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    Os braços de Heferus se ergueram em direção ao céu, como se estivessem tentando erguer alguma coisa pesada. Aquilo deixou tanto Huan Shen quanto Kalira brevemente confusos, mas quando o chão começou a rachar debaixo deles, a única reação que tiveram foi saltar para fora do caminho.

    Do solo, raízes e vinhas começaram a crescer vertiginosamente, demonstrando uma flexibilidade e velocidade completamente anormal. Como chicotes de açoite, eles imediatamente se inclinaram na direção dos seus oponentes e os alvejaram com uma profunda brutalidade. O primeiro tentou pegar Kalira pelas pernas, que imediatamente girou seu corpo pelo próprio eixo, saindo por muito pouco do alcance daquele cipó.

    — ISSO NÃO VAI TE PROTEGER, HEFERUS!

    Sua mão esquerda concentrou uma quantidade considerável de energia negra em pouco tempo. Com um simples movimento, um dardo voou na direção da cabeça do druida, prestes a arrancá-la fora. Para a sua surpresa, um pilar surgiu entre ambos numa velocidade assustadora, parando o projétil.

    — Como ele consegue conjurar tão rápido? — perguntou Huan Shen, que estava em uma disputa física com a raiz amarrada em sua perna.

    Heferus girou o que sobrou do cajado sobre sua cabeça, em seguida, golpeou o solo com a sua ponta. Cinco raízes ferozes rasgaram o chão para apoiar as que já estavam dando trabalho a dupla.

    — Eu passei bastante tempo aqui, bruxa! É claro que eu criaria um plano para caso você resolvesse colocar tudo o que eu criei a perder. Por dias, realizei rituais de dominação desse solo, para obedecer às minhas ordens como se eu fosse o seu criador. Tudo que você está pisando nesse momento, está sobre o meu domínio.

    Kalira rangeu os dentes, furiosa. Aquele leve momento de distração fez com que um dos cipós prendesse o seu braço direito. Antes que conseguisse se mover, outro pegou a sua perna esquerda e a ergueu. Mesmo reforçada com a magia, ainda tinha o corpo de um humano e todas as suas fragilidades.

    — Merda! — esbravejou ela, tentando alcançar alguma das extremidades presas.

    Sem perder tempo, as raízes começaram a puxar seus membros em direções opostas. Para garantir que ela não iria conseguir sair, prenderam também seus membros que estavam livres. Seus braços foram completamente enrolados por cipós grossos, assim como suas pernas.

    Kalira passou o dia todo tentando sobreviver com a fragilidade de um corpo novo e mal-adaptado. Naquele momento, estava em mais uma dessas situações. Embora tentasse comprimir seu corpo, a força da natureza era ridiculamente superior. Seus braços estavam cansados e a pele na parte interna da sua coxa estava começando a ficar vermelha. Ela literalmente seria repartida em dois pedaços.

    — Um fim patético para uma bruxa patética. Adeus, Kalira! — disse Heferus.

    No instante que ergueu sua mão para puxar as raízes, uma variável imprevisível que já estava se tornando muito irregular surgiu mais uma vez.  Huan Shen avançou em direção às raízes que prendiam a bruxa, cortando-as com uma lâmina negra congelada. Aquilo chamou muito a sua atenção, pois mesmo tendo o corpo deteriorado, aquele sulfurizado tinha uma força de vontade e proeza física que não pareciam diminuir.

    Antes que Kalira atingisse o chão, o emissário a agarrou com o braço direito, a pondo de pé.

    — Parece que eu tô sempre salvando o seu rabo, né? — disse Huan Shen, provocativamente.

    — Não esperava que você fosse ser um bom garoto desse jeito! — respondeu a bruxa, provocativamente. — Pode me dar uma ajudinha a encurtar a distância?

    “Ela me chamou de bom garoto? Com essa carinha de vinte? Essa bruxa tá é maluca!”

    Agarrando-a pela cintura, o emissário a ergueu até a ponta dos seus pés estarem sobre suas mãos enormes. Usando as reservas restantes de mana que estavam em seu corpo, ele colocou toda a potência em seu braço direito e a arremessou na direção de Heferus.

    — Miserável… — murmurou Heferus, percebendo que só teria sucesso quando desse um fim naquele sulfurizado inútil.

    Kalira ganhou altitude com aquele arremesso, sentindo o vento e a liberdade atingindo o seu rosto. As raízes começaram a se juntar para impedir o seu progresso, mas a bruxa era bem mais esperta que elas.  A primeira que surgiu, conheceu suas garras negras de perto. A segunda serviu de ponto de apoio e a terceira só conseguiu sentir a sombra se esvaindo das suas extensões.

    Percebendo que a bruxa estava ficando mais perto do que deveria, Heferus ergueu os braços mais uma vez, dessa vez trazendo a terra para impedi-la. Rompendo o solo mais uma vez, várias pilastras e rochas começaram a surgir no meio do caminho. Seus braços se balançaram, arremessando a maior quantidade de pedregulhos possíveis para impedir o seu avanço.

    Enquanto os obstáculos iam surgindo em seu caminho, Kalira soube bem aproveitar a flexibilidade de um corpo jovem para se mover agilmente entre eles. Seus pés usavam as pilastras como ponto de apoio para lançar a si própria entre elas. Sua leveza e agilidade fazia com que os destroços sendo arremessados em alta velocidade estivessem totalmente estáticos. Quando Heferus percebeu que não poderia impedir o avanço dela, sua reação imediata foi acertar o solo com a ponta quebrada do cajado, erguendo um enorme muro entre os dois.

    Mas já era tarde, pois a bruxa apenas girou seu corpo sobre a enorme muralha erguida e parou do outro lado, com apenas alguns metros de distância do druida.

    Seu semblante tenso imediatamente mudou para medo genuíno. Como aquela bruxa tinha feito aquilo, estava completamente fora das suas expectativas. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, Kalira diminuiu a distância entre os dois e cravou seu abdômen com suas garras, erguendo-o do solo enquanto sua boca jorrava sangue.

    — Oh, não! Qual o problema? — perguntou Kalira, com um profundo desdém. — Tá com dor de barriga? Deixa a tia aqui dá uma olhada para ver do que se trata!

    O corpo do druida estava completamente retesado, o olhar em seu rosto estava congelado com o mais profundo desespero e dor. E isso iria piorar, pois Kalira fechou suas garras dentro do seu tórax, puxando suas entranhas com tudo para o lado externo. Uma combinação macabra de intestino delgado e partes do estômago saíram espalhando sangue por toda a área.

    — Não sei, você parece bem o bastante — disse Kalira, com um sorriso no rosto. — Que tal descansar agora? Daqui a pouco eu volto para dar muito amor e carinho para você!

    Huan Shen chegou pouco tempo depois, vendo a bagunça que tinha acabado de acontecer.

    — Oh, você conseguiu mesmo — disse ele, apoiando-se em seus joelhos.

    A bruxa balançou sua mão esquerda, numa tentativa de reduzir toda a sujeira acumulada nela. Alguns respingos de sangue caíram no rosto do emissário.

    — É claro que eu iria conseguir! Essa é a ordem natural das coisas. Druidas existem para serem mortos e violados por bruxas. Era assim muito antes da minha pessoa nascer e continuará dessa forma muitos anos depois que eu me juntar com a natureza. Tudo está bem quando termina bem. Quer dizer, não sei se vai acabar bem para você, já que vai dar meia-noite daqui a pouco e não deu tempo de acharmos seu coração.

    Desespero não era algo que costumava sucumbir à mente de Huan Shen, pois era treinado para manter a calma nas mais adversas situações. Ele sabia que aquela era uma batalha perdida desde o início.

    “Parece que minha jornada acaba aqui.”

    O emissário olhou nas redondezas. Tudo que havia era o som do vento e uma área descampada rodeada de árvores debaixo da luz da lua. Ironicamente, era um lugar bem mais pacífico do que ele esperava. Morrer de “causas naturais” ali era mais do que Huan Shen esperava em toda a sua vida. Como costumava dizer, “quem procura o caminho da lâmina, encontra seu fim em uma lâmina”.

    — Já fez as pazes com o seu destino? — perguntou a bruxa, intrigada.

    O emissário limpou o sangue do seu rosto.

    — Sim. Eu ficaria muito grato se você pudesse pegar a garota que sobreviveu e levasse para fora daqui…

    Uma sensação sinistra tomou conta do emissário repentinamente. Ao olhar para a mão que usou para limpar o sangue do seu rosto, percebeu algo bastante peculiar: aquele sangue era idêntico ao seu: negro e originário da seiva negra das árvores da Selva de Concreto. Foi então que um pensamento surgiu em sua cabeça:

    “Você disse que esse puto nunca faria algo assim em si mesmo, né, Sião?”

    — Kalira…

    A bruxa ergueu uma sobrancelha.

    — Que foi? Por que parou de falar do nada?

    Quando seus olhos se viraram na direção da mulher, eles se depararam com o druida ainda de pé, com metade do intestino do lado de fora. Porém, seus olhos completamente esbranquiçados ainda piscavam e seu semblante ainda estava ativo. Ao perceber o olhar estranho no rosto do emissário, Kalira se virou imediatante na direção do druida, que residia de pé, completamente pálido e retesado.

    Como se isso não fosse bizarro o bastante, seu intestino se arrastava rapidamente para dentro do seu abdômen aberto, enquanto se reorganizava perfeitamente.

    — Que bizarrice é essa? — murmurou Kalira?

    Não era preciso ser um gênio para entender o que estava acontecendo ali: o desgraçado do Heferus sulfurizou o próprio corpo e estava se regenerando. Aquilo não era algo que ela poderia permitir.

    — Kalira, é melhor recuarmos-

    Antes que suas palavras fossem finalizadas, a bruxa ergueu suas garras e as mirou direto na jugular do infeliz. Na dúvida, era sempre para mirar na cabeça.

    Mas algo inesperado aconteceu: o tempo de reação do velho druida tinha aumentado consideravelmente. Antes que suas garras fizessem o mais simples dos ferimentos em seu pescoço, seu pulso foi contido pelas mãos do druida. Ela até tentou puxar, mas a força daquele velho era muito superior à sua.

    — Como diabos você conseguiu ficar tão forte em tão pouco tempo? — perguntou Kalira, em um misto de confusão e horror.

    Sem nenhuma paciência para responder essa pergunta, Heferus fechou seus punhos e quebrou o pulso da bruxa, que diferente dos sulfurizados, sentiu a dor com profunda intensidade. Tudo que ela teve tempo de fazer foi puxar o braço para si e tentar recuar, mas Heferus não queria deixar a chance passar.

    Suas mãos a seguraram pelo pescoço, erguendo-a com a sua nova força descomunal.

    — Você é uma pedra no sapato desprezível, bruxa! Morra de uma vez!

    Kalira usou a sua outra mão para tentar afrouxar a firmeza que aqueles dedos enveloparam em seu pescoço. Ela sabia que suas garras não seriam fortes o bastante para incomodar o druida, então tentou fazer o que podia. Aos poucos, ela sentia sua garganta sendo fechada completamente e a pressão sobre as vértebras que sustentavam seu pescoço.

    A bruxa estava prestes a abraçar a morte, quando de repente, a pressão sobre si sumiu instantaneamente. Quando seu corpo desabou no chão, só teve tempo de ver Huan Shen erguendo o druida com suas duas mãos e o levando para o mais longe possível.

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