Capítulo 76 — Espremendo Até Sair Caldo (Parte 1)
O dia estava prestes a acabar, o sol gradualmente se escondia no horizonte e as lojas começavam a fazer seus balanços contábeis para finalizarem seus dias. Não demoraria muito para Huan Shen ter que voltar para o sítio. Porém, ainda tinha uma última parada antes de finalizar seu dia.
O cavalo que pegou emprestado parou na entrada do bairro do Elísio, a região mais nobre de Santa Marília. Diferente do Bairro do Baco, a presença de cidadãos do setor agrícola era quase nula. As construções eram bem espaçadas e com muros cercando-as. O chão de paralelepípedo servia para comportar as dezenas de carruagens à vapor que circulavam as pistas.
“Talvez eu devesse levar a Lily em um dos restaurantes daqui antes de ir embora.”
As construções comerciais também eram diferentes. Bem mais limpas e organizadas, sua clientela estava sempre bem-arrumada e comportada. Dava para escutar a presença de gramofones tocando sons harmoniosos em algumas, enquanto outras tinham músicos criando uma sonoridade ambiente para manter os clientes entretidos. Só em uma das ruas, tinham mais lâmpadas que quatro ou cinco ruas do setor comercial juntas.
Algo que percebeu de cara foi a ausência da milícia naquela região. O policiamento era forte, em seus primeiros minutos já tinha se deparado com quatro a cinco policiais realizando uma patrulha rotineira pelas ruas. Alguns olhos desviavam em sua direção, mas não podiam fazer nada sem nenhuma espécie de motivo.
“Então a brutalidade militar fica só com os bairros onde tem mais gente pobre, né? Entendi.”
Sua pista o guiava até uma casa de câmbio que se encontrava na região leste de Elísio. Embora houvesse um banco situado naquele bairro, uma casa de câmbio tinha seus processos de troca, compra e venda bastante agilizados, caso você optasse por velocidade acima de segurança em algum tipo de negócio. Por incrível que pareça, aquele lugar era bem mais frequentado por pessoas com um alto capital do que pessoas de baixa renda, o que justificava sua localização privilegiada em um bairro caro.
A casa de câmbio era bastante modesta. Uma construção com apenas um andar, feito em uma estrutura sólida de alvenaria e uma placa modesta, escrita “Irmãos Pagliacci – Câmbio”, com uma moeda de prata e o símbolo de um leão, representando o Santo Império. Na entrada, dois homens grandes aguardavam na porta, utilizando coletes balísticos e com um machado embainhado na cintura, junto com um coldre e uma nove milímetros na cintura.
“A arte da espada parece estar desaparecendo gradualmente. Isso é triste, sinceramente.”
Seus olhos imediatamente pairavam sobre Huan Shen, que se aproximava sem nenhum sinal de hesitação ou receio. Aquilo deixou os seguranças apreensivos, pois seu trabalho consistia em deixar qualquer um que pensasse em entrar por aquelas portas completamente receosos.
— Ei, você! — disse um deles, estendendo a mão na direção do emissário.
Embora os guardas tivessem aproximadamente um metro e oitenta a um metro e oitenta e cinco, além de estarem devidamente em forma, a pequena diferença de altura entre eles e o emissário geravam um temor desconfortável nos mesmos. Sem contar que seus músculos, que mantinham sua camisa justa e bem marcada não ajudavam.
Huan Shen parou e encarou o segurança que estendeu sua mão, mantendo seu olhar impassível.
— Diga suas intenções nesse lugar! — exigiu o outro segurança, com a mão sobre o seu coldre.
O olhar arrastado e pesado do emissário caiu sobre ele também, que imediatamente deu um passo para trás. Era a mesma sensação de estar frente a um tigre agachado, preparando-se para dar o bote e atacar seu pescoço.
— Só vim fazer umas trocas. Tô com uma escritura de um terreno que não preciso mais e preciso de uma grana urgente.
O segurança pensou em pedir alguma forma de prova, mas sabia que caso estivesse certo, seria um confronto nem um pouco agradável. Caso estivesse errado, poderia ser a perda de um cliente em potencial e ter que enfrentar a ira dos seus chefes. Não compensava.
— Ok, você pode entrar. Mas eu estarei de olho.
O emissário entrou dentro do prédio, que não tinha sequer uma janela decente, apenas alguns basculantes. Ao subir as escadas, viu uma única porta de uma única sala. Ao lado, havia um banco com um homem aguardando sentado, que o encarava diretamente.
“Esse cara…ele não é pouca coisa.”
Um jovem igual ao mesmo, aproximadamente vinte e três anos, com um longo cabelo molhado na altura dos ombros, marcas de lápis de olhos e uma barba malfeita. Uma camiseta de manga longa preta, com alguns buracos de desgaste, uma calça de couro e botas grandes e pesadas. Ocasionalmente, balançava um canivete de um lado para o outro.
— Acho que ouvi falar de você — disse ele, esboçando um sorriso cínico. — Você é o grandão que está trabalhando pro siberiano no sítio, né? Tá bem longe de casa.
A forma como ele falava, o sorriso cínico e a arrogância, eram uma forma subliminar de incitar a violência. Caso perdesse a paciência ali mesmo, estaria em uma desvantagem numérica de três para um em um ambiente apertado e nada favorável.
— E eu nunca ouvi falar de você — respondeu o emissário, dispensando o rapaz.
“Você é um dos homens dos Bakir. Acha que eu não faço minhas pesquisas, filho da puta?”
O homem riu e se levantou do banco, enquanto jogava sua cabeleira para trás. Seu olhar desvairado encontrou o olhar inflexível do emissário, como se estivesse prestes a se chocar. Huan Shen fechou o punho, como se esperasse o contato.
Então, a porta se abriu. De lá, saiu um homem loiro e corpulento. Não tão alto quanto o emissário, mas que não devia em nada no seu físico. Havia uma cicatriz bem desagradável embaixo do seu pescoço. Ao seu lado, um siciliano, com camisa florida e óculos escuros o acompanhava.
— Acho que isso conclui nosso negócio por hoje, Lucca. Bakir agradece seus serviços, como sempre.
“Esse é um dos outros homens dos Bakir.”
O loiro cruzou olhares com Huan Shen também, mas preferiu simplesmente descer pelas escadas sem provocá-lo. O outro resolveu segui-lo, enquanto mantinha os olhos grudados no emissário. Ao vê-los sumindo escada abaixo, sua atenção se voltou para o siliciano ali.
— Então você é o homem do dinheiro? — questionou Huan Shen.
— Depende! Pra rir tem que me fazer rir. Que tal conversarmos na minha sala?
O emissário entrou e imediatamente puxou uma cadeira. Vários armários de arquivos no canto da parede, protegidos não apenas por trancas e cadeados, mas sim por uma magia de selo espacial.
“Ele deve ter gastado uma fortuna para aplicar uma magia dessas. Deve ser por isso que sua clientela o permita pagar o aluguel de um lugar assim.”
— Então, meu tempo é curto. Não sei se você possui alguma coisa que me interesse, então comece a desembuchar — disse ele, sentando-se em sua cadeira.
“Eu ia pegar leve com esse filho da puta, mas agora eu que tô puto.”
— Não sou eu que tenho alguma coisa que possa te interessar, mas sim você. Há quatro meses, uma caravana pegou a rota sul em direção a Selva de Concreto. Por fora, parecia uma caravana de caça, com lanças, peles, tendas e esse tipo de coisa. Porém, o que eles carregavam de verdade eram quatro pessoas contra as suas vontades.
Lucca começou a suar frio.
— O que me intriga é que existem pontos de vistoria intensos espalhados por Santa Marília. Quando eu cheguei até aqui pelo portão principal na primeira vez, só faltaram olhar dentro do meu cu para ver se encontravam alguma coisa. Porém essa gente consegue passar por diversos bairros e por algum motivo, os guardas ficam automaticamente cegos. Não é uma loucura?
— E-eu não sei que tipo de informação você espera de mim. Aqui é uma casa de câmbio, não somos agentes da fronteira.
— Para eles terem passado sem nenhuma vistoria, é necessário ter uma Autorização Imperial de Caça e Comércio. Apenas pessoas registradas em Santa Marília conseguem fazer uma solicitação formal à administração imperial local e precisam esperar quase um ano para conseguir a emissão de uma dessas autorizações. Isso após uma investigação minuciosa de todo o histórico financeiro e criminal do solicitante. Mas aparentemente, supostos comerciantes estrangeiros que não passam mais do que um dia na cidade conseguem os mesmos benefícios. E isso me deixa bastante intrigado!
Suas mãos começaram a escorregar lentamente de cima da mesa para o seu colo.
— Mantenha suas mãos sobre a mesa. Você precisa de três segundos para puxar o revólver debaixo da mesa, desengatilhá-lo, mirá-lo e disparar contra a minha cabeça. Eu preciso de apenas um para te afogar no próprio sangue.
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