Capítulo 60 — A casa está caindo.
Um cheiro pungente atingiu o nariz afiado da bruxa, o que a deixou preocupada. Estando a apenas alguns minutos do templo de Malchi-Zarum, o cenário de morte e devastação que esperava encontrar não estava cumprindo suas expectativas. Seu olhar se dirigia para todo o lado, como se tentasse encontrar qualquer coisa que pudesse confirmar o que tinha acontecido ali.
A sua preocupação chegou a ser sentida por Sarisa.
— Tá tudo bem? — perguntou a garota, preocupada.
Kalira imediatamente tentou se recompor.
— S-sim! Eu só estava olhando em volta. Sabe como é, esses lugares nunca são totalmente seguros. Olha! Dá para ver o templo daqui!
O olhar de Sarisa deixou a bruxa e se focou nas primeiras colunas que consegui observar daquela distância. Um sentimento de nostalgia misturado com curiosidade tomou conta do seu corpo, fazendo-a avançar na direção da sua antiga casa.
— Sarisa, espera! — clamou Kalira.
Seus passos a acompanharam em sua excitação jovem, descendo o pequeno barranco e dando de cara com as colunas que formavam a entrada de um lugar majestoso. Ou pelo menos era há cerca de duzentos anos. Os pilares que antes eram de gesso polido, estavam cobertos por quatro ou cinco camadas de gerações de musgos. As estátuas estavam parcialmente irreconhecíveis e as gravuras de metal residiam desbotadas.
Sarisa olhava horrorizada para aquela paisagem. Vendo o quão devorado pela natureza sua casa estava, sua percepção de tempo ficou completamente confusa e uma vertigem súbita atingiu sua mente. Sua respiração ficou pesada, suas pernas tremeram e seu corpo quase atingiu o chão, até Kalira a segurar.
— Você tá bem? Quer sentar um pouco?
A garota se firmou no chão, recuperando um pouco da sua estabilidade. Apesar disso, seus olhos confusos permaneciam sem entender o que estava acontecendo.
— Kalira, por quanto tempo eu dormi?
Embora tivesse certeza que foi cerca de duzentos anos, sabia que revelar aquilo poderia acabar afetando a mente da garota, deixando sua mente instável e perder o controle sobre sua magia. Falhar no processo tão perto do sucesso era inconcebível.
— E-eu não sei, Sarisa. Mas desde que me conheço por gente, esse templo está aqui. Podemos voltar outro dia e-
— Não! — interrompeu a garota. — Eu preciso saber a verdade o mais rápido possível. Só assim eu poderei descobrir qual é o meu papel nisso tudo.
Sarisa caminhou em direção ao templo, tentando encontrar as respostas que tanto desejava. A bruxa quase a seguiu, quando algo à sua direita chamou sua atenção. Seus passos instintivamente mudaram de direção, perseguindo o que a atraía. Um cheiro familiar, pútrido e azedo que tinha conjurado na noite passada. Embora tivesse marcas de sangue no chão, galhos quebrados por todo o lado e marcas de pegadas gigantes, não parecia ter o nível de destruição que almejava.
O pior cenário tinha acabado de acontecer. O corpo destroçado e carbonizado do seu Malavares residia na sua frente, completamente irrecuperável. E pelo jeito que estava, não parecia ter sido causado apenas por um poder massivo e exagerado, mas sim golpes precisos e que miravam nos lugares corretos.
“Eles possuem bem mais recursos do que eu imaginava…”
Não demorou para a bruxa notar que a cabeça da criatura estava em falta. Ela olhou em volta, tentando ver se não tinha sido arrancada por alguma criatura ou perdida por ali. O corte no pescoço tinha sido cirúrgico, indicando que tinha sido proposital.
— Não faz sentido alguém ter pego a cabeça dessa criatura como troféu…espera! A coroa de sementes!
Aquilo era toda a resposta que Kalira precisava saber. Seus oponentes não eram soldados de baixo nível, mas sim combatentes altamente treinados e com plena capacidade de lidar com seus recursos. Até onde sabia, elas poderiam estar caindo de cabeça em uma armadilha.
— SARISA! ONDE ESTÁ VOCÊ — gritou Kalira, enquanto corria na direção da garota.
A sacerdotisa, por sua vez, se encontrava na frente da entrada principal das câmaras internas do templo. Aquelas paredes, completamente cobertas por mofo e desgastadas, já foram motivo de admiração pelo seu trabalho manual e perfeição artística. As memórias do tempo em que esteve naqueles corredores e salões de adoração, junto com suas colegas e sacerdotisas, dançavam em sua mente, revivendo a nostalgia de um tempo que parecia tão perto, mas tão longe ao mesmo tempo.
Será que elas partiram de forma pacífica? Será que permaneceram no templo até o fim dos seus dias? A saudade pelo tempo perdido obscureceu sua mente, culminando em uma pequena e gentil lágrima no canto do seu olho direito. Seu pé direito deu o primeiro passo para dentro do templo, enquanto seu nariz se acostumava com o cheiro forte de bolor e seus olhos na escuridão.
Foi quando escutou atrás de si os gritos da Kalira. Aquela voz exasperada imediatamente chamou sua atenção. A mulher corria em sua direção, com uma expressão desesperada.
— SARISA! É UMA ARMADILHA! TEMOS QUE DAR O FORA DAQUI-
As palavras aterrissaram no subconsciente da garota, quando uma mão enorme masculina agarrou seu ombro firmemente e a puxou com toda força para trás, sugando-a para a escuridão.
— NÃO! — disse Kalira.
Antes que pudesse sequer processar o que estava acontecendo, um frasco de vidro caiu próximo aos seus pés, rompendo-se em estilhaços e liberando uma fumaça branca que se espalhou rapidamente pela região.
Porém, não se tratava apenas de fumaça convencional. Seus olhos começaram a ficar irritados e o cheiro começou a causar uma sensação de queimação em seus pulmões. Kalira começou a tossir bastante, enquanto tentava se apoiar em qualquer lugar.
“Eu estou vulnerável! Tenho que sair daqui rápido!”
No meio da fumaça branca, a bruxa semicerrou os olhos, tentando apalpar qualquer coisa que parecesse resistente. Quando encontrou algo, até achou que poderia ser uma coluna, mas tinha um formato muito estranho.
— Esqueceu isso daqui! — disse uma voz abafada na sua frente.
A próxima coisa que viu foi um enorme punho fechado acertando o seu rosto com uma força tremendamente desleal, rompendo seu equilíbrio inteiramente e jogando-a no chão. Sua cabeça atingiu o solo com tamanha força que sua consciência oscilou. Do chão, sua visão embaçada detectou duas silhuetas masculinas com máscaras respiratórias e armados da cabeça aos pés.
— Esse é o elemento perigoso que estavam mencionando mais cedo? — perguntou um deles.
O outro acertou um chute com sua bota pesada na costela de Kalira, puxando sua consciência de volta ao corpo enquanto o mesmo se contorcia de dor.
— Não tem como, caindo fácil desse jeito? Deve ser uma civil burra passando por um lugar perigoso desses.
“Filhos da puta!”
Kalira estava completamente encolhida no chão. Toda vez que tentava respirar, seus pulmões ardiam dolorosamente. Ela tentou se arrastar pelo chão, mas um dos soldados colocou sua bota número quarenta e dois em sua mão, esmagando-a. A dor foi tanta que não conseguiu evitar e soltou um longo grito estridente.
As coisas estavam prestes a piorar.
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