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    As armas do criomante eram impressionantes. Não pareciam ser meras estátuas de gelo ou então feitas de metal com a borda composta por gelo. Toda sua estrutura era congelada. Desde o cabo até a parte mais fina da lâmina. Um vapor branco como a névoa saía em pequenas quantidades da arma, mas ela nunca aparentava ter sua estrutura comprometida pelo calor. Não havia um pingo de água, um sinal de impureza, nada. Apenas gelo puro.

    O assustador de tudo isso era que não parecia ser tão frágil quanto o material que dava sua forma. Quando arrancou a perna do sulfurizado, o impacto com o solo fez sua lâmina se estilhaçar em diversos pedaços, como uma placa de vidro. Mas no instante em que o emissário encostou suas mãos, ela imediatamente se recompôs. E pela cara dele, parecia algo muito básico de se fazer.

    — Você é uma aberração! Aquela bruxa maldita deveria ter a cabeça arrancada e dada de alimento para os vermes, por ter criado algo que ofende a figura do meu mestre! — respondeu Sofia, cuspindo no chão.

    O emissário coçou o nariz com a parte de trás do dedo direito, já que estava segurando um machado e não iria soltá-lo de jeito nenhum contra aquela mulher furiosa.

    — Você me chama de aberração, mas já parou para pensar no que nós somos? Um amontoado de pele morta combinado com líquen profanado e seiva podre. Temos enxofre puro correndo por nossas veias em alta quantidade, não sentimos dor e literalmente não sabemos nosso tempo de vida útil nesse corpo. Acha que eu sou um mero produto de necromancia? Você também é! Alguém profanou a santidade do seu cadáver e te transformou nessa coisa!

    Sofia esboçou um sorriso azedo.

    — Seu olhar raso e inferior não me surpreende! Não importa do que somos feitos, mas sim o quão perfeito nos tornamos. Eu deixei tudo que já vivi para trás e abracei os desejos do meu mestre! Vamos limpar a raça humana, mostrar a nossa superioridade física e voltar tudo ao que deveria sempre ter sido: apenas a natureza em sua forma mais pura e selvagem!

    — Se seu mestre se orgulha tanto do que vocês são, por que ele não se tornou um sulfurizado também? Ele me pareceu bem confortável naquela pele “humana e inferior” — respondeu Huan Shen.

    Pela primeira vez, Sofia não tinha a resposta na ponta da língua. Ela tentou buscar em sua memória qualquer citação ou possível motivo plausível, mas não achou nenhum.

    — É porque…é…o ritual…mas tem aquilo também…

    Sua cabeça começou a esquentar, tentando chegar a conclusão através de várias possibilidades. Porém todas culminaram em um questionamento nada agradável: e se o modelo de vida sulfurizado não tivesse sido projetado para durar? E se eles fossem descartáveis, nada além de um zumbi superpoderoso?

    — Será que…

    Antes que conseguisse concluir seu raciocínio, sua mente ficou obscurecida. Seu ódio pelo emissário tomou o domínio novamente e qualquer pensamento envolvendo Heferus foi completamente nublado.

    — Não importa! Eu vou te matar e levar sua carcaça para o meu mestre! Ele vai me premiar com mais dádivas e serei muito mais poderosa!

    “Estranho…ela queria me matar por vingança ao seu irmão, mas agora que um troféu para ficar mais forte? Tem alguma coisa mexendo na cabeça dela?”

    — Você é doida, mulher! E remédio para doido é outro doido com um pau na mão.

    Imediatamente, Sofia deu um salto para trás enquanto canalizava o calor através das raízes que chamava de mechas capilares. Como ele sabia que ela tinha uma vantagem bem maior na distância, Huan Shen tratou de diminuir a distância entre os dois o mais rápido possível. Sua perna o impulsionou na direção dela, enquanto seu corpo girava e aumentava o poder de impacto dos seus machados.

    O primeiro contato surgiu no instante em que Sofia atingiu o solo. Ao ver o emissário se aproximando rapidamente, ela recuou as raízes e fez uma barreira protetiva na sua frente. Embora tivesse uma crença rígida na resistência das suas raízes, ver um machado a cortar pela metade era algo que a assustava.

    “Porra! Eu não sabia que era tão afiado assim! Se bem que arrancou a perna daquele cara, né? Posso nem falar nada.”

    Usando as raízes restantes, ela aproveitou para prender os braços do emissário. Haviam nove raízes mechas em sua cabeça, mas agora só poderia desfrutar-se de cinco até as outras regenerarem de volta. Foi uma raiz para cada membro do corpo, deixando Huan Shen completamente amarrado e preso.

    — Agora eu vou torcer seu corpo feito uma fruta, até seu sangue sair por todos seus orifícios e seus ossos virarem pasta!

    Huan Shen respirou fundo e canalizou a magia em seu corpo, expelindo-a através de seus poros. Os fios sobreaquecidos de Sofia começaram a emanar vapor. De repente, não tinha mais força para pressioná-lo.

    — O-o que está acontecendo? — perguntou, confusa.

    Vendo que seu controle sobre o mesmo estava prestes a ceder, precisava dar um fim aquilo rápido. Seus olhos pairaram sobre os machados do mesmo que acabaram caindo no chão. Se não pudesse usar seus poderes, poderia pelo menos matá-lo da forma tradicional. Sem pensar duas vezes, ela se agachou e agarrou um dos machados.

    “Isso não vai dar certo.”

    O que a sulfurizada não esperava era o quão frio aquilo estava. Mesmo que sua mão estivesse tão quente quanto ferro fundido, em menos de dois segundos, seu antebraço estava completamente repleto de gelo sobre sua pele e a circulação de sangue negro naquela área simplesmente parou. Mesmo que não sentisse dor, a incapacidade de usar um membro era desesperador.

    Aquilo criou a abertura que o emissário estava procurando. O frio expelido pela sua pele danificou as raízes que estavam em contato contigo, permitindo que sua força extraordinária quebrasse o domínio e ele pudesse voltar ao solo. Imediatamente, Sofia tentou erguer sua defesa e tomar distância, mas era tarde demais. Quando suas pernas a impulsionaram para trás, Huan Shen agarrou duas das três raízes que sobraram na sua cabeça.

    — Ah, você não vai a lugar nenhum!

    Seu enorme braço puxou os cabelos dela em sua direção, desequilibrando-a completamente. No alcance perfeito, seu punho cerrado acertou seu abdômen, criando uma onda de choque através dos seus músculos até atingir a coluna vertebral, estilhaçando-a. Como se não bastasse, colocou sua mão esquerda no ombro da moça e atingiu seu rosto com uma cabeçada poderosa, esmagando seu nariz fino, seus dentes e sua visão.

    Naquele momento, Sofia não estava conseguindo compreender mais nada. Foi então que o mesmo pé que mandou Sião para longe, a enviou selva adentro até encontrar um tronco no meio do caminho.

    — Merda…merda…merda! — esbravejou Sofia, totalmente fragilizada.

    Mal tinha sobrado raízes e a mesma sabia que não tinha como combater Huan Shen em um confronto direto. Tudo que tinha que fazer era ganhar tempo. Seu corpo até tentou levantar, mas sua espinha esmigalhada não poderia levá-la para lugar nenhum. Seus braços tentaram se arrastar através daquele chão sulfúrico, mas era tarde demais. Já era possível escutar os passos pesados esmagando fragmentos de gelo no solo se aproximando.

    Com sua enorme mão, ele a agarrou pelo pescoço e a ergueu, enquanto a pressionava contra uma árvore.

    — Não minta para si mesma, você esperava esse resultado.

    Tudo que ela conseguiu fazer foi esboçar um sorriso. Na sua frente, tudo que conseguia enxergar era um borrão massivo e azulado. A sensação de ter aquelas mãos diabolicamente frias em seu corpo era aterrorizante, mas parecia ser o menor dos seus problemas.

    “Ela já está incapacitada. Não vale a pena perder mais tempo com essa daqui.”

    Usando as enormes raízes capilares que tinha arrancado da moça, a enrolou junto ao tronco de madeira escura onde seu corpo residia. O nó estava horrendamente apertado, mas Sofia não disse nenhuma palavra.

    — Foi um desprazer lutar com você. Para sua sorte, espero que não nos encontremos nunca mais! — disse Huan Shen, recolhendo seus machados do chão. — E vai se fuder!

    O emissário deu as costas e seguiu na direção das profundezas da selva.

    — VOCÊ NUNCA VAI ACHAR MEU MESTRE, ENTENDEU? — bradou Sofia. — VAI PASSAR TODO O SEU TEMPO PERECÍVEL O PROCURANDO, MAS ELE ESTÁ MUITO ACIMA DA SUA CAPACIDADE MEDÍOCRE! MORRA EM DESESPERO TENTANDO-

    De repente, um machado congelado cruzou o espaço entre os dois, acertando perfeitamente o espaço que existia entre sua cabeça e o seu ombro, cortando o pescoço ao meio. O gelo tapou os canais condutores de sangue até danificá-los, destruindo qualquer oportunidade de regeneração por parte dela. Seu rosto estático e bizarro residia sobre a lâmina do machado presa no tronco. O gelo subia pela cabeça, rasgando sua pele e língua, até não ser nada além de um objeto vazio e frágil.

    — Eu te disse! Remédio pra doido…

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