Capítulo 96 — Balanço de Valores
Foi cerca de uma hora do sítio até a delegacia na Avenida Juno, próxima do centro de Santa Marília. Embora estivesse algemado, dois milicianos armados estavam o escoltando armado, mesmo que estivesse preso sobre grades na parte de trás da carruagem à vapor. Ele olhou para as algemas, sabendo que poderia fugir dali a qualquer momento, mas sabia que estaria colocando muito mais gente em perigo caso fizesse isso.
“Não é a primeira vez que eu tenho que encarar uma cela, mas é sempre uma experiência detestável.”
Quando a carruagem finalmente parou, a grade se abriu e o emissário saiu lá de dentro, se deparando com seus vigias o encarando hostilmente. Seus dedos encostaram suavemente no gatilho, como se implorasse pela menor das justificativas para poderem descarregar todo o pente em suas costas.
Porém, Huan Shen não os daria essa satisfação. Com suas mãos à frente do seu corpo e passos ritmados, ele seguiu em direção ao prédio da delegacia. Ainda que não tivesse adentrado o estabelecimento, seu tamanho chamava a atenção dos policiais nas proximidades, que o encarava com um certo temor. Seu olhar frio e agressivo os fazia procurar seus coldres inconscientemente, como se uma ameaça invisível pudesse saltar em seus pescoços a qualquer momento.
— Anda logo! Não temos o dia todo! — disse Tarasov, adentrando na delegacia.
A parte interna era bastante básica. Uma recepção, vários escritórios com móveis simples, iluminados por uma luz branca tão monótona quanto aquele lugar. Quando se viu basicamente arrastado direto até a sala do interrogatório, questionou:
— Eu não deveria pelo menos deixar meus dados na recepção?
— Estamos com pressa! — disse Tarasov. — Não temos tempo para perder com trivialidades como essa?
— Procedimento é trivialidade, então? Saquei…talvez isso diga uma coisa ou duas sobre a polícia em Santa Marília.
O comissário parou, cerrou o punho e virou seu corpo, acertando um soco no rosto do emissário tão intenso que ecoou por todo o saguão, deixando todos ali presente chocados.
— Isso também deve fazer parte do procedimento, imagino eu — respondeu o emissário, checando o pequeno talho aberto na sua bochecha.
— Você está sendo acusado pelo assassinato de um oficial imperial! — disse Tarasov, irritado. — Me perdoe se eu não acho que você mereça sequer a cortesia de ter tempo para pensar em qualquer desculpa para nos fazer perder tempo. Levem ele para a sala de interrogatório! Agora!
Huan Shen deu de ombros, enquanto era arrastado para uma das salas. Embora Anastasia soubesse que a polícia de Santa Marília não era uma das mais incorruptíveis, ver seu comissário agindo com tamanha falta de cuidado e truculência a fazia pensar no que poderia estar acontecendo para ele estar tão desesperado.
Alguns minutos depois, o emissário se encontrava na sala de interrogatório. Uma mesa longa, três cadeiras e um enorme vidro fosco que impedia qualquer um naquele lugar de observar quem estava atrás. Então, a porta se abriu. O comissário entrou com pressa e puxou uma das cadeiras, sentando-se na frente dele.
— Eu procurei registros seus no setor de migração daqui e mal tive informações sobre. A única coisa que fala aqui é que seu nome é… “Huan Shen” — disse Tarasov, quase como se fosse um trava-línguas. — E que você veio do Palácio Congelado. Isso é o suficiente para o meu relatório. Vamos para a parte que importa: você admite ter matado o Investigador Imperial?
O emissário respirou fundo, expressando seu descontentamento em silêncio.
— Eu te fiz uma pergunta!
Ele permaneceu em silêncio, com seus olhos castanhos fixos no comissário a sua frente. Tarasov sentia como se estivesse sendo observado por um tigre prestes a dar o bote pela segunda vez no mesmo dia. Aquilo o irritava.
— É do tipo silencioso, certo? Entendi. Estando em silêncio, você também se recusa a ter um advogado para defendê-lo dessa acusação, embora eu não ache que nenhum dos nossos respeitados homens da lei se prestaria a defender alguém capaz de cometer um ato tão selvagem quanto esse.
Do outro lado do vidro, Ahmed e Anastasia observavam o interrogatório com outros policiais.
— Que tal assim? Vamos pegar do início: temos registros seus ameaçando comerciantes no distrito comercial. Não apenas isso, mas a perturbação da paz no Bairro de Baco e recebemos uma denúncia de agressão de um dos nossos cidadãos mais prestigiosos que você o agrediu em seu estabelecimento. Todos os meus anos na polícia meio que corroboram a ideia de que você é um sujeito perigoso e que não tem o menor respeito pelas leis imperiais. O que tem a dizer sobre isso?
“Essas algemas parecem ser bem fortes. Acho que eu precisaria colocar bastante força para parti-las. Talvez meu pulso ficasse levemente marcado.”
— Quer ficar em silêncio? Ok. Eu vou deixar isso registrado quando sua situação ficar complicada no tribunal. Fique aí e pense no que fez, mas não se preocupe: você não vai a lugar nenhum.
“Que conversa produtiva.”
O comissário saiu irritado pela porta, batendo-a. Com sua pasta debaixo do braço, ela olhou para a dupla de detetives que estavam ali, apenas acompanhando o interrogatório, e disse:
— Detetive Volkova, interrogue o suspeito. Vê se consegue arranjar alguma informação útil desse meliante. Detetive Al-Amin, tente entrar em contato com a nossa rede de contatos para ver se conseguimos qualquer registro dele.
— Comissário, se estamos falando da morte de um investigador imperial, isso aqui vai se tornar uma bagunça em breve! É só uma questão de tempo até enviarem os Templários para investigarem Santa Marília.
— É por isso que você tem que conseguir extrair qualquer coisa útil dele! Aqueles homens vão transformar Santa Marília em um show de horrores só para encontrar um culpado que convença a ira do imperador. Agora se já cansou de fazer afirmações idiotas, vá fazer o seu trabalho.
Enquanto o comissário saia furioso em direção ao seu escritório, Ahmed e Anastasia trocaram olhares, como se estivessem acostumados com aquele tipo de coisa. Sem outra opção, a detetive pegou o seu caderninho e entrou na sala de interrogatório.
Várias questões ponderavam em sua cabeça. Ele sequer sabia falar o idioma imperial? Por que ele se entregou tão facilmente, mesmo nenhum policial o coagindo? Por que ele mataria um investigador imperial? E como ficaram sabendo disso tão rápido? Infelizmente, aquele homem não parecia nem um pouco disposto a abrir a boca para ajudá-la a ter respostas.
— Você tem os olhos da sua mãe — disse Huan Shen.
Aquilo imediatamente a colocou na defensiva. De fato, ele não apenas conhecia o idioma imperial, mas tinha ciência de quem era Natasha. Mais perguntas se formavam na cabeça da detetive, ao mesmo tempo em que questionava o quão perigoso poderia ser ir atrás delas.
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