Capítulo 62 — Sobre Cerco Inimigo
O primeiro mercenário segurou firme sua Beretta, seguindo pela cortina de fumaça que tinha acabado de criar. Cada passo era envolto em cautela, diminuindo o máximo possível do barulho para conseguir escutar seus arredores da melhor forma possível. Não podia respirar fundo, pois embora a máscara atenuasse drasticamente a substância no ar, não o tornava plenamente imune aos seus efeitos. Possivelmente, precisaria passar um dia inteiro de repouso após todo o tempo exposto a esse gás para desintoxicar.
Porém, não podia deixar de prestar atenção em duas coisas urgentes que estavam acontecendo naquele momento: os barulhos perturbadores que se originavam do templo e a dor lancinante que estava consumindo o seu ombro. Ele olhou mais uma vez, apenas para ver que o sangramento ainda persistia.
— Vaca imunda! — murmurou ele, segurando seu ombro.
Era bizarro pensar que em um segundo, ela estava imobilizada e controlada no chão, no outro estava a poucos centímetros de finalizar com um golpe fatal. Foi rápido e preciso, como um tiro de um rifle ou uma flecha de um mestre. Aquele braço seria praticamente inútil por pelo menos uns dois meses.
De repente, seus ouvidos captaram uma movimentação na névoa. Seus reflexos imediatamente o fizeram apontar sua arma naquela direção, mantendo seu olhar estarrecido através da máscara. Nada.
Porém, a ausência de pistas e a constante dissipação da fumaça eram fatores complicados demais para serem ignorados. Vendo que não tinha o que fazer, o homem resolveu seguir o trajeto, tentando encontrar qualquer sinal da sua ameaça. Com nada além do som dos seus próprios passos esmagando as folhas, sua pistola permanecia erguida na altura dos olhos, assim como seu dedo indicador pressionando o gatilho.
Mesmo que o ambiente fosse um tanto frio, o suor em suas mãos contribuía para o seu desconforto. Ocasionalmente, o sangramento do seu ombro fazia seu corpo suar frio e a dor quebrava sua concentração, afinal eram dois ossos fraturados sem tratamento. Embora tentasse focar, parecia impossível manter o foco intacto.
Então, outro vulto surgiu.
O mercenário não tinha tempo para decidir. Quanto mais demorasse, mais eram as chances de ocorrer infecções. Sem hesitar, puxou o gatilho duas vezes, criando um clarão no meio da névoa e dois estrondos violentos. Aquele barulho provocou seu colega, que imediatamente se virou na direção do som e disparou fogo também.
— ACHOU ELA? — gritou seu colega, com a semiautomática em mãos. — A BRUXA CAIU?
— VOCÊ QUASE ME MATOU, CARALHO! NÃO PRESTA ATENÇÃO ANTES DE ABRIR FOGO?
— VOCÊ QUE ABRIU FOGO PRIMEIRO! SÓ SEGUI A LÓGICA, SEU ANIMAL!
— É mesmo? Então volte a fazer a porra do seu trabalho em vez de perder tempo aqui! A cada segundo, é mais um momento que a bruxa pode usar pra fugir.
Esbravejando, seu colega simplesmente abaixou seu rifle e seguiu na direção contrária. Vendo que estava objetivamente sozinho, o mercenário colocou sua mão no ombro devido a caminhou até a direção dos projéteis, pois tinha certeza que algo tinha sido acertado. Ao se aproximar o suficiente, se deparou com uma coluna de mármore esburacada. Ainda era possível ver a fumaça saindo dos orifícios.
— Merda…vamos acabar destruindo esse lugar inteiro até o último segundo — murmurou.
Porém, algo estranho aconteceu. De repente, aquela área levemente iluminada pelo sol ficou escura instantaneamente. Ele não era maluco: aquilo era uma sombra. Seu olhar imediatamente subiu, junto com sua mira. Então, viu aquela enorme mancha sombria saltar por cima da sua cabeça até o solo. O mercenário a acompanhou com o olho, até pousar na sua frente.
A mancha escura se revelou na forma de uma mulher, com a pele pálida feito o mármore, chifres e olhos tão negros quanto obsidiana. Seus dentes eram laminados como facas militares e suas mãos eram acompanhadas por garras negras obscenamente longas. Seu corpo estava arqueado, como uma cobra prestes a dar o bote.
Seu corpo congelou por uma fração de segundos com aquela aparição repentina. Nunca tinha visto uma bruxa antes. Embora não fosse tão assustadora quanto as das histórias infantis, a perversidade naqueles olhos vazios parecia fazer jus aos contos perversos que passou boa parte da vida escutando.
— BRUXA-
Seu dedo puxou o gatilho, mas foi a última coisa que conseguiu fazer. A mulher avançou em uma velocidade inumana em sua direção, perfurando seu colete e suas costelas com todas as dez lâminas em seus dedos. Todos os seus órgãos naquela região foram drasticamente perfurados e lacerados. Seu corpo entrou em colapso imediato, seguido da vazão intensa de sangue vazando pelos seus orifícios.
Então, a bruxa puxou sua mão direita junto com as garras que o perfuravam e usou seu indicador na direção da sua testa, perfurando seu crânio e prendendo sua cabeça na coluna. Seu cadáver residia pendurado como um papel preso por um alfinete. Seus olhos guiados para cima, na direção do espinho que residia em sua testa, completamente estatelados com o horror antes da morte.
— EI, VOCÊ A ACHOU? ABRIU FOGO DE NOVO? — gritou o outro mercenário, aproximando-se lentamente com o rifle em mãos.
Através dos seus passos cautelosos, seus pés se esbarraram em algo solido no chão. Ao se agachar para ver do que se tratava, viu uma pistola do mesmo modelo que a sua, com o cano ainda quente por causa do disparo. Ao olhar a numeração, soube imediatamente que pertencia ao seu colega. Não fazia sentido ele soltá-la daquele jeito.
Então, o mesmo olhou para frente e viu o horror: seu colega completamente brutalizado e pendurado na coluna, como um papel preso por um alfinete (é uma analogia boa demais para não ser usada). Embora não tenha sido um choque absoluto, pois a poucas horas tinha presenciado um enorme monstro assassinar brutalmente dois dos seus colegas, o horror perpetrava em sua mente. Com as mãos trêmulas, ele segurou o rifle e começou a dar passos sutis para trás, enquanto apontava para toda a direção.
— CHEGA DE JOGUINHOS! APAREÇA, BRUXA! SAIA DA SUA COVARDIA E ME ENFRENTE!
Seus passos eram sucintos e seu olhar afiado. A fumaça estava prestes a dissipar e sua visão ficaria mais clara do que nunca. Se fosse para lutar contra um adversário invisível, era melhor forçar sua exaustão e priorizar a própria sobrevivência. Não iria cometer o mesmo erro que seu colega e deixar sua guarda aberta. Faltavam poucos segundos para a fumaça dissipar e então correria de volta ao templo.
Então, sentiu um incômodo em suas costas. Uma coceira, seguida de uma ardência. Seu corpo se esbarrou em algo que parecia macio, mas ao mesmo tempo desconfortavelmente frio. Ele pensou em se virar, mas algo estava errado em seu corpo: seus músculos estavam ficando rígidos muito rápido e seu corpo estranhamente começou a esfriar e empalidecer.
— O q-que tá a-acontecendo? — ponderou, enquanto percebia sua voz enfraquecer.
Seu pescoço retesado se inclinou para trás, deparando-se com uma mulher que deveria ter uns quinze centímetros a menos de altura com a mão apoiada em seu ombro, enquanto um espinho proveniente do dedo indicador da sua outra mão atravessava transversalmente sua pele e músculos na região onde ficava a base da sua coluna vertebral.
— Shhh — sussurrou em seu ouvido, enquanto o veneno em suas garras, ampliados pela sua magia sombria, desativava as funções motoras do corpo do mercenário.
Seus dedos já tinham deixado seu rifle escorregar de suas mãos, deixando-o completamente vulnerável. Aquelas mãos macias deslizaram por sua pele e subiram pelas suas orelhas, até alcançarem seu cabelo, puxando-o até inclinar sua cabeça levemente para a direita.
— Eu vou pegar um pedaço — disse Kalira, ainda sussurrando em seu ouvido. — Espero que não se importe.
Inclinando seu rosto até sua pele, ela sentia o cheiro de medo, horror e suor que aquele homem exalava, deixando-a completamente extasiada. Sua língua encostou em seu pescoço lentamente, percorrendo sua pele deixando uma sensação quente e úmida, a ponto de fazê-lo se estremecer.
Sua mandíbula começou a se abrir inconscientemente, seus dentes friccionavam a carne do mercenário, que não tinha forças nem para formar uma palavra, apenas para formar urros desesperados em sua garganta.
Seus dentes cravaram na pele, penetrando lentamente e rompendo os tecidos e músculos, como um predador em sua presa. O sangue quente escorria para sua boca, vazando pelos cantos dela. A carne cedia em camadas, os músculos rompiam como seda rasgada. Naquele ponto, os olhos revirados do mercenário indicavam que seu cérebro entrou em colapso por tamanha dor.
Após alguns minutos, Kalira voltou a si. Sua boca estava toda suja, assim como suas roupas novas, completamente manchada de sangue. A cabeça do homem residia na sua mão direita, completamente desfigurada ao ponto de beirar ao indescritível.
— Lily! Eu tenho que salvá-la! — disse Kalira, correndo em direção ao templo.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.