Índice de Capítulo

    O sol estava se encolhendo aos poucos na Selva de Concreto e o prelúdio da noite ficava cada vez mais iminente. O antigo templo de Malchi-Zarum, que permaneceu por tanto tempo parado no tempo, nunca esteve tão movimentado quanto naquele dia. Uma equipe composta por dez mercenários e oito arqueólogos tinha passado o dia inteiro naquela região.

    Os mercenários estavam bem equipados da cabeça aos pés. Calças com joelheiras densas e com espaço para lâminas pequenas, um colete de kevlar reforçado, braçadeiras com malha de aço e um elmo completamente fechado, com visão noturna. Em suas cinturas, um machado tomahawk bastante afiado e com uma runa azul gravada em seu cabo. Adicionalmente, uma Beretta M9 residia no coldre em sua cintura completamente carregada e como peça principal, um rifle SIG 566 clássico em suas mãos.

    Os arqueólogos, por sua vez, embora se sentissem seguros pela presença dos mercenários contra as monstruosidades que habitavam na Selva de Concreto, também se sentiam intimidados por eles, pois sabiam que sua presença ali não era apenas sua proteção, mas sim sua contenção.

    O grupo dos arqueólogos estava bastante inquieto. Benício, o líder da escavação, mal conseguia segurar a xícara de café em suas mãos sem derramar metade com sua tremedeira. A sua falta de tranquilidade afetava o grupo inteiro, que não conseguia entrar em coesão. Embora tenham conseguido penetrar profundamente na estrutura antiga, tinham sobrado mais perguntas do que respostas sobre o quê encontraram.

    — Merda! Eu não vim aqui para isso! — murmurou Benício, soltando a xícara em cima da mesa.

    Naquele mesmo instante, seus olhos pairaram no líder dos mercenários, o homem que estava coordenando essa excursão. Um frio subiu em sua espinha, pois sabia que aquele cara não tinha a mais louvável das reputações. Cabelos curtos ao extremo, olhos verdes e pele acobreada, contrastando com seu bigode denso e bem asseado. Sua bochecha esquerda tinha uma cicatriz enorme, provavelmente feita por uma faca. Adicionalmente, uma tatuagem vermelha enorme de uma estrela residia em seu pescoço.

    O mesmo tinha acabado de pendurar seu rifle e trocar algumas palavras com seus colegas, que imediatamente se deslocaram para realizar as suas atividades. Vendo a oportunidade, Benício pensou em se dirigir ao mesmo, porém sentiu uma mão em seu braço.

    — Benício, deixa isso pra lá! — alertou Jamal, seu assistente.

    O chefe da escavação recolheu seu braço, encarando-o ultrajado.

    — Deixar isso para lá? Um dos nossos está desaparecido desde de manhã e até agora não tivemos nenhuma notícia! Que diabos eu vou dizer à sua família quando voltarmos?

    Jamal via a preocupação no rosto do seu chefe. Porém, como uma pessoa que passou por tanta coisa no mundo, sabia que honra naquele lugar era algo completamente relativo.

    — Nós sabíamos dos riscos quando viemos, senhor. E o senhor sabe que essas pessoas não são as mais razoáveis, ainda mais armadas. Merda! Não sabemos nem o que viemos procurar aqui? Você não nos conta!

    — Eu queria saber também, Jamal! — respondeu Benício, segurando os braços do seu assistente com as duas mãos. — Eu preciso saber o porquê estamos aqui! Qual o paradeiro do Lucien.

    Seus passos acelerados o guiaram direto até o mercenário, que parecia ter tirado um tempo para tomar um gole de café antes de voltar às atividades. Sua expressão serena, admirando o cheiro do vapor que subia até suas narinas, seus lábios implorando pelo mínimo contato até o momento de saboreá-lo.

    Benício colocou a mão no ombro do mercenário, puxando-o de volta para o mundo real. Sua mão tremeu levemente, derramando algumas gotas no chão. Seus olhos, outrora calmos, ficaram hostis em uma fração de segundo. Contendo o seu impulso assassino, seu rosto se inclinou na direção do arqueólogo.

    — Samir, preciso de respostas urgentes agora!

    O mercenário ergueu uma sobrancelha, colocando seu copo de café pacientemente sobre uma das colunas mais antigas que residiam naquele lugar.

    — Não, Benício. Ainda não achamos o Lucien. E como está anoitecendo, é perigoso demais para continuar a busca agora de noite. Embora eu ache que as chances de ele sobreviver sejam baixas, amanhã faremos uma nova varredura antes de tirarmos uma conclusão.

    O arqueólogo cerrou os punhos, algo que chamou a atenção de Samir.

    — Então, — desconversando. — houve algum progresso com a escavação? Achou mais alguma coisa útil além da garota?

    — Nem me fale dessa garota! É por causa dela que o Lucien desapareceu mato adentro. Nós viemos por ela? Seja sincero, pois estamos aqui fazendo seu trabalho árduo e nem sabemos o que estamos atrás. Por que ela é tão importante? O que mais estamos procurando aqui, cara?

    Samir pareceu ponderar em algo, mas sua expressão imediatamente voltou ao normal.

    — Isso não é da sua conta. Vocês vão continuar cavando até eu mandar parar. O que foi? Não viu isso no contrato quando assinaram para trabalhar com a Família Bakir? Agora pare de me atrapalhar com essas coisas inúteis e vai cuidar da porra da sua vida.

    A rispidez daquelas palavras era necessária para colocar os arqueólogos no lugar. Embora soubesse que seria bem melhor se eles tivessem noção do que procurar e pautar sua pesquisa sobre isso, uma informação como a existência de uma Pílula do Reflorescer Espiritual não poderia vazar ou senão várias organizações e famílias menores começariam disputas nada agradáveis.

    Samir tinha que garantir que essa informação pertencesse apenas à Família Bakir. Ao mesmo tempo, sabia que era importante manter aquelas pessoas na linha. Então, ele resolveu respirar fundo e colocar a mão no ombro do arqueólogo.

    — Olha, eu tô estressado, foi um dia bem chato e esse lugar não é fácil. O que eu quero dizer é: vocês estão sendo bem pagos, tendo suas pesquisas financiadas e estão sendo protegidos em um lugar em que não é fácil se aventurar. Só se preocupe com seu trabalho, está bem? Deixe que resolvamos o resto.

    Benício não conseguia formar um contra-argumento, pois sentia um misto de medo com cautela devido a facilidade que o mercenário transitava entre animosidade e racionalização. Dependendo do que falasse, poderia sair como petulante e ingrato.

    — Então, como está indo a pesquisa? O que conseguiram encontrar hoje?

    Ainda receoso, o arqueólogo começou a formar as palavras que vinham em sua cabeça:

    — Tirando os textos antigos, dos quais não temos como traduzir, ainda possuímos a câmara onde encontramos a garota em estado de hibernação. Ainda estamos analisando seus detalhes, mas suas aberturas tinham sido completamente seladas hermeticamente. Até a menor das frestas foi lacrada com ferro derretido. Como deve imaginar, foi quando abrimos que a garota despertou e resolveu fugir.

    — Entendo. Tinha mais alguma coisa útil dentro da câmara?

    Benício coçou o topo da sua cabeça.

    — Retiramos uma amostra da água que estava dentro da câmara. Não podemos dizer a sua composição, afinal não temos nenhum alquimista, mas com uma leve sondagem, podemos constatar que é bastante rica em mana.

    Aquela notícia fez Samir dar um sorriso.

    — Viu? Não foi tão difícil assim! É só você fazer o seu trabalho que nós fazemos os nossos. Reúna seus homens e vá descansar!

    À medida que Benício saía do seu campo de visão, o mercenário pensou o quão perto ele esteve de abrir um talho imenso na jugular daquele engomadinho falastrão. Deveriam ser gratos de estarem sendo financiados por uma família rica e não inventando desculpas para atrasar na entrega do resultado.

    Vendo que o café já estava frio, não hesitou em jogar o resto no solo. Aparentemente, meia baguete com pasta de carne seca seria a sua janta novamente. Samir então resolveu se juntar a alguns dos seus homens, que estavam terminando de posicionar as defesas do acampamento: uma linha de prata que servia para estabelecer o perímetro, junto com uma vela com chama branca situada nos quatro pontos cardeais.

    — Dia chato do caralho! — esbravejou Samir. — É ridiculamente fácil se perder nesse lugar, sem contar que até às árvores podem te mandar para a terra dos pés juntos caso você se apoie na errada.

    O mercenário do seu lado apenas deu de ombros, quando pareceu se lembrar de algo importante.

    — Chefe, achei isso aqui enquanto investigava o perímetro.

    Ele entregou em suas mãos o que parecia ser pequenos bastões de giz, parcialmente desgastados.

    — Onde encontrou isso?

    — Nos arredores do templo. Tinham algumas marcas parcialmente apagadas também, como algumas marcas não tão antigas de chamas. Diria que tem cerca de dois a cinco meses.

    Samir cruzou os braços.

    — Isso é muito pouco tempo. Achou algum corpo, restos ou pertences perdidos?

    O mercenário negou com a cabeça.

    — Não queria ter que dizer nada, mas eu senti uma energia não muito agradável por aqui — ele deu uma pausa consideravelmente longa. — Estamos em temporada de corvos?

    Aquelas palavras eram o suficiente para levantar a suspeita em Samir, que imediatamente direcionou seu olhar às árvores.

    — Por que pergunta isso?

    O mercenário acendeu um cigarro.

    — Minha mãe dizia que os corvos eram os animais favoritos das bruxas. E tem um deles olhando para cá sem descanso há cerca de duas horas.

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