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    Algumas horas depois…

    Com nada além do seu roupão de banho azul-turquesa, acompanhado da Ilivana que o seguia um pouco mais atrás segurando uma pequena pasta em mãos, Leonard puxou uma cadeira na mesa onde seu pai e seus convidados o aguardavam.

    — Peço desculpas pelo atraso, cheguei exausto da viagem e quis relaxar um pouco antes de focar nos negócios.

    Todos os comparecentes concordaram sutilmente com a cabeça. Eram apenas quatro pessoas, porém todas elas controlavam Santa Marília. Devar Bakir tinha a maior quantidade de terras agrícolas e era o maior exportador de milho e soja para outras regiões, Luciana La Vie era não só o maior exportador de trigo de Santa Marília, mas também dono de 30% do comércio local, Julius Caraveche estava no seu sexto ano como regente da cidade e Victor Tarasov era o comissário da Polícia Imperial.

    Toda vez que uma decisão importante estivesse prestes a ser tomada, aqueles homens se reuniam para dobrar a cidade às suas necessidades.

    — Soube que foi visitar Kul’Tacan, Leo — disse Luciana, tomando um gole de chá. — Trouxe alguma lembrancinha para mim?

    Tarasov quase torceu o nariz. Ele detestava a ideia daquele lugar estar basicamente no controle de piratas e ladrões.

    — Não foi uma viagem recreativa, La Vie. Estava lá para cortar pontas soltas que poderiam se tornar problemáticas depois.

    — E precisou levar sua noiva para uma viagem de negócios? — questionou.

    — Porra, Luciana! — esbravejou o jovem. — Você sabe que eu não gosto quando você fica tentando sondar algo que você pode só perguntar diretamente! Desembucha logo!

    Um silêncio se estabeleceu na mesa, capturando a atenção de todos. O olhar feroz do jovem rodeava a mais jovem proprietária de terras da região. O que ela tinha de bom em termos de conhecimento mercantil, não tinha em relação à noção do perigo.

    — Eu vou manter os meus comentários para mim, Leo. Pode prosseguir.

    Pegando a pasta na mão da sua empregada, uma carta, alguns documentos e uma tabuleta de jade foram postas sobre a mesa.

    — Tô vendo aqui que você conseguiu firmar um acordo de exportação com Primeira Estrela e Esmeralda, Luciana. As rotas são boas e vamos conseguir economizar na segurança do transporte.

    A moça deu um singelo sorriso.

    — Obrigada! Eu fiz do jeito que você sugeriu, mas vou precisar de um celeiro muito maior do que as minhas terras possuem no momento. Eu até peguei a terra daquele velho alguns meses atrás, mas eles já estão destinados a outras demandas.

    — Meu pai já está resolvendo isso. Tem uma terra ótima próxima a fronteira, vai dar para construir seu celeiro lá e estender parte da sua produção. O proprietário é idoso, já cortamos parte do financiamento dele e subornamos alguns mercados locais para ele ficar contra a parede já tem um tempo. Pode ir preparando a equipe de construção.

    Por alguns segundos, Tarasov ponderou em sua mente sobre o quão ético era “forçar” pessoas a saírem das suas terras para comprá-las e aumentar o próprio lucro.

    — Comissário — chamou Leonard —, preciso saber se meus homens estão colaborando com os seus. Faz tempo que não recebo nenhum relatório diferente, queria uma outra opinião.

    — Eles são eficazes no que fazem, jovem mestre. Porém, como eu não possuo nenhuma autoridade sobre eles, gostaria de pedir que eles fossem tão incisivos quando estivessem realizando apreensões e também parassem de exibir suas armas de forma tão extensiva. Isso pode acabar gerando pânico no povo.

    Tanto pai quanto filho soltaram um contido riso.

    — Tarasov, meu caro. É por isso mesmo que eles precisam estar armados até os dentes. Sabemos que a força policial não está recebendo verba e os equipamentos estão defasados. Vocês não vão poder segurar as pontas caso algo piorem. É para isso que meus homens andam armados junto aos teus. As pessoas precisam saber que tem uma força ostensiva que poderá defendê-las de bandidos, criminosos e imigrantes que vêm para nossa terra para causar caos.

    O comissário pensou em responder, mas ele sabia bem da situação. Julius estava bloqueando mais de 80% do orçamento da Polícia Imperial desde seu primeiro ano. Todo esse processo de defasagem foi planejado, calculado e feito para que as forças militares respondessem não à justiça, mas sim aos “donos” da cidade.

    E o pior de tudo isso, era que ele estava sendo cúmplice de tudo aquilo, recebendo um alto valor todo mês para garantir que as pessoas que poderiam ser uma ameaça ao seu domínio fossem devidamente cuidadas pelos métodos “legais”.

    — Entendo, jovem mestre.

    — É uma pena — disse Julius, cruzando os braços. — Eu até gosto desses imigrantes que vem pra cá, pois eles custam metade de um cidadão médio. E como ainda não são cidadãos imperiais, não precisamos gastar com coisas como fundo de aposentadoria.

    Julien olhou para o anel de esmeralda em seu dedo, uma relíquia do tempo da sua avó.

    — Eu também gosto, Julius. Porém, se os deixarmos livres e sem nada para se preocuparem, eles podem começar a se organizar, quem sabe no pior dos cenários se juntar com os pequenos agricultores e exigirem cidadania imperial? Aí a Capital manda seus investigadores e escrivães para acabar com tudo que construímos ao longo de anos. Simplesmente não compensa.

    — Eu sei que não, senhorita. É que essa prática pode não ser sustentável a longo prazo, só isso.

    — Podemos deixar para cuidar de um problema quando ele realmente chegar a ser um, regente. Vamos focar no agora, por enquanto.

    Sem nenhuma resposta, ele respondeu com um aceno de cabeça, junto com os outros integrantes.

    — Alguém quer falar mais alguma coisa? Algo que…sei lá, possa incomodar todo o trabalho que tivemos? — perguntou Leonard, com seu olhar afiado.

    Um silêncio generalizado se estabeleceu naquela sala. Alguns se entreolharam, tentando encontrar a resposta nas faces um dos outros. Claro, cada um ali estava responsável por operar em uma pequena parcela do grande esquema e tinham suas preocupações, mas não parecia ter nada que fosse digno da atenção do homem que estava comandando tudo aquilo.

    — Fora problemas pequenos, não vejo nada que seja digno desta reunião — respondeu Devar. — Você está sabendo de algo fora do nosso escopo, Leonard?

    O jovem mestre segurou a tabuleta de jade nas mãos, dando uma boa olhada antes de jogá-la no centro da mesa.

    — Anteontem, isso chegou na minha mesa enquanto eu jantava. Era uma mensagem de um dos irmãos Pagliacci, dizendo que um homem enorme invadiu seu estabelecimento, o agrediu e exigiu informações sensíveis. Informações envolvendo partes da nossa operação.

    O clima apreensivo rapidamente se tornou desconfortável.

    — Ele é só um lavador de dinheiro entre vários que possuímos, que informação ele poderia ter? — questionou Devar, confuso.

    Leonard cerrou os punhos por alguns segundos, antes de puxar a tabuleta de volta para sua mão. Seu pai notou isso.

    — Esse não é o único problema. Meus homens informaram que alguém com essa mesma descrição física causou problema em um dos seus mercados, La Vie. Isso procede?

    — S-sim, mas não é nada fora do comum alguém reclamar da mudança súbita de preços. Inclusive, eu vi alguns dos seus homens indo atrás dele. Já devem ter dado uma surra nele uma hora dessas.

    — Quatro dos meus homens estão desaparecidos desde aquele dia, Luciana. Quatro! Não estão em casa, não foram vistos atravessando a fronteira, não estão perdidos em um bar sujo por aí. E a última vez que foram vistos foi na direção do bar onde esse elemento foi visto por último.

    — Certo — disse Tarasov —, sabemos que isso pode ser suspeito, mas-

    — Pai! — interrompeu Leonard. — O Dr. Magalhães confirmou a venda da propriedade do velho que vive próximo a fronteira? O siberiano, acho que é Kushinov ou algo assim.

    Devar sabia que era uma pergunta retórica. Mesmo que fosse seu filho, ainda era um Bakir que estava na liderança. Ele deixou todos começarem falando e expressarem suas opiniões livremente, para então puxar todos pela corda e os colocarem em seus lugares. Aquela pergunta não era apenas para fins informativos, mas sim mostrar sua falha publicamente.

    — Não. Parece que o velho teve auxílio de um homem que se encaixa na mesma descrição apresentada. Huaxiano, alto, físico avantajado e postura agressiva.

    Leonard comprimiu os lábios, enquanto estendia suas palmas na mesa. Seu olhar afiado cortava a convicção de todos ali presentes, que temiam quais seriam as próximas palavras dele.

    — Tarasov, seus policiais falharam com o pobre Pagliacci, que foi espancado por um imigrante violento. Julius, como quatro dos meus homens desaparecem e você não faz nada? Ser um regente é um cargo de enfeite para você? Lucien, que trabalho de merda é esse que você tá fazendo nos mercados a ponto de simples agricultores negociarem seus preços? Perdeu a porra do juízo, mulher? E você, pai! Se seu advogado perdeu para um velho fazendeiro, ele é um merda. Todos vocês falharam comigo nesses últimos dias e eu não gosto nem um pouco disso.

    O comissário até coçou a língua para tentar reclamar, pois a sensação de ultraje em ver alguém tão jovem agindo com tamanha autoridade e arrogância o forçava a se levantar e colocá-lo de volta em seu lugar.

    Porém Leonard era um mago.

    Em um simples movimento, ele poderia cortá-lo ao meio. E quando fizesse isso, todos iriam encobrir suas ações. Sua morte teria sido simplesmente em vão. Mesmo não sendo o único mago, era possivelmente o mais poderoso de Santa Marília.

    — Eu vou traçar algum plano para corrigir isso e lidar com esse infortúnio, antes que ele piore. E se for preciso, vou lidar com esse homem pessoalmente. Estão dispensados.

    Leonard olhou o relógio em seu bolso. Ele tinha um outro compromisso naquela noite, um que era bem mais importante.

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