Capítulo 47 — Confronto Final (EU JURO QUE ESSE ARCO ACABA AINDA ESSA SEMANA)
O vento carregava as milhares de folhas secas que os salgueiros dispensavam dos seus troncos todos os dias. A lua cheia residia imperiosa no céu, trazendo luz a qualquer um no meio da escuridão. O tempo passava e Huan Shen sentia uma pontada no seu peito, indicando que seu tempo estava contado. Ao olhar para suas mãos, era possível observar o enxofre em sua pele se desprendendo junto com a ventania.
— Já fez os seus ritos de morte, garoto? — perguntou Kalira.
Huan Shen cerrou os punhos e respirou fundo. A cada segundo, as feridas drenavam cada vez mais da sua energia. Não demoraria muito até seu corpo parar de funcionar completamente.
— Eu não vou morrer agora. Não antes de trazer uma morte horrenda para aquele desgraçado e recuperar meu coração.
Seus olhos cerraram na direção para onde o druida tinha se dirigido. Aquilo fez a bruxa erguer uma sobrancelha. A determinação daquele homem era algo que parecia ser digna de respeito. Embora suas chances de sobrevivência fossem nulas, teria pelo menos a piedade de enterrar seu corpo apropriadamente para se tornar um bom adubo.
“Xue Ying, me perdoe por ter sido um péssimo irmão e ter te deixado sem dizer ao menos uma palavra…eu não fui forte o bastante para protegê-la e as coisas acabaram como estão. Eu juro que quando eu atingir a pós-vida hoje, irei pedir perdão por não ter conseguido honrar o legado dela.”
Em meio a sua mente nublada, seus sentidos detectaram algo. Aquele cheiro familiar, aquela sensação hostil, a mana selvagem e primitiva que havia tido o desprazer de encontrar. Seus passos reduziram o ritmo, junto com a bruxa, que imediatamente formou as suas famigeradas garras.
Na sua frente, uma enorme área descampada residia completamente iluminada pela luz lunar. Do outro lado, a cerca de vinte metros, o druida residia sentado em um tronco, com seu cajado em mãos. Seu semblante era sério, mas não sereno e sim perturbado. Aquilo fez Kalira imediatamente esboçar um sorriso.
— Olha só quem finalmente parou quieto? Achei que nunca teria um tempo para se reunir comigo, Heferus!
O druida coçou sua longa barba, não evitando demonstrar toda a sua hostilidade através dos seus olhos.
— Kalira, você deveria ter aceitado a minha misericórdia e ter achado outro buraco do inferno para se enfiar. Você está a setenta anos me perseguindo por causa de uma besteira como um território?
A bruxa deu uns passos para frente.
— A ideia de uma bruxa perder para um druida enoja qualquer uma de nós. Sabe quanto tempo passei sendo ridiculariza por sua causa? Escuto até hoje as árvores sussurrarem de um lado para o outro. “A bruxa fracassada”, “a bruxa que perdeu seu domínio para um velho decadente” ou “a vadia que abriu as pernas para o druida”.
Contra sua vontade, Huan Shen percebeu o quão complexada e rancorosa a sua “aliada” aparentava ser.
— É por isso que eu não vou ter paz enquanto eu não pegar a sua persona e violar seu cadáver de formas tão inimagináveis que apenas olhar para você fará qualquer criatura silvestre vomitar suas tripas para fora. Apenas isso me trará a verdadeira felicidade e irá silenciar as vozes que sussurram na escuridão.
Aquelas palavras provocaram a mais profunda repulsa em Heferus, que imediatamente se levantou.
— Vocês bruxas são a prova viva que a sociedade não fez o seu dever corretamente e deixou muitas de suas ervas daninha sem colocar na fogueira. Mas tudo bem, eu vou dar um jeito de acabar permanentemente com você! E depois irei atrás de todas até não haver mais nenhuma por aí.
Então, os olhos do druida repousaram sobre o emissário.
— Você! Parece que te matar e arrancar o seu coração não foi o suficiente! Você tinha que profanar a minha criação pura e atrapalhar meus objetivos! Pelo que parece, nem preciso me esforçar para garantir que seu corpo se torne poeira permanente.
Huan Shen respirou fundo, segurando o bastão em sua mão com intensidade.
— Heferus! Normalmente eu negociaria meu coração pela sua vida, mas você matou três pessoas que estavam sob minha proteção! Isso não acaba até que você esteja morto!
De repente, um sorriso surgiu no semblante do druida. Aquilo era estranho, pois ele estava plenamente cercado por dois combatentes perfeitamente capazes de lidar com suas habilidades.
— Vocês devem estar muito confiantes que vão me derrotar essa noite.
Aquelas palavras ecoaram dentro do emissário. Embora não soubesse explicar, havia alguma coisa desconcertante naquela confiança que gritava dentro de si por cautela. Algo que não era compartilhado por Kalira.
— O delírio consumiu a sua mente, seu inútil? Você ainda é um druida, inútil sem seus rituais e feitiços de longa conjuração! Eu vou te mostrar o porquê minhas irmãs colecionam as cabeças dos seus irmãos.
O emissário pensou em pedir para que ela recuasse, mas isso era perigoso demais, pois ela parecia bastante instável naquele momento. No pior dos casos, ele poderia se tornar o alvo.
As sombras começaram a se mover na direção da bruxa, aumentando a sua própria exponencialmente. Seus olhos negros emitiam uma fumaça escura e as garras em suas mãos pingavam uma substância transparente, que ao tocar no solo, corroía tudo ao seu redor.
“Ela realmente levou para o pessoal…”
Antes que pudesse piscar, Kalira tomou impulso e avançou na direção do druida. Seu corpo se moveu como um borrão escuro, reduzindo a distância de vinte metros a apenas um em uma fração de segundos.
Seus olhos estavam arqueados como os de um predador prestes a matar sua presa. Suas garras se moviam ferozmente na direção da cabeça de Heferus, que mantinha seu semblante arrogante. Em apenas alguns segundos, sua cabeça estaria rolando no chão. A velocidade, a expectativa, o poder, tudo isso deixaria Kalira completamente enebriada pela sua vingança que estava prestes a se concretizar.
Então, aquele momento parecia demorar. O que não fazia sentido, pois sua velocidade estava acima do que qualquer coisa que o druida poderia fazer. Por que a cabeça dele não estava rolando? Por que seu braço não se mexia? Por que seu corpo estava parado?
Com a ponta dos dedos, Heferus retirou a ponta da garra de sua bochecha, gerando um pequeno fio de sangue que se destacava ao entrar em contato com os fios brancos da sua barba.
— Você não mudou nada em sessenta anos, bruxa. Continua fazendo o mesmo movimento previsível todas as vezes.
Quando Kalira se deu conta para observar o que estava acontecendo, notou que cada um dos seus membros estava completamente preso por vinhas que surgiam não apenas do solo, mas das árvores ao redor daquela. Até o seu pescoço estava preso.
— Filho de uma puta! Me desamarre e lute comigo honestamente!
Heferus tocou na testa da bruxa com a ponta do seu cajado, como se estivesse fazendo uma marcação.
— Uma bruxa pedindo por honestidade? O mundo realmente não é mais o mesmo!
O druida ergueu o cajado, concentrando uma quantidade considerável de mana na sua ponta. Não era o bastante para conjurar uma magia poderosa, mas era o bastante para quebrar o crânio de uma mulher. Kalira tentou puxar seus braços e até mesmo se teletransportar até a sombra mais próxima, mas aquelas vinhas estavam selando uma parte considerável da magia oculta em seu corpo.
Quando o cajado desceu em toda velocidade em direção ao seu rosto, tudo que ela pôde fazer foi fechar os olhos e esperar pelo pior.
Porém Huan Shen não era um observador passivo.
Aproveitando a vulnerabilidade do seu oponente, o emissário tocou na ponta do bastão que veio apoiado e formou uma pequena ponta congelada. Usando toda a força do seu novo corpo decrépito, a lança disparou como uma flecha na direção do druida, que ao perceber a ameaça iminente, só teve tempo de erguer colocar o bastão na sua frente.
“Isso ainda não é o bastante, velho imbecil!”
Ainda que seu cajado tenha o impedido de ser atravessado, o impacto foi tão forte a ponto de arremessá-lo violentamente em direção às árvores. O golpe repentino fez com que as plantas que seguravam os braços de Kalira afrouxassem e ela conseguisse recuperar sua movimentação.
— Você não é do tipo que joga em conjunto, né? — perguntou Huan Shen, ajudando-a a se levantar.
— Não pode me culpar por isso, qualquer um que te olhe tem a convicção que você não tem forças nem para dar um mísero soco.
Com seu cajado partido em duas metades, o druida se levantou mais uma vez, mas sem um pingo da compostura que apresentou mais cedo. Seu peitoral, agora exposto, revelava uma enorme marcação de gravuras realizadas com tinta cerimonial vermelha que ia do seu peito até suas pernas.
— Já entendi! Eu planejava acabar com cada um de vocês de forma rápida, mas agora eu vejo que não posso dar essa misericórdia para demônios impuros. Eu vou garantir que saibam o que é dor e desespero antes da morte!
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