Capítulo 46 — Acerto de Contas (Parte 4)
Huan Shen respirou fundo, enquanto sentia as gotas de sangue negro escorrerem em seu corpo. Aos poucos, a sensação de frio beijava sua pele e um sentimento de aflição crescia em seu íntimo. Dessa vez, a morte não chegaria rapidamente, mas sim teria o seu tempo até consumi-lo completamente.
O urso avançou brutalmente em sua direção, causando um estrondo toda vez que seu corpo devastava a vegetação nas proximidades. Sua velocidade era invejável, parecia uma força imparável prestes a se colidir com um objeto plenamente móvel.
Mas Huan Shen era esperto. No instante em que o urso estava a uns dez metros de distância, seu pé tomou impulso na árvore atrás de si e o mandou para o alto. Aquilo confundiu a criatura, que por não saber onde seu alvo iria cair, refreou sua velocidade através das suas patas dianteiras.
O monstro olhou confuso para o emissário, que girou seu corpo no ar e usou a mana para criar uma superfície congelada debaixo da sola dos seus pés descalços, dando-o propulsão o suficiente para refazer seu movimento em pleno ar e tomar impulso em direção ao urso.
A enorme pata até tentou alcançá-lo, mas já era tarde para isso. Huan Shen caiu em cima da criatura e agarrou o pelo preso em suas costas, montando em cima dele. O urso claramente não gostou disso e começou a rugir, balançando para todos os lados.
“Que merda eu fui fazer?”
Com os braços bem abertos, o emissário segurava com todas as forças a pelugem da criatura. Não demoraria muito para ela utilizar todas aquelas toneladas para rolar pelo chão e esmagá-lo como uma folha de papel. Usando o restante da sua força, ele tomou impulso e arremessou seu corpo para frente, deslocando-se entre o peso da criatura e usando ambas as mãos para dar uma chave de pescoço na criatura.
Sim, Huan Shen estava dando um mata-leão em um urso.
Com um misto de desconforto, raiva e indignação, a criatura mais uma vez ficou sobre os pés, balançando o seu corpo violentamente para remover aquele empecilho das costas. Era exatamente aquilo que o emissário estava esperando.
— Você só vai até aqui, seu merda!
A palma da sua mão esquerda estava sendo pressionada contra a garganta do monstro. Embora sua força fosse enorme, não era o suficiente para sufocar um urso até a morte. Mas também não era isso que Huan Shen estava querendo. Precipitações começaram a se formar na ponta dos seus dedos, até que sua pele começou a rasgar e vários cristais congelados começaram a sair. Em um intervalo de dois segundos, os cristais formaram uma única lâmina que atravessou o pescoço da criatura de um lado a outro, chegando ao ponto de abrir um talho na bochecha do emissário que estava do outro lado.
O urso parou de se mover completamente sobre duas patas. Huan Shen fechou seu punho, quebrando o gelo em sua mão e se desprendendo da criatura. Imediatamente, rolou seu corpo para a esquerda, evitando de estar na trajetória de queda da criatura. Seu corpo desabou como um tronco de uma árvore antiga, causando um poderoso estrondo que ecoou por toda a Selva de Concreto.
“Acho que posso riscar da minha lista a meta de derrotar um urso em um combate limpo. Embora isso não tenha nem sido um combate direito e muito menos limpo.”
Huan Shen olhou para sua mão, que estava completamente esburacada por causa do gelo. Sangue escorria por cada buraco, mas tudo que podia fazer era pegar um pedaço da sua calça e enrolar em sua mão. Foi quando pela primeira vez, ele ponderou:
“Se eu, por acaso, conseguir meu coração de volta e a bruxa me tornar humano, quem garante que vou conseguir sobreviver ao processo? Será que tudo isso não é um esforço em vão?”
Enquanto esses pensamentos ponderavam em sua cabeça, a enorme massa escura ali no meio começou a se movimentar. Huan Shen imediatamente recuou alguns passos, preocupado com o que poderia acontecer. Para o seu desespero, o urso se pôs mais uma vez sobre os dois pés. Mesmo com o gelo atravessado em seu pescoço, o emissário deveria ter se lembrado: sulfurizados não estão mais vivos, logo, não morrem tão fácil.
O urso começou a caminhar em sua direção. Não havia para onde correr, pois o monstro só poderia destruir até o mesmo se cansar ou estar completamente morto. Daquele jeito, não chegaria no druida nunca.
— Como tanta desgraça pode acontecer em um único dia? — questionou Huan Shen, sobre os joelhos.
Então, o monstro avançou em sua direção. Não havia mais razão para resistir ou tentar lutar. Seu corpo estava no limite, qualquer uso a mais de magia poderia acabar fazendo que acelerasse sua morte. Mais uma vez, não tinha sido rápido, forte ou inteligente o bastante.
— Xue Ying, desculpe ser um irmão tão idiota… — murmurou Huan Shen, aceitando seu destino.
Instintivamente, o emissário estufou o peito e fechou os olhos, aguardando o impacto. Seu corpo tremeu levemente, indicando a instabilidade crescente em sua estrutura. Mas em vez de um impacto fulminante, tudo que escutou foi um rugido estranho. Não era ameaçador ou nada similar à de um predador, mas sim de uma criatura em dor. Seus olhos abriram levemente, mas logo se arregalaram com o que estava na sua frente.
Do solo, um enorme espinho atravessava o lado direito do urso. Aquela estrutura era completamente lisa, mas emanava uma névoa negra e densa. Parecia ter se originado da própria sombra do animal. Ele tentou usar sua força para escapar, mas cada vez que puxava seu corpo na direção oposta, o rasgo ficava ainda maior.
“Bruxaria! Sempre uma coisa desgraçada de testemunhar…”
Então, a sombra da criatura começou a ficar maior, com várias protuberâncias saindo das suas extremidades. Enquanto o urso tinha sua pata direita completamente arrancada, sua própria sombra começou a sair do solo, como se estivesse se manifestando. As protuberâncias começaram a convergir, como uma enorme boca prestes a dar o bote. Em uma fração de segundos, uma escuridão intensa rompeu o chão e “abocanhou” o urso inteiro.
Sons de ossos se partindo e pele sendo rasgada foram plenamente escutados pelo emissário, que apesar de não ser capaz de sentir esse tipo de desconforto, imaginou como seria muito mais confortável se pudesse vomitar e se recolher como uma criancinha. Então, a sombra retornou ao solo, não deixando nenhum vestígio do que um dia foi uma monstruosidade.
Daquela sombra, um corpo começou a sair do solo como se fosse um buraco para o submundo. Mulher, aproximadamente um e sessenta e oito de altura, olhos negros como a morte e chifres rompendo sua têmpora.
— Achei que tinha ido atrás do druida — disse Huan Shen, apoiado em uma árvore. — Depois da sua distração lá na Colonizadora, ele parecia ser um alvo bem fácil.
Kalira o olhou de cima para baixo, dando uma boa conferida no estado em que seu “investimento” estava. As coisas não pareciam muito boas. Seus passos silenciosos se dirigiram em sua direção, com aquele olhar misterioso.
— Eu tinha algumas pontas soltas para resolver, mas parece que eu dei sorte.
“Sabia que confiar em bruxas não era uma boa ideia!”
O emissário cerrou os punhos, pronto para dar um golpe rápido e letal nela, mas as chances disso funcionar com uma bruxa em pleno potencial eram extremamente baixas.
— E o que você chama de ponta solta, bruxa? — perguntou Huan Shen, se preparando para qualquer tipo de resposta.
Um sorriso malicioso se esboçou no rosto da mulher, que simplesmente preferiu se manter em silêncio por um tempo consideravelmente torturante.
— A lua está linda hoje, emissário! Sinto que estou mais perto da vitória do que nunca. Vamos? Você ainda tem trabalho a fazer.
Embora a desconfiança ainda o incomodasse, não tinha muitas opções disponíveis naquele momento. Com apenas um aceno de cabeça, Huan Shen pegou um pedaço de madeira largado no chão e seguiu acompanhando a bruxa na direção do druida.
Era agora ou nunca!
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