu pé esquerdo para fora do seu corpo, o derrubando direto no solo como se não fosse nada. O sulfurizado tentou reagir, mas Huan Shen pisou no seu antebraço, forçando-o contra o solo.

    — Desgraçado! Como você tem tanta força assim?

    O emissário ergueu uma sobrancelha. Então, quatro espinhos congelados romperam do solo, rasgando sua carne e rompendo seus tubos de sangue negro, prendendo seu braço no chão. O frio era tão intenso que o gelo se espalhou tão rápido quanto fogo pelo seu membro, deixando-o completamente preso ao solo.

    Confuso, o sulfurizado não entendia o que estava acontecendo. O frio que seu oponente conduzia era tão forte que nem mesmo as chamas provindas do enxofre tinham o poder para contestar. Nem mesmo sua força física era capaz de combater aquele cara, como isso era possível? A bruxa tinha criado um verdadeiro monstro.

    Erguendo sua mão direita, o ar começou a se condensar em volta dela. Em questão de segundos, ela segurava um machado feito completamente de gelo. Embora Silas não pudesse ver, o som do ar passando pela lâmina o fez ter certeza que aquilo era devidamente afiado.

    — É a primeira vez que estou testando a eficácia de uma arma congelada. Então vê se fica parado, seria triste se acabasse errando.

    Com uma tranquilidade perturbadora, Huan Shen ergueu o machado sobre sua cabeça, tomando o impulso necessário para decapitar o seu oponente. Porém, algo o fez parar por alguns segundos. De repente, ele arremessou a arma à sua frente. A lâmina girou pelo ar até cravar uma árvore e parti-la em dois. Imediatamente, seus pés o impulsionaram para trás, se esquivando de um golpe realizado por duas raízes muito familiares.

    — Vocês demoraram bastante. Já pensou se eu resolvesse acabar com o irmão de vocês um pouco mais cedo?

    Surgindo das sombras, Sião e Sofia tomavam a frente do seu irmão mais novo que ainda residia cego e preso ao solo.

    — Nós já vimos demais! — exclamou Sião, cerrando os punhos. — Você é uma ameaça aos planos do mestre e nós não vamos deixar você sair daqui com vida. Nem que seja a última coisa que façamos!

    O emissário ergueu sua mão esquerda e colocou no rosto, tapando o nariz e a boca. Então, uma formação de gelo começou a se formar na região, indo até a orelha e se fechando na parte de trás, como uma máscara respiradora.

    — Nem que seja a última coisa, é? — respondeu, com a voz meio abafada. — Vamos botar isso em cheque, então.

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