Índice de Capítulo

    Do nevoeiro denso da manhã na Selva de Concreto, habitando entre os galhos apodrecidos e fungos pulsantes, surgiu uma criatura: O Malavares. Não era como se Samir fosse um especialista em caçada na selva ou alguém acostumado naquele ambiente, mas sabia que em lugares com uma concentração alta de magia primitiva, algumas aberrações poderiam se formar naturalmente. Ele sempre rezou para que não precisasse encontrar uma delas, mas aparentemente os deuses não estavam muito contentes com o mesmo.

    Uma mancha retorcida de podridão e húmus, seu corpo não obedecia às leis naturais. Formado por raízes retorcidas, carne necrosada e crostas de musgos, parecia ter nascido da união entre uma árvore morta com os restos de um predador. Seus passos faziam com que a madeira em seu corpo rangesse, causando um som estridente e incômodo. Seus membros eram enormes, longos e desiguais, com ramificações ósseas na parte dos dedos tão afiados quanto uma espada bem-feita.

    No que deveria ser o seu rosto, haviam dois humildes e pequenos olhos brancos. Eles tremeluziam, mas não com vida e sim com fome. Como se isso não fosse o suficiente, os buracos em seu corpo emitiam um som moroso, similar a uma lamentação, toda vez que o vento soprava por eles.

    — Marcus, pegue os arqueólogos e os deixe dentro do templo, depois volte para se reagrupar conosco — disse Samir, destravando seu rifle.

    Com um simples aceno, Marcus correu para reunir os arqueólogos. Eles eram extremamente valiosos enquanto estavam em busca do objetivo. Embora a linha de prata e a vela da chama branca fossem úteis para desviar a atenção das criaturas, a história mudava quando eles conseguiam sentir a presença de pessoas nas proximidades. Muito em breve, o Malavares romperia a linha e logo todos ali seriam seus alvos.

    — Capitão — perguntou um dos mercenários em prontidão. — Quais são nossas chances?

    Samir tinha certeza que pelo menos uns dois morreriam ali. Isso por si só já era muito ruim.

    — Boas, só precisamos usar nossa formação de flanco que conseguimos dar um fim na criatura — respondeu o mercenário. — No três, saímos ao mesmo tempo da zona de proteção e começamos o ataque.

    Após escutarem aquelas palavras, os mercenários restantes reajustaram seus equipamentos e entraram em prontidão. Seus elmos fechados, seus rifles destravados e lâminas em posições fáceis para serem sacadas em casos de emergência. Assim que o primeiro saísse na frente da criatura, os outros começariam a formar um cerco usando-o como ponto de início, consequentemente cercando a criatura.

    — Prontos? Um…dois…TRÊS! AGORA! — bradou Samir.

    Embora o plano estivesse desenhado e ensaiado, não significava que aqueles homens estivessem prontos para isso. O elmo negro e totalmente fechado era imponente, mas servia também para esconder o horror absoluto de estar enfrentando uma monstruosidade três vezes maior que o tamanho de um homem. Porém, o que poderiam fazer além de atacar? Estavam sendo pagos para isso.

    Os oito avançaram uniformemente, porém Samir reduziu os passos. O primeiro deles saiu na cara do Malavares, soltando uma bomba de fumaça em seus pés. Dois segundos depois, um som oco seguido de uma fumaça branca inundou a área, dando oportunidade dos outros mercenários realizarem seu certo. Sem dar tempo ao azar, mantiveram seus olhos nas miras, aguardando o menor sinal da criatura para atacar.

    — Idiotas! Essa criatura não precisa dos olhos para encontrar vocês — murmurou Samir.

    Quando a fumaça começou a dissipar, todos os oito mercenários estavam com suas armas preparadas para disparar no instante que o corpo da criatura tomasse forma. Esperaram um segundo, dois segundos, três segundos. O vento rotineiro da Selva de Concreto varreu a fumaça, até não sobrar nada naquela área. Porém, onde deveria estar uma massa uniforme de matéria orgânica viva, não havia nada no lugar.

    — O que tá acontecendo? — disse um dos mercenários, confuso.

    Os outros começaram a olhar seus arredores, tentando encontrar qualquer sinal da criatura, mas nada surgia. O mercenário que saiu primeiro e realizou a formação respirou aliviado, acreditando que a criatura tinha ido embora.

    — Acho que espantamos o monstro. Vamos manter o perímetro vigiado por enquanto — disse ele.

    Aproveitando a sombra da árvore atrás de si e o pouco tempo que tinha, sacou o cigarro do seu bolso esquerdo e o colocou na boca, acendendo-o logo em seguida. Não importava o que os outros diziam, puxar uma fumaça de vez em quando era relaxante. Porém, antes de puxar a primeira, a ponta se apagou repentinamente. Ele levantou uma sobrancelha, quando percebeu que algo caiu sobre ela. Uma gota com um forte odor de chorume.

    Seu olhar se inclinou ao topo da árvore com um profundo horror, só para achar aquele monstro massivo o encarando de cima. Suas mãos só tiveram tempo de encostar no seu rifle, antes da criatura saltar sobre o mesmo e esmagá-lo com sua tonelada. Tudo que os outros mercenários conseguiram presenciar foi uma poça profana de sangue e carne embaixo do monstro que estava em suas miras a poucos segundos.

    — ATAQUEM! — gritou um dos mercenários.

    Seus rifles se ergueram e começaram a disparar ferozmente, atravessando troncos como se fossem facas na manteiga. O Malavares ergueu seus braços instintivamente, mas infelizmente para a criatura, projéteis de armas de fogo funcionam nessa novel. Em poucos segundos, sentiu que a força dos projéteis era tão grande que não demoraria nada para perder os seus membros.

    Sua garra esquerda agarrou a árvore mais próxima e a arrancou pelas raízes com um único puxão. Imediatamente, seus braços fortes arremessaram o tronco direto nos mercenários. Alguns tiveram tempo de saltar, mas três deles foram atingidos em cheio pelo impacto e caíram machucados no solo.

    O Malavares aproveitou a falta de organização temporária dos mercenários e avançou rapidamente contra um deles, que ainda estava impressionado com a força da criatura. Quando o mesmo percebeu a ameaça emergente, levantou sua arma e tentou disparar, mas a velocidade do monstro era algo que estava além da sua capacidade de reação. Sua reação foi fechar os olhos e aguardar o impacto.

    Porém o que recebeu foi pior.

    A lâmina que saía do seu braço, feita de madeira e recoberta de espinhos, atravessou o seu peito com um som grotesco de carne sendo rasgada e costelas sendo trituradas. O homem estremeceu, seus olhos arregalados causaram um medo primitivo em todos os outros por ali. Seu sangue espirrava pelas frestas do seu colete.

    Como se isso não fosse o bastante, a mandíbula do Malavares se abriu com as raízes que a cobria se expandindo em todas as direções, similar a tentáculos. Uma bocarra disforme, formada por madeira negra e restos de ossos, arrancou sua cabeça em um estalo repugnante. Um filete de sangue jorrou, respingando no rosto da criatura.

    Então, ela apertou o corpo na sua mão, esmagando músculos, ossos, tecidos e órgãos, misturando tudo com o seu sangue. Como se fosse uma fruta, o Malavares esticou a pele da criatura, puxando todo o sumo sangrento que se formou em seu cadáver até a sua boca, até a última gota molhar o amontoado de profanidade que chamava de corpo.

    — E-ele o chupou como se fosse um suco de saco… — murmurou um dos mercenários, com as mãos trêmulas.

    Suas mãos suadas e trêmulas mal conseguiam segurar o rifle. Embora fosse um combatente treinado, sua experiência era resumida a bandidos ou soldados. Combate de homem versus homem, não contra profanações como essa. Ele sabia que a Selva de Concreto não era um lugar agradável, mas aquilo era demais. Era a morte em sua porta.

    Ao terminar sua refeição, o Malavares virou sua atenção para aquele mercenário, descartando a pele seca da sua última vítima. Sem perder tempo, se pôs em movimento e avançou em sua direção, com seus passos pesados. O pobre combatente fechou os olhos e começou a rezar para todos os deuses, aceitando a morte iminente.

    Porém, tudo o que escutou foi o som de uma garrafa de vidro sendo quebrada. Ao abrir seus olhos, a cabeça do monstro estava pegando fogo. Não era o bastante para feri-lo significativamente, mas foi o tempo necessário para sentir alguém puxando a gola do seu colete para trás.

    — Recue e dê cobertura para a gente! — disse Marcus, dando um tapa em suas costas.

    O Malavares começou a se debater, enquanto apagava o fogo de sua cabeça. Atrás dele, Samir travava seu rifle e sacava seus brinquedinhos favoritos: sua Beretta M9 e seu machado com fio de obsidiana.

    — Marcus, me dá apoio no meu recuo. Tá na hora de mostrar a essa criatura que a Família Bakir conclui seus negócios.

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